O escritor amazonense Milton Hatoum, maior nome da literatura contemporânea do Amazonas e um dos gigantes das letras universais, vive um momento especial de sua trajetória. Aos 73 anos, ele acaba de lançar seu sétimo romance, “Dança de Enganos”, encerrando a trilogia O lugar mais sombrio, iniciada com A noite da espera (2017) e Pontos de fuga (2019).

O lançamento nacional da obra ocorreu no último dia 21, na Livraria da Tarde, em São Paulo, reunindo leitores, críticos e admiradores do autor. Em seguida, Hatoum levará sua mais recente criação literária a outras capitais brasileiras: Belo Horizonte, no dia 28, às 19h, no Centro Cultural Unimed; Rio de Janeiro, no dia 8 de novembro, às 17h, na Livraria Travessa de Ipanema; e depois às feiras e festivais literários de Itabira (31 de outubro e 1º de novembro) e Porto Alegre (9 de novembro).

Em entrevista recente ao jornal O Globo, Hatoum resumiu o espírito de sua nova obra em uma frase que, segundo ele, “dá manchete”: “É preciso dar tempo ao passado”.

A afirmação sintetiza o eixo que move não apenas a trilogia, mas toda a literatura do autor manauara, a investigação da memória, da perda e dos desencontros humanos.

“Dança de Enganos” é narrado por Lina, professora de francês que busca compreender o afastamento do filho, Martim. No desenrolar da narrativa, o leitor reencontra ecos dos livros anteriores e mergulha nas cicatrizes emocionais de uma família marcada pelos traumas da ditadura militar, tema recorrente na obra de Hatoum.

Tirania do Estado

Nas páginas de “Dança de Enganos” o autor reafirma que o autoritarismo, mais do que uma estrutura política, é um veneno que infiltra-se nas relações humanas. A tirania do Estado reflete-se nas tiranias domésticas, nos silêncios e nas opressões familiares. É essa dimensão moral e íntima que dá força universal à sua literatura.

Hatoum também aproveitou a entrevista ao Globo para reforçar sua crença no papel do intelectual como voz ativa da sociedade. Inspirado em nomes como o palestino Edward Said, defende que o escritor não se cale diante das injustiças, seja no campo político, social ou humanitário.

“Um intelectual, de qualquer profissão ou mesmo sem profissão, deve ser um humanista que não se deixa calar por ideologias, partidos ou religiões, e usa sua voz em defesa da justiça social e da liberdade”, afirmou.

A trajetória de Hatoum sempre foi marcada por coragem e integridade. Preso duas vezes durante a ditadura, ele partiu ainda adolescente de Manaus para Brasília, em busca de liberdade intelectual. Desse confronto entre a província e o mundo nasceu o olhar que molda sua escrita: um olhar amazônico, mas universal.

Posse na ABL

Com “Dança de Enganos”, Hatoum encerra uma das trilogias mais ambiciosas da literatura brasileira recente, abordando com sutileza e vigor temas como memória, poder e arte.

Para ele, a ficção é um território de liberdade, um espaço onde a imaginação resgata o passado sem transformá-lo em dogma.

Além de concluir a trilogia, Hatoum prepara-se para assumir, em 2026, uma das cadeiras da Academia Brasileira de Letras (ABL). A posse, prevista para o primeiro semestre, será um momento histórico para o Amazonas e para a literatura nacional.

“O fardão me assombra”, brincou o autor, com o humor discreto que marca suas entrevistas.

Manaus sempre no foco

Mesmo com o reconhecimento internacional, Hatoum mantém a humildade dos grandes.

“Não me interessa publicar muitos livros. Já estou quase chegando ao limite”, confessou. Ainda assim, ele adianta que trabalha em um novo romance — protagonizado por Évelyne, personagem que surgiu na trilogia —, além de planejar um volume de memórias ambientado em Manaus.

Para o leitor amazonense, cada nova obra de Milton Hatoum é também um reencontro com a cidade que o formou, uma Manaus que pulsa nas entrelinhas, viva em cada lembrança, em cada sombra, em cada voz que o autor restitui ao tempo.

E se há algo que Hatoum nos ensina, é que o passado não passa: ele precisa apenas de tempo — e de grandes escritores — para ser reinventado.

Juscelino Taketomi.

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