Manaus (AM) – O decreto do Governo Federal que reduziu a zero a alíquota dos Impostos sobre Produtos Industrializados (IPI) dos concentrados de refrigerantes despertou incertezas na economia do interior do Amazonas. Mesmo com a suspensão do decreto 11.052/2022 pelo ministro Alexandre de Moraes, o clima de insegurança ainda persiste.
Isso porque há municípios do estado que são produtores de insumos que alimentam a produção das empresas instaladas na Zona Franca de Manaus (ZFM), e com a competitividade das empresas na região em xeque, muitos produtores do interior seriam afetados.
Além disso, conforme o economista Mourão Júnior, o IPI é um dos impostos que o Governo Federal utiliza para fazer repasses aos municípios, ou seja, quando eles são reduzidos, há o impacto direto na distribuição de recursos para as regiões que são dependentes desses repasses.
“Nesse momento em que várias alíquotas estão sendo reduzidas para 35% e outras estão sendo zeradas, o repasse aos municípios será afetado. O problema é que entre os 62 municípios do estado do Amazonas, tirando a capital, Coari, e mais outros dois, os demais são dependentes desses repasses da União e do Estado. Então, provavelmente, o resultado seria as prefeituras no interior do estado passando dificuldades pela queda do repasse da União”, explica o economista.
O mesmo alerta a respeito da queda de repasses de verbas aos municípios do Amazonas também é mencionado pelo secretário de desenvolvimento de Itacoatiara.
A redução do IPI significa queda (repasse) de verbas ao município. Melhor, aos municípios amazonenses.
“O IPI faz parte de um grupo de receitas, de transferências estaduais, que são divididas entre os municípios. A redução do IPI afetará Itacoatiara assim como o restante dos municípios do estado que dependem dos repasses para o investimento em vários setores como educação e saúde”, afirma.
Suspensão
A redução de 25% da alíquota do IPI na indústria de concentrados em todo país veio com o decreto do presidente Jair Bolsonaro, em fevereiro. Em seguida, dois meses depois, o Governo Federal ampliou a diminuição do IPI, no dia 29 de abril, para 35%, e zerou a alíquota de IPI relativa aos concentrados para a produção de refrigerante.
No entanto, no dia 6 de maio, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu os trechos do último decreto em relação à redução do IPI em produtos fabricados em todo o país.
De acordo com o economista Wallace Meirelles, a redução do IPI impactaria diretamente a Zona Franca, pois sem os incentivos fiscais, o Polo Industrial perde sua competitividade contra os outros centros industriais.
“Se você tiver redução de tributos, as empresas podem considerar que outros lugares próximos da grande área de consumo no Brasil ficam muito mais fácil. Então, já temos um problema seríssimo de logística. De Manaus para qualquer parte do Brasil a logística é terrível, se faz principalmente por meio fluvial e transporte aéreo que é extremamente caro. Nessas circunstâncias fica difícil manter as empresas aqui e os empregos”, explica o economista.
Nesse sentido, ainda com a suspensão do decreto pelo judiciário, alguns municípios do Amazonas temem pela reversão do decreto, visto que o caso ainda vai para julgamento de mérito. Caso se concretize a redução do IPI, não apenas a Zona Franca de Manaus seria prejudicada, como algumas agroindústrias do interior do Amazonas seriam afetadas e, como consequência, muitos empregos acabariam ameaçados.
Presidente Figueiredo
Conforme a prefeita de Presidente Figueiredo, Patrícia Lopes, a redução coloca em risco aproximadamente 1,1 mil trabalhadores do município de Presidente Figueiredo, a 125 quilômetros de Manaus, que atuam na empresa Jayoro, único complexo industrial do Amazonas responsável pela produção de açúcar, álcool e extrato de guaraná. Muitos destes insumos são utilizados como matéria-prima pela Coca-Cola.
“Essa é uma situação que muito me preocupa. Além dos empregos diretos e indiretos, a Agropecuária Jayoro dá oportunidade para mais de 30 jovens por meio do programa menor aprendiz. Isso quer dizer, que mais de mil pessoas, pais e mães, chefes de família, ficarão desempregados, com isso suas famílias passarão necessidades e serão mais de mil pessoas que deixarão de consumir no comércio local e vão precisar de ajuda assistencial do poder público para sobreviver”, afirma.
Além disso, segundo a prefeita, além do impacto nos empregos, a diminuição do IPI também afetaria a área do comércio, assim como a arrecadação do município, visto que a empresa injeta cerca de R$ 360 milhões mensalmente na região, conforme as informações da prefeitura de Presidente Figueiredo.
Dessa forma, com a pouca arrecadação do Imposto Sobre Serviço (INSS), haverá uma queda nos investimentos em saúde, educação e segurança no município.
Há 18 anos, Luiz Henrique trabalha na agropecuária Jayoro. Hoje, aos 38 anos, atua na manutenção industrial como líder de instrumentação e eletrônica. Conforme Luiz, a medida que reduz o IPI prejudica diretamente os trabalhadores da empresa.
