Após cerca de oito horas de discussão, o primeiro projeto de regulamentação da reforma tributária foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) na noite desta quarta-feira (11), com garantias a Zona Franca de Manaus (ZFM).
Votado o regime de urgência, ele seguiu para ser analisado pelo Plenário na quinta-feira (12).
Os senadores pediram alterações em diversos pontos do relatório do senador Eduardo Braga (MDB-AM) ao PLP 68/2024. Ele disse ter reanalisado mais de 100 emendas durante a reunião. Dos pleitos, uma das alterações mais importantes foi incluir a erva-mate na cesta básica, reduzir para 60% os tributos sobre o consumo de biscoito e beneficiar a água mineral.
Além disso, na parte final da reunião, quando foram examinadas as emendas destacadas pelas bancadas, o PL conseguiu excluir armas e munições da cobrança do Imposto Seletivo (IS). O PSD conseguiu suprimir do IS as bebidas açucaradas, inclusive com declaração de voto pessoal do próprio relator.
No entanto, o destaque do União Brasil, apresentado por Sergio Moro (União-PR), que pretendia resgatar o texto original do Executivo, segundo o senador, para garantir um diferencial competitivo às empresas de bens de informática fora da Zona Franca de Manaus, acabou rejeitado após ter provocado polêmica no plenário da CCJ.
Ao defender a Zona Franca de Manaus, o relator Eduardo Braga refutou as alegações de Sérgio Moro, afirmando que sua posição não era verdadeira nem coerente. Braga ressaltou as vantagens comparativas da indústria amazonense como eixo fundamental para a atividade econômica do estado.
“Esta é a sobrevivência do estado do Amazonas e se não aprovarem o texto, que nós encaminhamos, estarão delegando ao Amazonas a fome a miséria e o desemprego, como aconteceu no fim do ciclo da borracha, quando o meu estado se transformou num porto de lenha e isso eu não posso aceitar”, apelou o relator.
O senador Omar Aziz afirmou que o Amazonas é o estado mais prejudicado pela reforma tributária, pois os novos tributos (IBS, CBS e IS) serão arrecadados no destino, e não na origem, desfavorecendo os estados produtores.
“O Amazonas não ganha nada. Zero! Nós queremos manter a nossa competitividade, não queremos tirar nada de estado nenhum. O estado vai depender do fundo constitucional para sobreviver com seus serviços básicos, futuramente, porque está saindo da origem para o destino e nós somos um povo pequeno que consome pouco. A partir do momento em que a gente consome pouco, nós não vamos arrecadar na origem”, diz Omar Aziz
O texto que os senadores analisaram foi uma atualização (complementação de voto) de Braga à sua versão do projeto de lei complementar 68, apresentada inicialmente na terça-feira (10). Nessa etapa, ele proferiu parecer para 145 emendas.
Entre as principais mudanças da complementação está o adiamento da lista de remédios isentos, que agora será decidida em lei específica. Antes seria elaborada em ato conjunto do Ministérios da Fazenda e o Comitê Gestor temporário do IBS, ouvida a Saúde. A última versão do substitutivo, votada com as emendas e os destaques que surgiram durante as discussões, foi aprovada com votos contrários do bloco formado pelo PL e pelo Novo.
A reunião, presidida pelo senador Davi, ocorreu após vista de 24 horas concedida na CCJ. O tempo também foi considerado curto pelos parlamentares para a avaliação das emendas e negociações de destaques, apresentados durante a etapa desta quarta-feira.
O relator conseguiu proferir seu parecer sobre os novos pedidos, após quase uma hora de reunião com os consultores do Senado e integrantes da Secretaria Extraordinária da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda (Sert). O secretário da Sert, Bernardo Appy, esteve presente na CCJ.
Conta de água
Os integrantes do colegiado votaram seis trechos de forma separada do relatório: os destaques de bancada. Em destaque do Partido Liberal, os serviços e água e esgoto passarão a ter redução de alíquota em 60%. Antes, estava previsto na regra geral e sujeito ao imposto cheio.
Braga afirmou que aventou a possibilidade de redução quando preparou o substitutivo. Segundo ele, o cálculo à época apontava aumento de 0,57 pontos percentuais na alíquota-padrão, ao invés dos 0,13 p.p. do seu primeiro relatório. A estimativa não considera as novas emendas aprovadas nessa etapa final.
Segundo o senador Eduardo Gomes (PL-TO), a demanda do setor de saneamento é que a entrega de água e tratamento de esgoto seja equiparada a serviços de saúde por evitar doenças. Com a tributação cheia, há o temor de aumento na conta de água.
“O investimento em saneamento é investimento na saúde. Durante todo o debate e construção com o setor e com os governos de estados, de municípios, e com a Confederação Nacional dos Municípios, pudemos perceber que há concordância sobre o tema.”
Já o senador Jaques Wagner (PT-BA) afirmou que a devolução dos tributos por meio do mecanismo de cashback para as famílias dos programas sociais do governo federal, com renda de até meio salário mínimo por membro, seria mais eficaz.
