O engajamento político das organizações representativas dos povos indígenas tem impulsionado a presença indígena na política do Amazonas.

O Estado, que já possui a maior população indígena do Brasil, agora também lidera o número de indígenas em cargos eletivos, segundo dados divulgados em janeiro pelo Ministério dos Povos Indígenas.

O estudo revelou que no Estado 47 indígenas foram eleitos para cargos de prefeitos, vice-prefeitos e vereadores nas últimas eleições municipais, consolidando o Amazonas como líder no cenário nacional. Pernambuco e Paraíba seguem na lista, com 31 e 23 indígenas eleitos, respectivamente.

No total, 256 indígenas foram eleitos para cargos municipais em todo o Brasil, com destaque para nove prefeitos, 13 vice-prefeitos e 234 vereadores, incluindo 36 mulheres.

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O antropólogo-indigenista Lino João de Oliveira Neves, professor do Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), destaca que o aumento da participação indígena no processo político está diretamente relacionado ao fortalecimento do movimento indígena no Brasil.

Para ele, o Amazonas se destaca pela combinação de sua grande população indígena e o êxito das organizações representativas dos povos indígenas, que têm se engajado ativamente na política local e nacional.

“O Amazonas é o estado com o maior número de representantes dos povos indígenas eleitos, que exercem cargos de prefeitos, vice-prefeitos, vereadores, enfim, que estão nos poderes locais. Esse fato está intimamente relacionado ao dado de que o Amazonas é o maior estado da federação da República Federativa do Brasil, com a maior população indígena. E isso é devido ao êxito do movimento indígena brasileiro. Quando falo do movimento brasileiro, estou me referindo a todas as organizações representativas dos povos indígenas, desde as organizações de base até as organizações regionais, como, por exemplo, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), as organizações indígenas do Rio Negro e, a nível nacional, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). Isso ocorre pelo fato de o Amazonas ter o maior número de povos indígenas, e eles conseguem ocupar o maior número de cargos. Isso se dá a partir do momento em que essas entidades locais e até as nacionais perceberam que é importante que os povos indígenas participem da vida política brasileira”, comenta.

“Então, o movimento indígena tem se articulado junto ao sistema político brasileiro, acessando a vida política por meio partidário e das eleições desses cargos. Esse levantamento é consequência direta, em primeiro lugar, do movimento indígena brasileiro, que tem entendido que para exercer, reivindicar e garantir os direitos dos povos indígenas, é preciso participar da vida política nacional”, completa.

Em relação à força política indígena, o professor Lino João de Oliveira Neves observa que as organizações bem estruturadas e atuantes desempenham um papel crucial no fortalecimento da representação dos povos indígenas. Isso contribui para que os indígenas sejam vistos como aliados pelos partidos políticos em suas plataformas eleitorais.

“Onde existem organizações formalizadas, fortes e atuantes, que participam como interlocutores locais e regionais na luta dos povos indígenas, essas organizações, ao se fortalecerem, também imprimem força junto aos próprios povos indígenas e às forças políticas regionais e municipais, que são os partidos que passam a ver nos indígenas possíveis aliados nas suas plataformas políticas.”

No entanto, ele ressalta que a relação entre essas organizações e os partidos nem sempre resulta em vitórias eleitorais diretas. Um exemplo disso é o município de São Gabriel da Cachoeira, onde, apesar da força da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), um prefeito indígena ainda não foi eleito.

“Isso não quer dizer que seja uma relação direta. Tomemos, por exemplo, São Gabriel da Cachoeira, onde a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) é extremamente forte e atuante, sendo uma das organizações mais consolidadas do movimento indígena brasileiro. No entanto, não conseguem eleger o seu prefeito. Elegem vereadores, mas não conseguem eleger o prefeito. Então, isso é uma certa distorção. Apesar de ser importante ter essa correlação, isso não é uma correlação direta.”

