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Direitos das domésticas

Lei das Domésticas é um avanço, mas não tirou trabalhadoras da informalidade no AM

No Amazonas, no terceiro trimestre de 2021, das 75 mil pessoas ocupadas na função de domésticas, cerca de 87% não trabalham com carteira assinada, conforme os dados do IBGE

Foto: Divulgação

Manaus (AM) – Com a Lei das Domésticas, sancionada em 2015, muitos trabalhadores da área, em sua maioria mulheres negras, passaram a ter seus direitos assegurados pela constituição. No entanto, mesmo com os avanços trabalhistas, a informalidade ainda consiste, atualmente, como a forma predominante das relações de trabalho do setor. Na semana em que foi comemorado o dia da profissão – quarta-feira (27), Dia da Empregada Doméstica – e o Dia do Trabalhador (1º), o Em Tempo aborda o tema.

No Amazonas, as dificuldades e os conflitos são ainda maiores em razão dos recorrentes casos de trabalho infantil doméstico, que podem desencadear em violência sexual, e escravidão, conforme especialistas.

A trabalhadora Laura Abreu, que atua há mais de 20 anos como empregada doméstica, nunca teve sua carteira de trabalho assinada. Assim, mesmo trabalhando por cerca de duas décadas na profissão, o acesso a seus direitos, como aposentadoria e FGTS, acaba impossibilitado, visto que foi contratada de forma informal. Ela já trabalhou por quase dois anos como empregada doméstica em uma residência familiar, onde a empregadora se recusava a assinar sua carteira. 

“Trabalhei um ano e cinco meses e, nesse tempo, ela não assinou a minha carteira. Disse que não ia assinar e ficou esse tempo todo me enrolando”, conta Laura.

O estopim para Laura pedir a conta foi quando a empregadora chegou em casa, no horário do almoço, e iniciou uma série de xingamentos e gritos, pois ficou insatisfeita com a comida feita por Laura. Em seguida, a mulher jogou fora toda a comida.

“Ela me humilhou, disse que eu não prestava para fazer comida, e disse um monte de besteira, só palavras de ofensa. Só fiquei calada e comecei a chorar. Eu terminei de fazer todas as coisas e fui embora e eu não voltei nunca mais. Depois que saí da casa dela, nunca me pagou o mês que trabalhei”,

lembra Laura.

Aumento da informalidade

O surgimento da pandemia da Covid-19 aumentou o desemprego no serviço doméstico no Brasil, mas nos últimos meses, a tendência é de crescimento de vagas para o setor.

Conforme os dados do Instituto Doméstica Legal, com base na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve um crescimento de 6% de trabalhados no serviço doméstico entre o dezembro de 2021 e fevereiro de 2022.

Ao mesmo tempo, os dados indicam um avanço da informalidade no setor. Entre o quarto trimestre de 2019, período antes da pandemia, e o ano de 2022, houve um aumento de 72,15% para 74,75% de informalidade no serviço doméstico no Brasil, um aumento de 2,6 pontos percentuais.

Já no Amazonas, os dados são ainda mais alarmantes. No terceiro trimestre de 2021, das 75 mil pessoas ocupadas na função de domésticas, cerca de 87% não trabalham com carteira assinada, conforme os dados do IBGE.

Violações

De acordo com o Juiz do trabalho Igo Zany, grande parte dos processos em que precisa trabalhar, em relação ao desrespeito das leis que amparam os empregados domésticos, é referente às relações informais de vínculo empregatício.

“Muitos empregadores não querem arcar com esses custos com as domésticas, ou não têm condições de assinar a carteira. Então, a gente tem que ter uma consciência de que hoje só contrata doméstica quem pode. Porque quem não pode pagar pelos direitos mínimos, pagar as férias e o 13 º, não pode contratar um empregado doméstico”,

afirma Igo.

Para ele, um dos principais problemas da continuidade da violação dos direitos trabalhistas das empregadas domésticas é a falta de fiscalização. Conforme Igo Zany, as dificuldades para a implementação dessas fiscalizações acontecem justamente em razão de o ambiente de trabalho ser também um espaço familiar.

