Novos projetos de Lei sobre aborto foram apresentados na Câmara dos Deputados, nas últimas semanas, na busca de tornar a legislação mais rígida no Brasil.
A maioria das propostas procura restringir o acesso, mesmo nos casos permitidos por Lei: risco de morte à gestante, em caso de estupro, e em caso de anencefalia do feto (má formação cerebral).
Ao todo, 20 projetos foram apresentados após a polêmica causada pela proposta que equipara a pena para a interrupção da gestação acima de 22 semanas à de homicídio. O plenário aprovou, em junho, urgência para votação dessa proposta.
Projetos de Lei
Segundo levantamento do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFemea), há ao todo 98 propostas em análise na Câmara que retrocedem no direito da mulher no Brasil.
“Há projetos que visam aumentar a pena para o aborto, que são os projetos punitivistas; há projetos que visam restringir o aborto legal, tentam retroagir com as prerrogativas; os que visam criar barreiras para o acesso ao aborto legal, demandando algum documento que não é necessário hoje; e os que visam passar desinformação sobre o aborto legal”, disse Clara Wardi, assessora técnica do Cfemea.
Boletim de ocorrência
Várias propostas em análise na Câmara buscam tornar obrigatório o registro do Boletim de Ocorrência (BO) pelos profissionais e serviços de saúde.
A obrigatoriedade pode afastar as mulheres pelos serviços de saúde. Na avaliação de Clara Wardi, do Cfemea, exigir que a vítima de violência sexual faça o BO “é afastar essas mulheres dos serviços de saúde por temerem as consequências de uma denúncia, já que muitas vezes o violador é alguém da própria família”.
Além de aumentar as penas para o estupro para até 20 anos de prisão, o PL 2525/24 pune quem tomou conhecimento do crime, mas não comunicou a polícia.
Isso significa que, se o projeto for aprovado, um médico que atender uma vítima de estupro e não avisar à polícia poderá ser punido com as mesmas penas que o autor do crime.
Cobrar o registro na polícia, continua Clara Wardi, “é como se o Estado estivesse querendo uma prova daquela violência sexual que não fosse a palavra da mulher”.
Segundo a pesquisa “Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro”, realizada pelos Institutos Patrícia Galvão e Locomotiva, em 2022, oito em cada dez mulheres não procuram nenhum tipo de serviço de atendimento, seja de saúde ou a polícia, após serem estupradas. Os motivos incluem vergonha, medo de exposição e receio de serem denunciadas para a polícia.
Acesso aos serviços
Na busca de garantir os serviços essenciais, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) apresentou projetos de Lei que buscam garantir o acesso ao aborto legal no Brasil. O aborto não é criminalizado no País em caso de risco de vida para a gestante, gravidez resultante de estupro e anencefalia fetal.
Entre os projetos de Sâmia, o PL 2521/24 obriga profissionais de saúde, de serviços públicos e privados, a informar às vítimas de estupro que elas têm direito à realização de aborto no caso de gravidez resultante da violência. Eles também deverão indicar o hospital de referência para realizar a interrupção da gestação.
O PL 2520/24, por sua vez, estabelece que, nos casos de aborto legal, o médico de serviço público de saúde só poderá alegar objeção de consciência para não interromper a gestação quando houver outro médico disponível para realizar o procedimento.
Tempo de gestação
Já a deputada Greyce Elias (Avante-MG) apresenta proposta para restringir o acesso ao aborto, mesmo em caso de estupro.
Greyce Elias afirma que há viabilidade fetal (a capacidade de um feto sobreviver fora do útero) após 22 semanas de gravidez. Ela defende que, se a menina ou mulher estuprada não fizer o aborto até essa idade gestacional, ela deve ser obrigada a prosseguir com a gravidez.
“A mulher não precisa ficar com a criança, ela pode apenas ter a criança e entregar para adoção. Ela não vai ser responsabilizada, não vai ser criminalizada”, argumenta Greyce.
Confirmação tardia da gravidez
A presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, deputada Ana Pimentel (PT-MG), destaca que meninas e adolescentes estupradas, em geral, demoram para saber que estão grávidas. Limitar o aborto a 22 semanas impediria o procedimento justamente para essas meninas.
Ainda segundo a parlamentar, que é médica, é raro fetos de 22 semanas sobreviverem fora do útero. Ana Pimentel explica que, para terem chance de sobreviver, eles precisam ser atendidos em centros muito especializados, sendo pouquíssimos no Brasil.
“Então não se pode precisar que este é o marco da viabilidade”, afirma a deputada. “Você não pode afirmar tecnicamente, cientificamente, que esse feto retirado do útero, nesse marco, vai sobreviver.”
Criança não é mãe
Com uma campanha intitulada “Criança não é mãe”, organizações contrárias ao projeto que equipara aborto a homicídio defendem que a mulher estuprada deve ser amparada, e não criminalizada.
Para a presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, o projeto não contribui em nada para melhorar a vida das meninas e mulheres. O parlamento, na visão de Ana Pimentel, deveria discutir como diminuir os casos de estupro, e não o aumento da pena para o aborto nesses casos.
Discussão internacional
Há 30 anos, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo governos de 179 países se comprometeram a tornar os direitos sexuais e reprodutivos fundamentais para o desenvolvimento sustentável.
Com informações da Agência Câmara de Notícias
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