“O objetivo é nobre. Mas estaremos dando essa redução para todos, ricos e pobres, e não para aqueles que merecem receber de volta pelo serviço de saneamento… Então nós vamos estar dando com a mão e tirando com a outra. Portanto, o sistema de cashback é muito mais inteligente do que fazer essa generalização.”
Serviços
Uma das consequências da reforma tributária será o encarecimento do setor de serviços, na opinião do senador Laércio Oliveira (PP-SE), que “é o mais penalizado”. Diversos senadores pediram que Braga aumentasse exceções da alíquota-padrão para determinados serviços. É o caso da redução de 60% da alíquota para atividades de condicionamento físico, proposta pelo senador Ciro Nogueira (PP-PI) e acatada por Braga.
O serviço veterinário também recebeu um tratamento favorecido, com aprovação do destaque do Podemos. É o que espera o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA), autor da emenda aprovada que retirou a distinção entre médico veterinário e médicos de saúde humana.
Os planos de saúde prestados por cooperativas médicas, como a Unimed, obtiveram a dedução da base de cálculo do imposto de todos os bens e serviços médicos adquiridos pelos seus associados. Antes, apenas 50% desses gastos seriam deduzidos, o que não ocorria para planos de saúde de outras operadoras que não sejam cooperadas. Para o senador Cid Gomes (PSB-CE), haveria desigualdade na concorrência.
“Isso causará uma concorrência desleal e vai desestimular algo que a gente sabe que no Brasil é presente: as “Unimeds” e outras tantas cooperativas”, afirmou Cid.
Armas
Os senadores rejeitaram a inclusão de armas e munições na incidência do Imposto Seletivo (IS), que será usado para desestimular consumos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Para o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), essa nova tributação seria inconstitucional.
“Hoje, a tributação de armas e munições já é tão elevada que, se houver também a incidência do Imposto Seletivo, estes preços vão ficar proibitivos. Pode configurar até um confisco, que é inconstitucional. (…) Isso está penalizando aquelas pessoas que, cumprindo os requisitos legais, querem ter acesso a arma de fogo em casa para sua defesa pessoal.”
Já a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) afirmou ser a favor da incidência do IS. Segundo ela, as armas de fogo são a causa de muitas mortes de mulheres em contexto de violência doméstica.
“[O agressor] dá um tiro e acabou, não tem mais jeito, não tem arrependimento. A arma nessa alíquota dificulta o acesso a esse instrumento e por tabela dá maior contribuição ao combate à violência.”
Alíquota
O impacto das mudanças na alíquota — percentual usado para calcular o valor de um tributo — a ser utilizada, como regra, na cobrança de todos itens e serviços foi alvo de divergência entre os parlamentares. Para o senador Rogerio Marinho (PL-RN), a cada tratamento diferenciado, como redução de alíquota, a alíquota-padrão aumenta. Segundo ele, o Ministério da Fazenda estimava em 25% quando apresentou o projeto, e beirou os 28% quando o texto saiu da Câmara dos Deputados
“O Ministério da Fazenda calculou a alíquota em quase 28%, o maior IVA [imposto sobre valor agregado] do mundo… Cada uma dessas emendas, que é aprovada, tem um impacto no processo arrecadatório. Uma série de alterações foram feitas a toque de caixa, que impactam a cadeia produtiva econômica do nosso país como um todo.”
Já o senador Marcelo Castro (MDB-PI) afirmou que, no final das contas, o poder público manterá a arrecadação, sendo este um dos princípios da reforma, mas com a vantagem de haver tributos menores em áreas estratégicas para os mais pobres.
“[A crítica de Rogerio Marinho] é uma análise que não procede. Você tira de um lado, tem que aumentar para o outro, no final a conta é zero. Então a sociedade vai pagar o mesmo.1”
Tempo de análise
Braga precisou analisar quase 200 novas emendas desde que apresentou o seu primeiro relatório na terça-feira, o que aumentou o total para mais de 2160 emendas. O projeto possui mais de 530 artigos e 23 anexos. Diante de casos de discordâncias entre Braga e outros senadores, sobre o que foi ou não incluído no substitutivo, o senador Marcos Rogério (PL-RO) afirmou que o projeto precisa de mais análise dos senadores.
“Estamos vendo colegas lendo um texto dizendo uma coisa e o relator dizendo outra. É a prova de que nós não temos ambiente de segurança para votar essa matéria nos termos em que ela está estabelecida”, disse.
Já Eliziane defendeu que o tema foi debatido o suficiente. Foram realizadas 13 audiências públicas na CCJ, além de 21 debates na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).
“Braga] realizou dezenas de audiências públicas, ouviu todos os senadores várias vezes… É bom lembrar que o Brasil espera uma reforma tributária desde a redemocratização deste país e nós conseguimos agora neste governo.”
*Com informações da Agência Senado
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