Algumas histórias que vivenciamos no consultório se tornam mais do que casos médicos, tornam-se lições. Não só para os pacientes, mas também para nós, médicos. Uma delas me marcou de forma especial.
Aconteceu há dois anos, mas poderia ter sido ontem. Ele chegou acompanhado da esposa. Sessenta e dois anos. Olhar desconfiado. Veio porque “elas insistiram”, como ele mesmo disse, referindo-se à esposa e às duas filhas.
Repetiu várias vezes: “Não sinto nada, só vim porque me obrigaram.” Uma fala comum entre os homens que chegam ao consultório sem sintomas aparentes e acreditam que, por isso, estão saudáveis. Na primeira consulta, investigamos hábitos, histórico familiar, uso de medicações, possíveis sintomas ignorados, e solicitamos os exames de rotina.
O retorno, no entanto, trouxe uma surpresa que nem ele, nem a família, esperavam. Os exames mostraram um quadro de Hiperplasia Prostática Benigna (HPB), que é o aumento benigno da próstata, condição muito comum com o avanço da idade. Mas o mais preocupante foi a função dos rins, já apresentava alterações significativas. Isso indicava que o aumento da próstata estava dificultando a eliminação da urina, provocando danos silenciosos ao sistema urinário.
Expliquei com calma: embora ele não percebesse sintomas, estava urinando mal há tempos, e a obstrução estava sobrecarregando os rins. Sem tratamento, poderia evoluir para insuficiência renal, com necessidade de hemodiálise ou até mesmo transplante. A expressão de todos mudou. O susto foi real e fez efeito.
A partir dali, tudo caminhou rapidamente. Exames complementares foram feitos, o procedimento cirúrgico foi realizado, e a recuperação foi excelente. A função renal voltou ao normal, e o paciente passou a comparecer regularmente às consultas, agora por vontade própria. Em uma dessas consultas, ele me disse: “Aquilo me ensinou. Nunca mais deixo de cuidar da minha saúde.” Hoje, é ele quem incentiva amigos e familiares a fazerem o mesmo.
Esse caso mostra, com clareza, o valor da prevenção secundária, aquela que não evita a doença, mas impede que ela avance. Muitas doenças urológicas, como a própria HPB e até o câncer de próstata, evoluem de forma silenciosa. Quando os sintomas aparecem, o problema já pode estar avançado. E é por isso que exames de rotina são tão importantes.
Prevenção não é só evitar o que pode acontecer. É identificar o que já está acontecendo, mesmo sem dor, sem incômodo, sem alarde. É o cuidado antes da urgência. Homens, escutem o corpo mesmo quando ele parece calado. Consultem o urologista, façam seus exames, acompanhem sua saúde. Cuidar de si não é exagero. É sabedoria.
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