A destruição das florestas tropicais resultará na perda de todos os esforços que o mundo vem fazendo para descarbonizar a economia.
Só a Panamazônia armazena de 550 a 730 de gigatoneladas de gás carbônico equivalente (GTCO2e)*, uma quantidade correspondente a algo entre 12 e 15 anos das emissões globais de gases de efeito estufa.
A vitória de Gustavo Petro e Francia Marques na eleição presidencial da Colômbia e a provável derrota da extrema-direita no Brasil, em outubro próximo, abrem caminho para a formação de um forte bloco geopolítico, composto por duas das maiores potências ambientais do mundo, que certamente vai atrair recursos globais para manter a floresta em pé e seus rios fluindo.
Mas é fundamental que a conservação, a regeneração e a restauração da floresta Amazônica sejam parte de um ambicioso programa que enfrente o paradoxo de uma região com enorme riqueza mas comindicadores sociais entre os mais baixos no país.
Saúde, educação, saneamento, violência, destruição e ilegalidades no uso dos recursos, acesso à eletricidade e à internet, para onde quer que se olhe, os indicadores sociais da Amazônia brasileira são hoje os piores do Brasil.
Interromper imediatamente o desmatamento (que é ilegal em mais de 95% dos casos), e o crime organizado a ele vinculado é condição básica para que o Brasil retorne aos fóruns internacionais como um ator respeitado.
Em adição à contribuição crucial para a luta contra a crise climática, a floresta e sua biodiversidade oferecem um vasto conjunto de produtos e serviços que hoje são sistematicamente depreciados e que vão além da provisão de produtos madeireiros.
O capítulo sobre bioeconomia do Painel Científico para a Amazônia faz um apanhado desta contribuição, que pode ser resumida a quatro dimensões básicas.
A primeira está na provisão de produtos da sociobiodiversidade florestal, que incluem plantas medicinais, materiais de construção e produtos alimentícios, tanto para o mercado interno da Amazônia, como para as exportações.
Pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA demonstram que 50,4% do PIB dessa economia vai para os mercados locais da região, 40,7% para o resto do Brasil e apenas 2,6% se orientam para o resto do mundo.
Daí que, como demonstra Salo Cosloski, do projeto Amazônia 2030, a Amazônia brasileira participa com apenas 0,17% das exportações mundiais de produtos florestais tropicais.
Para qualquer desses segmentos, a economia da sociobiodiversidade lida com infraestruturas ineficientes e políticas públicas que lhes são indiferentes e voltam-se a commodities como carne, soja e óleo de palma que repousam na destruição da floresta e em paisagens agrícolas de baixíssima diversificação e inclusão social.
Os atores sociais ligados a estas commodities são, em geral, originários de outras regiões brasileiras e enxergam na vegetação nativa um obstáculo a ser removido para a implantação de soja e pecuária.
No entanto, a pecuária que se implantou na Amazônia é de baixíssima produtividade e as áreas ocupadas com soja são cada vez mais sujeitas às consequências dos eventos climáticos extremos.
Além disso, a economia da sociobiodiversidade florestal, que já tem um papel essencial no abastecimento das cidades da Amazônia com alimentos como açaí e inúmeras outras frutas, óleos e fitoterápicos diversos, poderá vir a ser ainda mais demandada.
A alimentação das populações urbanas, que representam 72% dos 28 milhões de habitantes da Amazônia brasileira, é cada vez mais dependente de produtos vindos de outras regiões do País.
E não se pode deixar de mencionar os serviços tanto de gastronomia, como de turismo e espetáculos a que a valorização da sociobiodiversidade e da cultura material e espiritual dos povos da floresta pode dar lugar.
A segunda dimensão da bioeconomia, estudada igualmente no capítulo sobre bioeconomia do Painel Científico sobre a Amazônia, é a regeneração e restauração florestal.
A área destruída e hoje abandonada ou ocupada por pecuária de baixíssima produtividade é gigantesca.
