Manaus (AM) – O câncer infantojuvenil já é considerado a principal causa de morte por doenças entre crianças e adolescentes no Brasil. Cerca de 8% das crianças brasileiras entre 1 e 19 anos são diagnosticadas por ano.
No Amazonas, segundo dados da Fundação Cecon (Fcecon), uma média de 160 novos casos são diagnosticados por ano, sobretudo, em pacientes vindos do interior do estado.
Para combater a doença, 23 de novembro foi o dia escolhido para celebrar o Dia Nacional de Combate ao Câncer Infantojuvenil, instituído para conscientizar sobre a importância do diagnóstico precoce.
Em Manaus, o FCecon afirma que, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (Inca), há uma média de 50 casos novos por ano.
Ainda segundo a fundação, as estimativas apontam as leucemias como o tipo mais frequente. Com isso, especialistas alertam os pais para os primeiros sinais, pois em caso de diagnósticos precoces, há 100% de chance de cura.
Dominância dos tipos de câncer
Os tipos de cânceres mais frequentes na infância são:
- Leucemias (que afetam as células sanguíneas);
- Linfomas (encontrados no sistema linfático);
- Neoplasias do sistema nervoso central (trata-se do tumor sólido mais frequente);
- Osteossarcoma (tumor identificado nos ossos);
- Sarcoma de Ewing (tumor ósseo e de partes moles);
- Rabdomiossarcoma (tumor de partes moles);
- Neuroblastoma (tumor de supra-renal);
- Tumor de Wilms (tumor renal);
- Rtinoblastoma (câncer nos olhos);
- Tumor de células germinativas (que afeta testículos e ovários).
Ainda que o câncer infantojuvenil tenha mais chance de cura, ele não deve ser negligenciado. Por isso, é necessário acompanhamento por um médico especialista que possa analisar todo o estilo de vida do paciente e as características do câncer diagnosticado.
Descoberta da doença
Muitas vezes, o jovem ou a criança, estão em condições razoáveis de saúde quando descobrem a doença. A manifestação clínica dos cânceres, especialmente quando se trata de tumores, podem não diferir de outras doenças benignas, que são comuns nessa faixa etária, porém, se acompanhado por especialistas, a criança ou o adolescente tem mais chance de ser curada, apontam oncologistas pediátricos.
“Minha filha teve que partir”
Choro durante o banho acendeu alerta
Francisca Helena Barbosa, de 40 anos, é natural de Terra Santa, município localizado ao Oeste do Pará, onde as condições de saúde são precárias. Ela conta que perdeu a sua filha Raquel Barbosa Costa, de apenas 7 anos, para o câncer, em 2014.
Raquel foi diagnosticada com a doença aos 3 anos, após sentir dores no corpo, diarreias, sangramento pela gengiva e gripe contínua.
Francisca afirma que nunca desconfiou da doença porque a gripe é comum em crianças. Porém, um dia a mãe percebeu que sua filha chorava muito para tomar banho e, com isso, outros sinais foram aparecendo. Ela decidiu levar a criança ao hospital e realizou exames de sangue.
“Ela fez exames em um laboratório da cidade e não quiseram me entregar os resultados de exames. Mandaram eu ir direto com a doutora. Foi então que eu a levei e a médica examinou. Ela disse que já desconfiava da leucemia, percebeu que o baço estava muito inchado, e mandou irmos de imediato ao hospital municipal para sermos encaminhadas para Santarém (cidade localizada no Pará, onde a maioria da população fica internada por ter um dos hospitais mais completos da região)”,
conta Francisca.
Dor da família ao lidar com a doença
Raquel ficou no hospital Regional de Santarém por uma semana, e de acordo com Francisca, nada foi feito. Ela pediu transferência da menina para Manaus e a família chegou no mesmo dia à capital do Amazonas por viagem aérea.
Ao chegar em Manaus, a criança foi diagnosticada e acompanhada na Fundação Hospitalar de Hematologia do Amazonas (Hemoam).
“Foi muito doloroso para mim, pois eu não tinha ninguém aqui em Manaus. Às vezes ficava com ela internada por um mês, porque a doença já estava muito avançada. O médico ficou muito chateado porque não tínhamos procurado ajuda no início. Mas ele entendeu que, onde morávamos, tudo era difícil. Mas ele ficou muito chateado”,
lembra a mãe de Raquel.
“Eu via pelo olhar do doutor que era impossível, que estava tão avançado que era impossível ela sobreviver. Só que eu entregava tudo nas mãos de Deus. Eu tinha fé que a minha filha iria ficar boa. Mas Deus sabe o que faz. Quem sou eu para falar contra Deus?”,
afirma Francisca Barbosa.
A mãe de Raquel conta também que, o tratamento da menina durou cerca de 2 anos e seis meses. Quando ela completou 7 anos, começou a questionar a sua aparência fragilizada pela leucemia. “
Ela dizia: mamãe, por que eu sou feia? E eu dizia que ela não era feia, que ela era a princesinha da mamãe”, relata a mulher.
Barbosa fazia questão de comemorar o aniversário da filha, pois pelo estado de saúde da pequena, já previa que a criança não aguentaria viver muitos anos.
