Nos últimos 10 anos, mais de 13,6 mil trabalhadores em condições análogas à escravidão foram resgatados no Brasil. No ano passado, foram 1.930, o maior número desde 2013 e um aumento de 106% em relação a 2020, quando os registros mostram 936 pessoas.
Os dados são da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) do Ministério do Trabalho e Previdência. Neste 2022, o país está próximo de completar 500 resgatados.
A tendência de alta aparece também nos tribunais. Segundo dados da Justiça do Trabalho, desde 2017 até junho deste ano, todas as instâncias trabalhistas julgaram 10.482 processos envolvendo o reconhecimento da relação de emprego de trabalhadores em condições análogas à escravidão. Entre 2020 e 2021, houve um aumento de 41%.
O presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Emmanoel Pereira, destaca que o trabalho escravo foi abolido pela Lei Áurea em 1988.
“O trabalho análogo à escravidão é uma chaga que insiste em se fazer presente em nossa sociedade. É uma situação que afronta a Constituição Federal e a dignidade do trabalhador, este um valor inegociável da condição humana”,
afirma.
A vice-coordenadora da Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (Conaete/MPT-RJ), Juliane Mombelli, avalia que a alta vista nos resgates e ações em 2021 é motivada pelo represamento causado pela pandemia de Covid-19 e pela piora das condições sociais do país, que deixou mais pessoas mais suscetíveis a situações de exploração.
“Nos primeiros meses de pandemia, não havia como fazer as fiscalizações e as denúncias não apareciam porque não havia circulação de pessoas. Com o retorno da movimentação, o final do distanciamento, as operações voltaram, mas a situação econômica acabou gerando uma alta no país como um todo. A pandemia afetou muito a empregabilidade e a vulnerabilidade social aumentou muito”,
aponta.
A procuradora do Trabalho ainda indica que a visibilidade dada pela mídia a casos de trabalho escravo fez as denúncias crescerem, outro ponto que contribuiu para os números.
Também de acordo com o SIT do Ministério do Trabalho e Previdência, em 2020, o MPT recebeu 835 denúncias de trabalho escravo, número que subiu para 1.415 no ano passado, um crescimento de quase 70%. Nos últimos cinco anos, esse número chega a 5.538.
Em maio deste ano, veio à tona a exploração mais longa de uma pessoa em situação de escravidão contemporânea desde que o Brasil criou um sistema de fiscalização, no ano de 1995.
No estado do Rio de Janeiro, foi encontrada uma mulher de 86 anos, que trabalhou para uma família por 72 deles, sem descanso semanal, férias, salário, oportunidade de estudo ou de sair do local.
A operação do MPT começou em setembro de 2021, com o resgate em março de 2022.
O trabalho em condições análogas à escravidão é caracterizado pela jornada exaustiva, condições degradantes, retenção de documentos, impossibilidade de sair do local do trabalho e escravidão por dívida.
Denúncias podem ser feitas pelo Disque 100 do governo federal ou pelo site do Ministério Público do Trabalho.
No Rio de Janeiro, há nove anos, uma ação do Conaete auxilia os resgatados, com hospedagem, material de higiene, atendimento psicossocial, de direito e ainda capacitação profissional.
O “Projeto Ação Integrada: Resgatando a Cidadania” é mantido com recursos de condenações trabalhistas por danos morais coletivos e de multas por descumprimentos da legislação trabalhista.
Durante a pandemia, a iniciativa ainda ganhou uma nova frente de distribuição de alimentos para grupos em vulnerabilidade, como diaristas que ficaram sem trabalho.
“Nós queremos oferecer uma alternativa para quebrar o ciclo de vulnerabilidade e exploração”,
aponta a procuradora Juliane Mombelli.
Desde 1995, quando o Brasil reconheceu a persistência do trabalho escravo em seu território diante da Organização das Nações Unidas, o país teve mais de 57 mil resgatados.
O Observatório da Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas do MPT aponta que mais de 65% das vítimas são trabalhadores rurais.
Profissionais de frigoríficos, pedreiros, carvoeiros também aparecem na lista, cada categoria representando entre 2% e 3% dos casos. Em relação à escolaridade das vítimas, cerca de 40% têm até o 5º ano do Ensino Fundamental e 29% são analfabetos.
*Com informações da CNN
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