A regeneração e restauração destes territórios têm efeitos multiplicadores sobre a renda e o emprego muito maiores que os das atividades agropecuárias. E há um imenso apetite internacional por projetos construtivos nesta área.
Mas há outras duas dimensões fundamentais em que a economia da sociobiodiversidade pode contribuir para mudar o padrão de crescimento econômico e, portanto, contribuir com o desenvolvimento sustentável da Amazônia.
É necessário fazer emergir, na Amazônia, cidades capazes de enfrentar seus principais problemas de infraestrutura com base na ideia de soluções baseadas na natureza.
Além da agricultura urbana e periurbana, é fundamental gerar oportunidades para uma nova geração de startups e hubs de inovação envolvendo jovens.
As infraestruturas das cidades na Amazônia não podem simplesmente mimetizar os projetos vindos de regiões que lhes são ecologicamente tão distantes. Isso envolve os padrões de construção civil, a pavimentação urbana e os equipamentos para a comunicação fluvial entre municípios.
A gestão conjunta das bacias hidrográficas e a mobilização social contra os projetos hidrelétricos que, se realizados, destruirão a vida dos rios, é parte decisiva destas soluções baseadas na natureza que incluem descentralização da geração de energia, ampliação da geração solar, eólica, hidrogênio verde e a biomassa.
É necessário mudar os modelos agropecuários hoje predominantes na Amazônia, aproveitando os resíduos da produção agropecuária, introduzindo diversificação produtiva onde há hoje monocultura e utilizando recursos locais pouco valorizados.
A Amazônia tem uma rica tradição de policultura integrada à floresta por parte de agricultores familiares cujo potencial no aumento da produção e na resiliência do setor é imenso e subaproveitado.
Esta nova bioeconomia tem, por fim, um papel estratégico para o Brasil como um todo. Hoje a Amazônia e as demais florestas tropicais estão ausentes da fronteira científica e tecnológica da bioeconomia.
Reduzir esta distância é uma oportunidade para que a ciência e a tecnologia levadas adiante por pesquisadores da Amazônia, em diálogo com os saberes dos ancestralmente lidam com o bioma e em cooperação com os do restante do País e do mundo, contribuam para mudar a qualidade do crescimento do Brasil, que, até aqui, tem se apoiado na monótona reprimarização de nossa economia e na permanente depreciação do trabalho e do conhecimento na formação da riqueza, inclusive os conhecimentos dos Povos Indígenas e comunidades locais.
* Considerando o estoque de carbono acima e abaixo do solo de ~150 a 200 Pg C (Malhi et al. 2021)
Sobre os autores
Ricardo Abramovay é professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública e do Programa de Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP.
É autor de “Por uma economia do conhecimento da natureza” (Ed. Elefante, 2019) e de “Infraestrutura para o desenvolvimento sustentável da Amazônia” (Ed.Elefante, 2022).
É coautor líder do capítulo 30 sobre bioeconomia do Painel Científico sobre a Amazônia.
Francisco de Assis Costa é professor titular do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA. Sua pesquisa versa sobre história econômica e desenvolvimento contemporâneo da Amazônia.
É autor líder do capítulo sobre a dinâmica agrária contemporânea e coautor do capítulo 30 sobre bioeconomia do Painel Científico sobre a Amazônia.
Ana Margarida Castro Euler é engenheira florestal, pesquisadora da Embrapa Amapá, atualmente pós doutoranda do Institut de Recherche pour le Développment (IRD) e do Centre International de Recherche Agronomique pour le Développement (Cirad).
Sua pesquisa busca valorizar as cadeias produtivas da sociobiodiversidade associadas aos territórios de povos e comunidades tradicionais na Amazônia.
É coautora do capítulo 30 sobre bioeconomia do Painel Científico sobre a Amazônia.
*Este artigo faz parte de série de artigos publicados, conjuntamente, por Agência Bori e Nexo Políticas Públicas por meio de parceria com o Painel Científico para a Amazônia.
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