Apesar de o tratamento contra o câncer ser gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), Francisca ainda tem ressentimento contra o poder público, pois, segundo ela, além da leucemia, Raquel foi infectada por HIV na primeira transfusão de sangue no Hemoam e essa foi a causa de sua morte.
“Como são muitas crianças com a mesma doença, eles só vão fazendo a transfusão sem examinar antes o sangue. Era um sofrimento e quando a gente soube do HIV, caiu meu chão. Para mim, acabou e eu sabia que ela não iria resistir”,
afirma.
Em 2021, o Ministério da Saúde aprovou novas medidas para doação de sangue e estas se tornaram mais rigorosas. Entre elas, a proibição de doação de sangue por pessoa que:
1) Tenha passado por um quadro de hepatite após 11 anos de idade; 2) Evidências clínica das seguintes doenças transmissíveis pelo sangue: Hepatite B e C, AIDS (vírus HIV), doenças associadas ao vírus HTLV I e II e Doença de Chagas; 3) Uso de drogas ilícitas injetáveis; 4) Malária.
Quando os médicos descobriram o HIV, interromperam o tratamento da leucemia e iniciaram imediatamente o acompanhamento contra o HIV.
Raquel foi encaminhada para a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado.
Em seus últimos dias, a mãe da criança pediu transferência dela de volta ao Hemoam, pois ela não queria lembrar de sua filha sofrendo naquele lugar.
“Ela viu uma criança comendo picolé e pediu ao pai dela um. Ele foi, comprou e trouxe. Ela comeu. Mas, após comer o picolé, ela começou a vomitar e não parava. Foi então que pedi a transferência dela para o Hemoam. Eles não queriam porque ela estava fazendo tratamento no Tropical. Mas eu não queria lembrar daquela cena, da minha filha sofrendo”,
lembra Francisca Barbosa.
Luto
Chegando ao Hemoam, a menina teve seus últimos momentos ao lado da família e faleceu. Francisca Helena confessa que ainda não consegue ver as fotos, vídeos ou outros objetos que lembrem sua filha, porque ainda dói.
“Minha filha teve que partir e eu evito ver fotos, vídeos dela, porque se eu ficar vendo, me sinto mal e lembro de tudo o que aconteceu. Foi muito sofrimento”, explica.
Outro recomeço
Para enfrentar a dor da perda, Francisca conta que começou a trabalhar tanto ao ponto de não querer pensar que sua filha havia partido. Por causa de todo o sofrimento durante o tratamento da menina, sua mãe adquiriu problemas de saúde, inclusive, início de uma depressão. Com ajuda de sua filha mais velha, consultou um especialista e pretende continuar o tratamento para a saúde mental.
Aceitação
Entre esse processo de aceitação, Roberta, sua filha mais velha, engravidou. Deu à luz à uma menina, a qual Francisca se encarregou de cuidar e preencheu o espaço vazio que existia. “Sou eu quem fico com ela, dou banho, arrumo, cuido dela. Eu a tenho como filha. Ela nasceu para preencher [o vazio que existia]. Tenho o Miguel, outro neto. Falo para as pessoas que Deus tirou a Raquel, mas me deu dois netos, que eu gosto muito”, conta Francisca, empolgada ao falar das crianças.
Fundação Cecon
A fundação oferece tratamento para casos de câncer em que há tumores sólidos. A Fundação Hemoam é referência para o tratamento das leucemias e linfomas. Na FCecon, há um andar destinado apenas à internação de crianças e adolescentes. O atendimento ocorre a pacientes de municípios variados do interior do Amazonas, com a predominância em Manacapuru, Coari e Careiro Castanho.
Pacientes já receberam alta definitiva este ano?
Segundo o órgão, a Fundação Cecon não possui esta informação consolidada, mas uma há estimativa de 2 altas oncológicas no ano de 2021 e 4 altas em 2022, após 10 anos de acompanhamento com o serviço de Oncopediatria.
Apoio para as famílias
Pacientes que chegam em Manaus para fazer tratamento contra o câncer infantil e não têm onde morar são acolhidos pelo Grupo de Apoio à Criança com Câncer do Amazonas (GACC-AM), que disponibiliza apoio e acolhimento, como os serviços de hotelaria, caso os familiares não possuam moradia na capital e transporte para que possam cumprir o tratamento corretamente.
“Disponibilizamos acompanhamento psicossocial e nutricional, ofertamos também a entrega quinzenal do kit suplementar alimentício para contribuir com o tratamento do paciente durante as sessões, cesta básica para a família. Possuímos também diversos projetos, como o “classe domiciliar”, que consiste em aulas ministradas por professores certificados pela SEDUC para que as crianças não percam o ano letivo durante o tratamento, já que na maioria dos casos não podem frequentar a escola pela delicadeza do estado de sua saúde”,
explicou a instituição.
Atualmente o GACC-AM possui em média mais de 300 crianças e adolescentes ativos na instituição, cada uma com suas necessidades próprias do tratamento. “Somos uma ONG e nossos serviços são mantidos por meio de doações, há diversas maneiras de contribuir com a cura do câncer”, completou.
Para maiores informações, os interessados podem acessar o site e as redes sociais da organização social, no Instagram (@gaacamazonas).
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