O governo federal incluiu oficialmente as hidrovias dos rios Madeira, Tocantins e Tapajós no Programa Nacional de Desestatização (PND), conforme decreto publicado na sexta-feira (29), no Diário Oficial da União (DOU). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o Decreto nº 12.600 na quinta-feira, 28, abrindo caminho para os leilões de concessão planejados desde 2023.
A medida faz parte de um esforço para valorizar as hidrovias do chamado Arco Norte, corredor estratégico para o escoamento da produção do agronegócio pelos portos da Região Norte.
No dia 20 de maio deste ano, o Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) aprovou uma resolução recomendando essa inclusão. O decreto de Lula concretizou a proposta, marcando uma etapa decisiva para viabilizar as concessões.
O projeto prevê concessões para trechos específicos: a Hidrovia do Rio Madeira, com 1.075 km entre Porto Velho (RO) e Itacoatiara (AM); a Hidrovia do Tocantins, com 1.731 km entre Peixe (TO) e Belém (PA); e a Hidrovia do Tapajós, com 250 km entre Itaituba (PA) e Santarém (PA).
O Ministério dos Portos e Aeroportos e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) conduzem os estudos, planos e estratégias para as concessões. Segundo o governo federal, o processo mais avançado é o da Hidrovia do Madeira, que cruza 11 municípios. A previsão inicial era lançar o edital em 2025, mas, após contestações de políticos do Amazonas, o governo adiou a publicação para o primeiro semestre de 2026.
A Infra S.A. elaborou o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) da Hidrovia do Madeira e o entregou à Antaq em abril. O estudo aguarda análise do Tribunal de Contas da União (TCU). O projeto prevê um contrato inicial de 12 anos, com a exigência de garantir a navegabilidade o ano inteiro. Para isso, o operador deverá investir cerca de R$ 109 milhões em dragagem, sinalização, gestão ambiental e estudos hidrográficos.
Além da navegabilidade, a futura concessionária terá que operar adequadamente seis terminais de passageiros (IP4). O modelo prevê que 80% da remuneração virá da Conta de Desenvolvimento da Navegabilidade, fundo exclusivo para os rios Madeira e Tocantins.
Os 20% restantes virão da cobrança de tarifas sobre embarcações de carga — especialmente aquelas que transportam grãos, combustíveis e fertilizantes. O governo afirmou que não haverá tarifa para passageiros, embarcações mistas ou de pequeno porte sem atividade econômica regular, como pesqueiras ou embarcações recreativas.
Durante um evento sobre logística em São Paulo, no dia 30 de julho, o ministro dos Portos e Aeroportos, Silvio Costa, destacou que as concessões das hidrovias do Madeira e Tocantins podem reduzir os custos logísticos do país em até 40%, além de diminuir significativamente as emissões de gases de efeito estufa. “Cada 25 barcaças equivalem a 500 caminhões a menos nas estradas”, afirmou.
Importância no Arco Norte
A Infra S.A. também citou uma nota técnica da Antaq (NT 2/2023/SEEP3), elaborada em agosto de 2023, que defende o fortalecimento do transporte hidroviário como forma de equilibrar a matriz de transportes brasileira. Atualmente, 67% do transporte ocorre por rodovias, 18% por ferrovias, 9% por cabotagem e apenas 6% por hidrovias.
Segundo o estudo, as hidrovias transportaram 116 milhões de toneladas em 2022 — quase 10% da movimentação aquaviária nacional —, revelando um alto potencial a ser explorado. A nota destaca que o desenvolvimento do setor exige melhorias em dragagem, derrocagem, sinalização e balizamento, além de mais segurança e previsibilidade para a navegação.
“O desenvolvimento do modal hidroviário torna-se ainda mais urgente quando se analisa o crescimento da região do Arco Norte, onde os terminais portuários associados à logística hidroviária vêm registrando taxas expressivas de movimentação ao longo da última década”, diz o documento da Infra S.A.
Entre os principais problemas apontados pelos usuários da Hidrovia do Madeira — que caberá ao futuro concessionário solucionar — estão falhas na comunicação, falta de dados batimétricos e de nível da água, sinalização ineficaz, presença de toras de madeira no leito do rio, ausência de derrocamento nos pedrais, recuperação de terminais IP4 inoperantes, baixa previsibilidade nos calados operacionais e limitação do tamanho dos comboios-tipo.
Desafios na Hidrovia do Tocantins
A Hidrovia do Tocantins enfrenta entraves históricos, especialmente no trecho de 40 km afetado pelo Pedral do Lourenço — formação rochosa que impede a navegação segura. No fim de maio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) chegou a liberar o derrocamento da área, mas a Justiça Federal no Pará suspendeu a licença e agendou uma inspeção para os dias 29 e 30 deste mês.
O Ministério Público Federal (MPF) moveu o processo, alegando que o licenciamento ambiental apresenta lacunas técnicas. Durante audiência, o MPF apontou que o impacto do derrocamento sobre o ecossistema, a pesca e as comunidades ribeirinhas — como as das vilas da Saúde, Tauiry e Praia Alta — ainda não está claro.
O órgão também afirmou que os moradores não compreendem o projeto e não sabem como serão compensados. Por isso, o MPF defendeu a realização de consulta prévia e informada, conforme exige a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
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