Amazonas é o estado com o maior número de pessoas indígenas no Brasil Foto: Divulgação

A crescente mobilização indígena também está relacionada ao desafio de ser uma minoria em um sistema eleitoral universal, como observa o professor Lino João de Oliveira Neves. Em cidades como Manaus, com mais de 1,5 milhão de habitantes, a dificuldade em atingir um número elevado de eleitores torna a eleição de indígenas um desafio ainda maior.

“As eleições no Brasil são eleições em que o voto é universal. Ou seja, cada pessoa tem um voto. E isso, dentro de uma cidade como Manaus, com milhões e quinhentos mil habitantes, significa que para ser eleito, o candidato precisa de um número elevado de votos. Os povos indígenas, que representam uma grande minoria no Brasil, cerca de 0,5%, nunca conseguirão alcançar um número tão alto de eleitores para ser eleitos”, explica.

“Essa aparente contradição não é uma contradição aparente, ela é uma contradição real. O nosso sistema eleitoral é universal e, no sistema universal, as minorias não têm as mesmas condições de disputa por cargos representativos. Qual seria a alternativa? Uma reforma política que fosse capaz de entender que, se o país é plural, com diferentes segmentos, diferentes etnias e diferentes populações, essas populações devem estar representadas igualmente, segundo sua participação na nação”, detalha.

Crescimento das candidaturas indígenas

Ministra dos Povos Indígenas Sônia Guajajara Foto: Divulgação

O número de candidaturas indígenas nas eleições municipais de 2024 também teve um crescimento significativo. O levantamento revelou que 2.479 candidatos se declararam indígenas, marcando um aumento de 14,13% em relação a 2020, quando o número foi de 2.172. Em termos de votos, essas candidaturas receberam 245.701 votos, somando um total de 1.635.530 votos direcionados a candidatos indígenas.

Apesar desse aumento, a cidade de Manaus, que possui a maior população do estado, não conseguiu eleger nenhum representante indígena nas últimas eleições. O professor Lino João de Oliveira Neves aponta que essa baixa representatividade é um reflexo do sistema eleitoral e da dificuldade que as minorias enfrentam em alcançar os números necessários para ser eleitos.

A líder e ativista indígena Vanda Witoto, conhecida por sua luta incansável pelos direitos dos povos indígenas no Amazonas, destaca os avanços do povo indígena na política brasileira nos últimos anos.

“Nós povos indígenas, fomos deixados de fora dos processos democráticos por muitos anos. Isso começou a mudar em 2018, com a eleição da primeira mulher indígena deputada federal na história desse país, que foi Joenia Wapichana. Um marco histórico que possibilitou nos enxergarmos nesse espaço tão necessário e fundamental para os processos de garantias de direitos a esta população historicamente marginalizada e violentada. Hoje, temos um Ministério dos Povos Indígenas, um marco na história desse país para pensar políticas públicas que contemplem a diversidade e a complexidade dos direitos dos povos indígenas”, comenta.

Dados demográficos

A população indígena no Brasil alcançou 1.693.535 pessoas em 2022, representando 0,83% do total de habitantes. Este aumento é notável, considerando que, em 2010, o Censo apontava apenas 896.917 indígenas, um crescimento de 88,82% nos 12 anos seguintes, enquanto o crescimento populacional geral foi de 6,5%.

Mais da metade dessa população (51,2%) está concentrada na Amazônia Legal, enquanto 44,48% vivem na região Norte, com um total de 753.357 indígenas. O Nordeste, com 528,8 mil indígenas, ocupa o segundo lugar, respondendo juntos por 75,71% da população indígena total no país.

Os três municípios brasileiros com o maior número de indígenas são do Amazonas: Manaus, com 71.713 indígenas; São Gabriel da Cachoeira, com 48,3 mil; e Tabatinga, com 34,5 mil. São Gabriel da Cachoeira, por exemplo, apresenta um alto percentual de indígenas em relação ao total da população, com 93,17%. Apenas Uiramutã, em Roraima (96,60%), e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas (96,17%), têm uma maior concentração de indígenas.

