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Cheia do rio 2022

“Famílias não têm alimento”, diz líder comunitário do AM sobre fome intensificada pela cheia dos rios

Conforme os dados do levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população do estado sofre com a falta de alimentação

Foto: arquivo pessoal

Manaus (AM) – A subida das águas dos rios nos municípios do Amazonas provoca uma série de dificuldades na vida de moradores da região, que têm suas casas invadidas pelas águas. Assim, a cheia dos rios também intensifica outros antigos problemas, como a fome. Conforme os dados do levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população do estado sofre com a falta de alimentação.

Cerca de 3,8 milhões de pessoas vivem no Amazonas, segundo contabiliza o IBGE. Desse total, aproximadamente 65% das famílias vivem em escassez de alimentos.

Uma das pessoas que vê de perto os impactos da cheia do Rio Negro é a moradora do município de Novo Airão (distante a 115 quilômetros de Manaus), Carina Desana. Há 28 anos, ela presencia todos os anos os efeitos do rio. Conforme a Defesa Civil, devido a cheia do rio, o município de Novo Airão se encontra em situação de alerta.

“Eu sei o quanto é difícil a gente ver essa variação do rio, principalmente no nosso ambiente. É como efeito dominó, ela vai impactando principalmente os moradores da comunidade”,

disse Carina.

Invasão na área urbana de Novo Airão. Foto: Arquivo pessoal

Conforme Carina, as pessoas mais afetadas são aquelas de baixa renda, e muitas delas vivem na zona rural do munícipio. Além dos problemas provenientes da cheia, como o aumento de doenças que surgem devido ao escoamento de água contaminada do esgoto que se mistura com o rio que invade as casas, há também as dificuldades na obtenção de alimentos.

Muitas plantações são perdidas devido às inundações. Além disso, a cheia também prejudica a pesca no rio, principal alimento local, pois, de acordo com Carina, os peixes somem, o que aumenta a fome na região. Assim, muitas pessoas precisam se deslocar para as cidades.

“É difícil pescar na cheia porque a quantidade de água é muito grande, então a gente não encontra com facilidade. Então afeta a visibilidade, pois a água é muito escura e é mais difícil de encontrar o peixe, principalmente no Alto Rio Negro”, explica.

De acordo com Carina, antigamente as pessoas conseguiam prever o volume de água que viria, com base na cheia do ano anterior. No entanto, nos últimos anos, os moradores observam uma instabilidade na quantidade de água, sendo difícil prevenir os danos, como nas plantações. “Muitas pessoas fizeram plantações hoje porque achavam que não ia inundar, mas a água chegou e perderam tudo”, relata.

Cheia do Rio Negro em Novo Airão. Foto: Arquivo pessoal

Cacau Pirêra

A cheia do rio Solimões também tem impactado de forma significativa os moradores do distrito de Cacau Pirêra, na Calha do Baixo Solimões, no município de Iranduba (distante a 31 quilômetros de Manaus).

Segundo o líder comunitário do Cacau Pirêra, Frank Araújo, de 39 anos, a cheia do rio Solimões começou a invadir as casas desde março de 2022. Apesar de algumas pessoas serem atendidas pelo poder público, muitas outras ficaram sem qualquer auxílio.

“A gente precisa de algo que possa nos auxiliar. A gente busca se virar, fazer algo, mas não é o suficiente. Diferente do poder público municipal, que tem condições e dever com a população”, disse o líder comunitário, criticando a falta de representatividade de líderes políticos que atendam às necessidades locais.

Rua da Castanheira. Foto: Arquivo pessoal

Um dos lugares que não possui qualquer assistência de órgãos públicos é a comunidade Cidade Nova, próxima do Distrito de Cacau Pirêra. Conforme o líder, a região não possui pontes para a população transitar sobre a área alagada, além de registrar falta de remédios acessíveis. Além disso, o líder ressalta que há 14 anos a população não recebe nenhuma assistência. 

A calamidade que assola a população se intensifica com a cheia do rio Solimões, fenômeno que afeta em todos os anos a região. Conforme Frank, ainda que a época de seca do rio torne a vida da população difícil, a cheia é ainda pior, pois prejudica a mobilidade dos moradores, que dependem de pontes. Assim, acesso aos mercados locais e a outros serviços se torna ainda mais difícil. 

“Em época de cheia, o comércio fecha, porque ninguém quer perder sua mercadoria. Então para deixar a mercadoria na prateleira, eles aumentam o preço, porque eles correm esse risco de perder a mercadoria”, conta.

Mutirãozinho São José – Foto: arquivo pessoal

“Tem famílias que não têm dinheiro para comprar um ovo, que é um R$ 1. Não é brincadeira, imagina uma família que não consegue comprar uma salsicha de R$ 1,50”,

lamenta Frank, dizendo que muitas famílias desempregadas e sem recursos financeiros não conseguem comprar alimentos básicos, que ficam encarecidos em época de cheia.

Para dar suporte, Frank se organizou com um grupo de pessoas para levar alimentação para as comunidades, próximas ao município de Cacau Pirêra, mais vulneráveis à fome.

“Famílias vêm falar comigo que não têm alimento e não têm o que comer no dia. Isso é algo corriqueiro. Muitas vezes pedem ajuda, então é lamentável. Estamos aqui com várias associações onde fizemos um grupo para poder juntar alimento para tentar fazer uma ação social”,

relata.

Rua 7 da Cidade Nova. Foto: Arquivo pessoal

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