Manaus (AM) – A cinebiografia “Uýra – A Retomada da Floresta” estreia nacionalmente neste sábado (15), na comunidade Nossa Senhora de Fátima 1, na Zona Leste de Manaus.
O longa, escrito e co-produzido por Uýra Sodoma (Emerson Pontes) e Martina Sönksen e dirigido por Juliana Curi, chega ao Brasil após passar por festivais internacionais e ter a estreia mundial no 46th Frameline International Film Festival – o maior e primeiro festival de cinema LGBTQIA+ do mundo, realizado há 46 anos em San Francisco, na Califórniia.
Conhecida como “A árvore que anda”, o filme retrata as vivências e a história a entidade híbrida Uýra Sodoma, vivida pela artista trans indígena e bióloga Emerson Pontes. Nascida em Santarém (PA) e residente em Manaus (AM), Emerson utiliza o corpo para levantar a temática da preservação ambiental e dos direitos LGBTQIA+ desde 2016.
Por meio de suas performances, fotoperformances, falas, intervenções e instalações, o artista indígena leva ao público as sabedorias ancestrais e conhecimentos científicos da ecologia e os convoca a olhar as florestas presentes em toda a paisagem urbana.
O filme acompanha Uýra, que viaja pela floresta e cidades amazônicas em uma jornada de autodescoberta usando arte performática para ensinar jovens indígenas e ribeirinhos que eles são os guardiões das mensagens ancestrais da floresta amazônica. O longa traz ainda a participação de artistas, ativistas e lideranças indígenas como Zahy Guajajara e a liderança Kambeba Dona Babá, além das performances de Uýra que são uma metáfora inspirada no ciclo ecológico e espelha as lutas sociais.
O projeto foi idealizado e produzido antes da pandemia de Covid-19. Por mais que seja um filme autobiográfico, não é apenas sobre Uýra. Por meio da produção, a artista busca representar e se movimentar em coletivo, e ressalta que diversas histórias são contadas nessa obra.
“No filme, são exibidas denúncias de violências sociais, ambientais e espirituais no Brasil – elementos que geraram e constituem profundamente o que é a nação, todas, amplamente em curso e invisibilizadas pelo estado Brasileiro – sobretudo com o governo Bolsonaro, que as respalda e incentiva publicamente. Mais que violências, o filme demarca as diferentes, constantes e ancestrais lutas no tempo de hoje, com destaque às lutas indígenas e LGBTQI+, da cidade à floresta do território amazônico”, pontuou Uýra.
A artista enxerga o longa, que é uma mistura de ficção e autobiografia, como uma oportunidade de diálogo com a sociedade como um todo para que sejam construídas pontes entre as vivências e, como classifica, “é um caminho de cura para os mundos”.
“O filme é um convite ao diálogo: apresenta as violências, forças e lutas em Brasil, para que o Brasil e os mundos conheçam de verdade as Amazônias. Precisamos de diálogos, com gentes dos mundões, para garantir a proteção das florestas e ecologias onde habitamos, a da Amazônia; precisamos de diálogo para nos contar da forma correta, para além dos estereótipos racistas que existem sobre nós, pessoas indígenas e LGBTQI+; é por meio dos diálogos que também acessamos estes espaços de valor econômico e simbólico, de onde historicamente somos excluídos; São nesses diálogos, que provocamos curas antigas e profundamente presentes no agora, onde redemarcamos nossos saberes, culturas e valores”, explicou.
O longa já recebeu o prêmio de Melhor Filme pelo Júri Popular no Frameline Film Festival em São Francisco, na Califórnia, Melhor Documentário no Festival de Oslo na Noruega e Prêmio Especial do Júri Categoria Liberdade no Outfest em Los Angeles, entre outras participações e indicações.
O filme também tem sido exibido para comunidades Amazônicas, com o intuito de fortalecer as comunidades de origem e promovendo trocas de saberes e experiências a partir do diálogo estabelecido pelo filme.
Em setembro, o longa foi exibido em um evento realizado pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS) sobre formação política de jovens amazônidas, em Tumbira, e também no Encontro de Jovens da Floresta, em Manaus (na sede da FAS, no Parque 10). O evento contou com a presença de 50 jovens de oitos Estados do Brasil que participaram dos três dias da oficina ”Formação Política para Jovens Amazônicos”. A formação é voltada aos jovens amazônicos e líderes sociais atuantes em alguma escala em seus territórios.