Representação indígena

Ativista indígena Vanda Witoto é conhecida por sua luta incansável pelos direitos dos povos indígenas no Amazonas Foto: Divulgação/Arquivo Pessoal

O advogado e cientista político Carlos Santiago analisou que o aumento no número de cargos conquistados é uma vitória, mas ainda é preciso avançar na representação indígena em cargos políticos.

“Nas últimas décadas, surgiram vários movimentos sociais que impulsionam a participação dos povos indígenas, não somente como eleitores, mas também como candidatos, para representar suas reivindicações e buscar soluções para os problemas enfrentados pelos povos originários. Não é uma tarefa fácil, até porque essa representatividade no Brasil tem falhas. Entre elas, o fato de que ela não traduz a realidade do povo brasileiro, já que a mulher, o negro e os indígenas continuam sub-representados nos cargos eletivos e nos espaços de poder.”

“Embora haja uma notícia positiva no sentido da maior participação dos povos indígenas no processo político e o crescimento das candidaturas representativas dos povos originários, isso ainda precisa avançar muito. No estado do Amazonas, por exemplo, de 62 prefeitos, apenas um é declarado indígena, em um estado que possui a maior população de indígenas do país. Na Assembleia Legislativa do Amazonas e na Câmara Municipal de Manaus, não há representação da população indígena do estado. O aumento no número de cargos é uma notícia boa, porém é preciso avançar.”

O cientista político Helso Ribeiro também analisa a dinâmica de identidade e autodeclaração, destacando um aspecto importante da representatividade indígena.

“Se você pegar o censo, que é autodeclaratório, há um número imenso de indígenas não aldeados, e também há um outro número imenso de pessoas de origem indígena que sempre negaram esse tipo de hierarquia. Poucos são os brasileiros que têm orgulho de uma origem negra ou indígena. Acho que esse preconceito está sendo derrubado, e cada vez mais você encontra pessoas reivindicando essa identidade. Isso faz com que, em lugares como a Amazônia, haja um aumento no número de pessoas que se autodeclararam indígenas.”

Regiões do País

São Gabriel da Cachoeira é o município com maior concentração de diferentes etnias indígenas do país Foto: Divulgação

Além do Amazonas, outros estados do Norte, como Roraima, destacaram-se na eleição de indígenas para cargos municipais, com dois prefeitos, nove vereadores e um vice-prefeito. No Nordeste, Pernambuco foi o estado com o maior número de eleitos, com 27 vereadores, dois prefeitos e dois vice-prefeitos.

No Norte, destacam-se os seguintes números de indígenas eleitos: no Amazonas, foram eleitos 43 vereadores, 1 prefeito e 3 vice-prefeitos; no Acre, 5 vereadores e 2 vice-prefeitos; no Amapá, 5 vereadores; no Pará, 9 vereadores e 1 vice-prefeito; em Rondônia, 1 vereador; e em Roraima, 9 vereadores, 2 prefeitos e 1 vice-prefeito.

No Nordeste, os números são: em Alagoas, 6 vereadores e 1 prefeito; na Bahia, 14 vereadores; no Ceará, 7 vereadores; no Maranhão, 6 vereadores; na Paraíba, 20 vereadores, 1 prefeito e 2 vice-prefeitos; em Pernambuco, 27 vereadores, 2 prefeitos e 2 vice-prefeitos; e no Rio Grande do Norte, 1 vereador.

Na região Centro-Oeste, destacam-se os seguintes números: em Goiás, 1 vereador; em Mato Grosso, 11 vereadores; no Mato Grosso do Sul, 15 vereadores; e em Tocantins, 7 vereadores.

Já no Sudeste, os números são: no Espírito Santo, 2 vereadores; em Minas Gerais, 13 vereadores, 2 prefeitos e 1 vice-prefeito; e em São Paulo, 3 vereadores.

Por fim, no Sul, os indígenas eleitos foram: em Santa Catarina, 8 vereadores; no Rio Grande do Sul, 17 vereadores; e no Paraná, 5 vereadores.

Esse crescimento da participação política indígena é um reflexo da maior conscientização das comunidades e da crescente mobilização por mais representatividade.