O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), por meio da 3ª Promotoria de Justiça da Comarca de Manacapuru, instaurou um inquérito civil para apurar possíveis danos ambientais cometidos pelo Matadouro e Frigorífico Cristiano D’Angelo Ltda, de propriedade do deputado estadual Cristiano D’Angelo (MDB).
A empresa é acusada de funcionar sem licença ambiental válida e de adquirir gado de áreas embargadas por desmatamento ilegal, segundo informou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A investigação teve início a partir da Notícia de Fato nº 038.2024.000689, enviada pelo Ibama ao MPAM. De acordo com a Portaria de instauração do inquérito, assinada pela promotora de Justiça Emiliana do Carmo Silva, o frigorífico teria cometido diversas irregularidades ambientais, inclusive sendo citado na Operação Carne Fria, que combate a comercialização de gado oriundo de áreas embargadas por crimes ambientais na Amazônia.
“A fiscalização constatou que a empresa adquiriu gado oriundo de áreas sob embargo, bem como não possuía licença de operação atualizada, descumprindo as normas ambientais vigentes”, afirma a portaria do MPAM.
Multas milionárias do Ibama
As infrações não são recentes. Em novembro de 2024, o Ibama multou a empresa em mais de R$ 2,2 milhões, em dois autos de infração. A primeira penalidade, de R$ 256 mil, foi aplicada por infração relacionada ao controle ambiental, com base no artigo 54 do Decreto 6.514/2008.
Já a segunda multa, mais grave, soma R$ 2.020.000,00 e se refere à violação do artigo 66 do mesmo decreto, que veda o funcionamento de estabelecimentos potencialmente poluidores sem licença dos órgãos ambientais.
O dispositivo proíbe a “construção, reforma, ampliação, instalação ou funcionamento de estabelecimentos, atividades, obras ou serviços utilizadores de recursos ambientais, considerados efetiva ou potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, em desacordo com a licença obtida ou contrariando as normas legais e regulamentos pertinentes”.
Conflito entre licenciamento e fiscalização
Apesar da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Saneamento (SEMAS) de Manacapuru afirmar que os licenciamentos da empresa estariam atualizados, o MPAM ressalta que o Ibama constatou o contrário durante a fiscalização.
Além disso, segundo a portaria, a Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas (ADAF) informou que não havia qualquer autorização de abate no período analisado, o que levanta suspeitas sobre abates clandestinos no local.
“Tais condutas configuram, em tese, violação ao disposto nos arts. 54 e 60 da Lei n. 9.605/1998, sem prejuízo de outras infrações administrativas e civis a serem apuradas”, cita o documento ministerial.
TAC com o MPF foi descumprido?
Antes mesmo das multas do Ibama, em julho de 2024, o frigorífico assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público Federal (MPF), no qual se comprometeu a adotar critérios rigorosos na origem do gado adquirido e abatido.
Segundo o acordo firmado, a empresa só poderia negociar com fornecedores que:
“Tenham inscrição válida no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou Sicar; não tenham realizado desmatamento ilegal de novas áreas a partir de 22/07/2008; não possuam sobreposições com unidades de conservação, terras indígenas e comunidades quilombolas; não possuam sobreposições com polígonos de embargos do Ibama e/ou órgão ambiental estadual; não possuam CPF ou CNPJ inserido na ’Lista Suja do Trabalho Análogo ao Escravo do Ministério do Trabalho e Emprego’”.
Com base nas informações repassadas pelo Ibama, o MPAM agora apura se o matadouro de D’Angelo descumpriu os termos desse TAC, o que pode agravar ainda mais a situação jurídica da empresa e do deputado.
Providências e prazo para defesa
O MPAM determinou uma série de providências dentro do inquérito, como notificações à SEMAS, à Vigilância Sanitária e à própria empresa, que terá 15 dias úteis para apresentar manifestação escrita, acompanhada de documentação que comprove a regularidade de suas atividades e o tratamento adequado de resíduos sólidos e efluentes líquidos.
“Instaurar o presente INQUÉRITO CIVIL […] para apurar danos ambientais locais decorrentes do funcionamento irregular do Matadouro e Frigorífico Cristiano D’Angelo Ltda, em desacordo com a licença ambiental municipal expedida”, afirma o MPAM na portaria.

Sem resposta
A equipe de reportagem do Amazonas em Tempo entrou em contato com a assessoria do deputado Cristiano D’Angelo para solicitar um posicionamento sobre as investigações, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.
A investigação segue em curso e pode resultar em ação civil pública por danos ambientais, além de consequências administrativas e penais, a depender do desdobramento do inquérito.
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