“É muito importante que nossas histórias, de gente da Amazônia, indígena, trans e de periferia rodem os mundos – assim garantimos nosso direito à participação no planeta. Sinto o filme, como uma grande energia, que deseja se fazer ver, sentir e revoltar sobre como estamos em Brasil, e se fazer saber, para que os mundos tenham a certeza, de que somos muitas árvores lutando nesta e por esta grande floresta Amazônias”, ressaltou.
No dia 15 de outubro, a comunidade de Nossa Senhora de Fátima 1, onde Uýra vive com sua família desde criança, recebe uma exibição gratuita do filme. Para a artista, fazer a estreia nacional em uma periferia da Zona Leste de Manaus é um dos pontos altos desse momento na carreira. Além disso, classifica a estreia nacional no local como algo “emocionante, político e potente”, visto que a comunidade vive há alguns anos à margem da violência e, geralmente, aparece somente nas páginas policiais dos jornais.
“Isso nunca aconteceu no Cinema. Geralmente estes especiais momentos, como ainda é toda esta indústria, fica restrita somente a grandes festivais e a um público mais privilegiado. Quem mora nas periferias praticamente só vê filme quando estes chegam na TV aberta, ou em alguns casos, nos streams de filmes. A comunidade Nossa Senhora de Fátima é onde morei com minha família desde que migramos do Pará. Foi ali que cresci e aprendi as primeiras lições do mundo. Tudo o que sou hoje, nasceu daquela comunidade – fazemos parte da história uma da outra. Muita gente ali já não dorme e sonha bem faz tempo. Este filme é sobre Esperança, ele carrega a possibilidade de Fé e Justiça. Espero que pelo menos nesta noite de estreia, as pessoas possam dormir em paz e ter os melhores sonhos” , evidenciou.
“Uýra – A Retomada da Floresta” é uma coprodução Brasil e Estados Unidos, tem direção de Juliana Curi e produção de Uýra Sodoma, João Henrique Kurtz, Lívia Cheibub e Martina Sönksen, com distribuição da Olhar Distribuição, com estreia comercial prevista para 2023.
“O filme possui força educativa, faz ver o que foi ensinado/forçado a se manter invisível – e este invisível e que não se debate, que nos mata de muitas formas. Quantos brasileiros ou de outros mundos, sabem que é o Brasil o campeão de assassinatos de pessoas trans e atividades ambientais do mundo? Onde se está discutindo o profundo apagamento histórico de pessoas indígenas, como eu, que foram forçadas a uma diáspora em Brasil? Sempre pontuo que para começar a resolver um problema, temos que vê-lo”, destacou.
Ficha Técnica:
“Uýra – Retomada da Floresta”
2022 | Documentário | Brasil/EUA| 72”
Direção: Juliana Curi, Roteiro: Juliana Curi e Martina Sönksen
Produção: Azores Filmes & Mama Wolf
Produzido por: João Henrique Kurtz, Lívia Cheibub, Martina Sönksen, Juliana Curi e Uýra Sodoma/Emerson Pontes.
Instagram: @uyra.doc
Sobre a artista
Uýra Sodoma é uma “entidade híbrida” criada e performada pela artista indígena residente em Manaus, Emerson Pontes (Santarém, Pará, 1991). Utilizando seu corpo como suporte e trânsito c8oletivo ao unir elementos orgânicos em suas montações, Emerson expressa através de Uýra – uma “árvore que anda”, como nomeia – a imbricação entre sabedorias ancestrais e conhecimentos científicos da ecologia, gerando imagens que nos convocam a olharmos as florestas presentes em toda a paisagem urbana e a repensarmos arraigadas noções de “natureza”.
Nesse fluxo, tem atuado correlativamente nos últimos 6 anos como bióloga, arte educadora e artista visual. Suas performances, fotos performances, falas, intervenções e instalações também imbricam as causas de preservação ambiental e direitos LGBTQIA+, que a artista também coletiviza em seu corpo.
Destacando-se nos campos das artes e da moda – teve participações no Salão Arte Pará (2019), na VII Edição do Prêmio EDP nas Artes do Instituto Tomie Ohtake (2020), estampou a capa “Esperança” da Vogue Brasil (2020), foi destaque na última 34º Bienal de São Paulo (2021), além de atividades programadas em 2022, como a Bienal MANIFESTA!, na Sérvia, e apresentação de performance em Nova York.
É uma das expoentes da Arte Indígena Contemporânea (AIC), sigla que artistas e intelectuais indígenas têm utilizado em contraponto ao chavão “Arte Contemporânea Indígena”, com o qual o sistema da arte impõe o adjetivo contemporâneo, marcador de mercado, à frente do ser indígena.
Pauta e edição: Bruna Oliveira
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