Juiz Igo Zany ressalta a importância das denúncias a respeito das violações trabalhistas das domésticas – Foto: Divulgação

Dessa forma, as relações de abuso contra as domésticas são invisibilizadas e ficam escondidas entre as paredes do domicílio. Assim, o Juiz do trabalho ressalta que um dos principais meios para que as violações de trabalho sejam levadas para a justiça é por meio de denúncias.

“É importante sempre denunciar. O acionamento consegue chamar a atenção do poder público. Então essa é uma dificuldade, pois como eu vou estar dentro da casa de alguém para fiscalização? Então é preciso que haja denúncia”,

ressalta.

Problemas no Amazonas

Já no Amazonas, o juiz aponta que é comum o deslocamento de pessoas jovens, geralmente, meninas das classes mais baixas, do interior do estado para a capital para trabalharem como empregadas domésticas, crime que se configura como exploração infantil. Além disso, muitas vivem como escravas domésticas.

Ele também destaca as situações em que as jovens passam várias décadas na casa do empregador, até atingirem a velhice. Inclusive, chegam na idade senil sem carteira assinada, logo, não conseguem o acesso à aposentadoria, pois não contribuíram ao longo da vida para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).  

“É muito comum na nossa região os trabalhadores domésticos em idade escolar trabalharem como domésticos na capital, e é ilegal, pois se configura como exploração infantil. É uma situação que submete o adolescente à vulnerabilidade, e abre portas a várias ilegalidades, como abusos sexuais. Também quebra a oportunidade do adolescente de sair desse sistema de vulnerabilidade”, observa o juiz.

Quais são as leis que amparam as domésticas?

Apesar dos casos de informalidade, o juiz Igo Zany analisa que houve avanços importantes e essenciais na lei para os trabalhadores domésticos, pois a lei desarticula e enfraquece a sequência de casos de informalidade.

“Antes da lei, você tinha a informalidade como regras. Se a empregada souber de seus direitos, ir atrás e reconhecer seus vínculos, ela tem formas de entender que está sendo explorada, de que aquele trabalho não faz bem para ela”,

observa.

Conforme o advogado Paulo Almeida, a lei 150/15 entrou em vigor no dia 1º de junho de 2015 e veio para igualar as domésticas aos mesmos direitos de qualquer trabalhador.

Advogado Paulo Almeida cita os direitos dos empregados domésticos – Foto: Reprodução

“O trabalhador doméstico é quem presta serviço de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial destas, por mais de 2 dias por semana”,

explica o advogado, enquanto que as diaristas trabalham até duas vezes na semana.

A lei exige que o empregador anote a carteira de trabalho da trabalhadora doméstica em até 48 horas após a sua admissão. Também é obrigatório o registro do horário de trabalho da doméstica por qualquer meio.

“A jornada de trabalho é de 8 horas diárias e 44 horas semanais, a remuneração da hora extra será, no mínimo, 50% superior ao valor da hora normal, podendo haver acordo escrito entre empregador e empregado para compensação destas horas em outro dia. Caso o trabalho executado esteja no horário entre 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte, terá uma remuneração do trabalho noturno, acrescido de, no mínimo, 20% sobre o valor da hora diurna” explica ao advogado.

O advogado também ressalta sobre o depósito obrigatório de FGTS no valor de 8% sobre o salário da empregada, e que a empregada doméstica possui o direito a benefícios acidentários como: auxílio-doença acidentário, aposentadoria por invalidez acidentária e especialmente o benefício auxílio-acidente.

Veja quais são os direitos dos trabalhadores do serviços domésticos:

– Registro em CTPS;

– Jornada de trabalho não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais;

– Pagamento de Horas Extras com 50% de acréscimo sobre o valor da hora normal;

– Pagamento de Adicional Noturno equivalente a 20% do valor da hora normal;

– Indenização caso seja despedido sem justa causa;

– Décimo terceiro salário;

– Férias remuneradas;

– Vale transporte, nos termos da lei;

– FGTS equivalente a 8% da remuneração do empregado;

– Licença remunerada;

– Estabilidade provisória por força do art. 25 da LC 150/2015 e da Lei 11.324/2006, inclusive na confirmação de gravidez durante o aviso prévio trabalhado ou indenizado.

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