“Muitos de nossos clientes optaram por mudar suas unidades de produção de concentrado para outros estados ou até mesmo outros países. Isso levará a uma redução significativa na produção de açúcar e extrato de guaraná, pois não teremos para quem fornecer o nosso principal produto, levando a demissão em massa”, conta.
Ele afirma que é importante que a alíquota do IPI não diminua para permitir a garantia e continuidade de empregos. Como consequência também movimenta o comércio local.
“Não são apenas as empresas que sofrerão as consequências com a redução do IPI mas sim a comunidade local como um todo”, destaca.
Assim como Luiz Henrique, o trabalhador Flávio Henrique Lopes de Oliveira, de 47 anos, também acredita que a redução vai impactar, de imediato, toda uma cadeia produtiva de guaraná no estado do Amazonas.
Há 20 anos, Flávio atua na área do guaraná e há 24 anos trabalha na Usina Jayoro. Ao longo do ano, trabalha com a produção do extrato de guaraná que é vendido ao polo de concentrados de refrigerante em Manaus. Hoje, é coordenador de produção da Fábrica de Extrato de Guaraná.
“No período da colheita do guaraná, trabalhamos com o beneficiamento dos frutos de guaraná que servirão de matéria-prima para a produção do extrato de guaraná”, explica.
Segundo Flávio, a economia do município gira em torno das atividades da Usina Jayoro que emprega quase 1.500 trabalhadores. Com o enfraquecimento do polo de concentrados da Zona Franca, e o risco de encerramento das atividades da Usina da Jayoro, muitas pessoas que prestam serviços à empresa podem perder seus empregos.
“Será um duro golpe na economia do município e, sobretudo, causa muito medo e apreensão nos colaboradores e suas famílias, pois sabemos que não há empregos no município para esse número de pessoas, sendo que grande parte terá que ir embora e a outra parte, que ficará no município, terá que voltar às opções de subemprego que, aqui na região, sabemos que estão diretamente ligadas a exploração de recursos naturais que na maioria das vezes levam a degradação e destruição do meio-ambiente”, alerta o coordenador de produção da Fábrica de Extrato de Guaraná.
Maués
Outro município do Amazonas que também sofrerá com a redução do IPI é Maués, a 257 quilômetros de Manaus. De acordo com a nota divulgada pela prefeitura de Maués, mais de três mil famílias são produtoras do fruto. Porém, em época de colheita o número de pessoas envolvidas na produção sobe para 20 mil. Assim, a vulnerabilidade de muitos trabalhadores aumenta, caso a medida volte a valer.
Um dos trabalhadores que critica a redução do IPI é o Pedro Dias. Aos 70 anos, ele atua na colheita e na produção de bastões e pó de guaraná, atividades que realiza há 30 anos no município. Hoje, os principais compradores são empresas de Manaus, mas também realiza vendas para os moradores locais, e recebe demandas de Mato Grosso.
Para ele, sem a competitividade da Zona Franca de Manaus, as empresas vão debandar para outros locais que ofereçam melhores benefícios. Como consequência, afetará os produtores de guaraná.
“Você tem o produto e não tem pra quem vender, então fica difícil. Não terá mais incentivo para o cultivo do guaraná, porque não vai ter para quem vender. A venda do guaraná é o nosso sustento, digamos que 80% da população daqui é envolvida com o guaraná, tem muitos produtores aqui no município de maués”, disse Pedro Dias.
O vice-presidente da Cooper Maués, uma das cooperativas de produtores de guaraná, e vice-presidente da Associação de Indicação Geográfica, órgão que regulamenta o selo do guaraná de Maués, Luca D’Ambros, temia que redução do IPI em toda a indústria brasileira pudesse acontecer em algum momento, ação que fere diretamente a Zona Franca e os trabalhadores.
Com este pensamento em mente, o Luca buscou outras alternativas de cultivo e produção do guaraná. Assim, em 2018, juntamente com outro vizinho, iniciaram o manejo orgânico do guaraná.
“Dependermos dos compradores de guaraná do Polo Industrial de Manaus é arriscado. Então já há alguns anos começamos atividades pensadas em focar em outros novos mercados, independente disso, como no caso o guaraná com a justificação orgânica. Eu fui o primeiro, junto com um vizinho meu, a tomar essa atividade de manejo orgânico, e com certificação em 2018”, afirma.
Em seguida, outras associações entraram na atividade. Segundo Luca D’Ambros, cerca de 30 toneladas de guaraná certificado orgânico foram produzidas em 2021. Já a expectativa para este ano, chega a 50 toneladas.
“Porque cada vez, mais novos produtos entram no processo de certificação, e um guaraná com selo de certificado orgânico é buscado por vários compradores, não especificamente para quem faz extrato de concentrado em Manaus”, explica.
Para ele, a alternativa protege a economia de Maués, ajuda no desenvolvimento econômico e na diminuição da pobreza, principalmente por proteger a população de eventuais mudanças fiscais. “Essas cadeias produtivas envolvem as pessoas mais frágeis, cuja única atividade é uma produção rural, e podem ser prejudicadas por esses rumores”, ressalta.
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