Caríssimos leitores, ousei repetir, mudando algumas partes mais atuais, sobre a época que está começando com o fim das janelas partidárias e as propagandas eleitorais chegando às ruas no próximo dia 26 nas rádios e televisões. Divertimento secular, o circo sempre se manteve no “ranking” de um teatro menor, destinado a distrair crianças e empolgar ingênuos.
Por isso mesmo, submete-se ao efêmero dos barracões instalados em áreas baldias, à itinerância forçada, à vida precária dos trailers, reboques e caminhões. Nem por isso brilham menos as artes circenses, nos domínios do ilusionismo, do malabarismo, nas aventuras do trapézio e da corda bamba.
O circo é prodígio de deslumbramentos, e os burlantins, os magos da risada e da emoção barata.
À plebe romana dos tempos dissolutos do Império, que Juvenal satirizou, bastavam o “panem et circenses” para se manter em quietação política. E isso se transformou em receita universal e permanente, que muitos poderosos cultivaram ao longo do tempo.
Não raramente, se falta o pão, aumenta-se a dose de circo, de modo que as artimanhas dos mágicos e a habilidade dos malabaristas conseguem apaziguar descontentamentos e serenar murmurações perigosas. Mas o culto ao circo pode prescindir do equipamento clássico dos picadeiros.
A substância do circo está no ilusionismo, no malabarismo e no exibicionismo estrondoso dos palhaços – o que pode ser praticado em toda parte: nas salas ministeriais, no plenário das assembleias, no recinto dos tribunais, nas convenções partidárias, e principalmente nos estúdios de rádio e de TV. Nunca se viveu tanto, quanto hoje, ao sabor das artes circenses.
O que é a publicidade política senão uma peça de ilusionismo?
E o que não faz o contorcionismo de um candidato, interpelado numa coletiva com repórteres hábeis e irreverentes? Viu-se, ainda há pouco, numa comissão de inquérito parlamentar, o malabarismo desesperado dos investigados e a ostentação desvairada dos interpelantes.
Durante dias e dias o Brasil parou diante das telas de TV, siderado pelos jogos de palavras e de gestos, como se assistisse a um patético dramalhão de burlantins. E não faltaram sequer as lágrimas do senador Arruda para acrescentar emoção ao enredo.
Já se aproxima a campanha eleitoral de 2022, quando então teremos a festiva repetição da pantomina, com o atual Presidente a agredir os microfones, o companheiro Lula agredindo a sintaxe e os seus rivais, e outros vários salvadores da pátria prometendo-nos redenção econômica e social em quatro anos de mandato.
A televisão permitiu a todos esses cavalheiros a invasão de nossa privacidade e a perturbação de nosso sossego. E o amor ao circo, que ora domina todo o circuito de comunicações, entregou-nos, atados, à exibição dos malabaristas da palavra, aos contorcionistas da razão e aos ilusionistas da promessa fácil.
Ele alimenta os professores, que trocaram a dissertação pelo show. Ele empolga os intelectuais, que pouco resistem à ostentação vaidosa das entrevistas, dos painéis de demonstração e da patuscada dos festivais disto e daquilo. Há uma pândega exibição de profissionais, que usam e abusam dos veículos de comunicação para se promoverem.
E tal qual os “peludos” do circo, que entram e saem a cada momento para instalar e recolher equipamentos, eles invadem o picadeiro repetidas vezes, a título de espalhar sua ciência e habilidades entre o público ignaro.
Repetitivos e solícitos, eles servem ao repórter ou ao produtor preguiçoso, que não querem perder tempo com pesquisas, recebendo em troca a publicidade gratuita dos espaços do noticiário e da reportagem.
A própria universidade não resiste à tentação do circo. Nas solenidades de diplomação, em contraste completo com a informalidade dos alunos, testemunhamos o ridículo das togas coloridas e dos longos balandraus, cuja solenidade não compensa o frequente despreparo dos titulados. As Forças Armadas sempre foram inclinadas às demonstrações de ordem unida, às grandes paradas e revistas, com o ritual que lhes é inerente. É da sua secular e universal tradição.
Mas ninguém sonharia que pudessem sucumbir às tentações da farsa e da pantomima, como aconteceu em Brasília, por ocasião do sete de setembro. Um animador de programa humorístico da televisão, admitido a enfileirar-se no Regimento dos Dragões da Independência e a fardar-se com o uniforme histórico daquela unidade, para fazer cócegas nos soldados com as penas de seu capacete cerimonial, deve ter produzido brotoejas póstumas no próprio Duque de Caxias.
A permissão certamente desrespeitou um monte de normas regulamentares, com o objetivo declarado de dar toque popularesco à imagem do Exército, e até de ameaça as instituições. Desrespeito completo às tradições do Exército, talvez por puro amor ao circo.
Decididamente, na intitulada “era da comunicação”, o circo nos ameaça a todos. Já não há como resistir à condição de cidadão-palhaço.
Já parece difícil reagir contra essa deturpação geral de coisas e pessoas, essa perda de autenticidade que nos transforma em espectadores ingênuos da ostentação alheia, em vítimas indefesas da propaganda enganosa, em crentes do discurso irracional. E, o que é pior, em coadjuvantes da pantomima.
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