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Mulheres na política

Cotas femininas avançam, mas lei tem limitações e esbarra em estrutura partidária

Estudiosos do tema e parlamentares dizem que participação de mulheres ainda esbarra em partidos, violência política e discriminação

Foto: Divulgação

A cota para aumentar a participação das mulheres na política acarretou em avanços ao longo dos quase 30 anos após ser implementada em lei. No entanto, conforme especialistas e parlamentares, ela emperra na estrutura dos partidos políticos, sendo insuficiente.

Mais mecanismos para acelerar a inclusão de mulheres na política foram instituídos nos últimos anos. Porém um dos entraves para a eficácia dessas iniciativas é a anistia a partidos que descumpriram as regras em pleitos anteriores, como a que foi aprovada no Congresso em março de 2022.

Na política desde 1983, a deputada federal Luiza Erundina (PSOL-SP) enfrentou a “muralha de obstáculos” que impede a participação de mulheres nesse campo. Ela diz que as cotas foram uma conquista fantástica, mas que é preciso mais.

“Antes, até para ser candidata era muito difícil. Depois que começou a ter o fundo eleitoral e as mulheres foram contempladas com essa política de cotas de financiamento é que os partidos começaram a se interessar”, diz.

Ela defende como ideal a reserva de cadeiras no Legislativo, não só de vagas para candidaturas. “Lamentavelmente, não há uma política compensatória para garantir às mulheres os meios que elas não dispõem para superar a discriminação estrutural. É como se a mulher não fosse para exercer poder.”

Desde 1997, a legislação prevê que ao menos 30% das candidaturas de cada partido ou coligação sejam preenchidas por mulheres. A medida só se tornou obrigatória, no entanto, mais de dez anos depois, em 2009 —já que, até então, a regra vinha sendo descumprida pelas legendas.

A deputada federal Jandira Feghali (PC do B-RJ) foi uma das parlamentares que atuou para aprovar a medida de 1997. Segundo ela, a cota contribuiu para que mulheres passassem a “existir em chapas de partidos” nos processos eleitorais.

“A gente dizia que tinha que ter pelo menos 30%. Eles [deputados homens] diziam que isso era segregação, que ia gerar mais problemas. Houve resistência, tivemos problemas. Mas conseguimos. Foi uma batalha [de convencimento] em cada bancada”, afirma.

Jandira ressalta também a atuação de movimentos sociais nas medidas que foram conquistadas no Congresso. “Isso tudo é uma conjunção de legislação com o movimento social que veio crescendo e foi se colocando”, diz.

Em 1997, das 513 vagas da Câmara, somente 42 eram ocupadas por mulheres. O total chegou a 93 nas últimas eleições, mas as deputadas ainda representam só 18% do Parlamento.

Já o Senado terá neste ano a maior bancada feminina da história, com o mesmo percentual de 18%. O total, no entanto, escancara o desafio: mesmo em número recorde, são apenas 15 mulheres —sendo que 5 delas são suplentes de homens.

Também contribuiu para o avanço da participação feminina decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal) de 2018 que obrigou os partidos a destinar ao menos 30% dos recursos dos fundos eleitoral e partidário às candidatas mulheres.

A ONG Elas no Poder, que se dedica a aumentar a participação feminina na política, trabalha com uma meta considerada ambiciosa: garantir que as mulheres sejam metade do Congresso até 2030.

A diretora-presidente da instituição, Karin Vervuurt, afirma que as cotas de candidaturas e de recursos são importantes, mas ainda estão muito aquém do necessário. Assim como Erundina, a ONG defende a criação de cotas de cadeiras no Parlamento.

“Se você olhar para os países latino-americanos, a maioria dos países que conseguiu atingir algum nível de paridade de gênero tem cota de cadeira. A gente acredita que essa é a melhor solução. A Argentina, quando estabeleceu a lei de cotas, foi de 9% para 40%”, diz.

Vervuurt ressalta que, para driblar a legislação brasileira, os partidos muitas vezes concentram os recursos públicos na candidatura de uma vice ou mesmo em uma única mulher. Outro problema, segundo ela, é o perdão às siglas que descumprem as regras.

“Pouquíssimo tempo atrás, a gente teve a anistia de todos os partidos que, nas últimas eleições, não cumpriram nenhuma das duas regras. Infelizmente, o avanço que a gente tem tido ainda é muito pequeno”, completa.

Outra medida que contribui nesse sentido é a que estabelece que votos dados a mulheres e pessoas negras serão contados em dobro no momento de definição dos valores dos fundos partidário e eleitoral. Aprovada em 2021, ela será válida até 2030.

A professora de direito Ligia Fabris, da FGV do Rio de Janeiro, afirma que as cotas implementadas desde 1997 tiveram e têm efeito no cenário político atual, mas estão aquém do esperado. Uma das dificuldades, diz ela, passa pela estrutura dos partidos políticos que, historicamente, são comandados por homens.

Ela afirma que há uma “uma resistência deliberada em abdicar minimamente de espaços em prol da democratização da política”.

“Apesar disso, não significa que a gente pode jogar fora o arcabouço que conquistamos nos últimos anos, com muita luta. Isso deve servir para que a gente olhe para esses obstáculos e pense como podemos fazer para superá-los”, continua.

Na avaliação dela, uma alternativa seria implementar o sistema de lista fechada, no qual eleitores votam em uma lista de candidatos predefinida pelos partidos (não em candidatos isolados), com alternância de gênero.

Para isso seria necessário realizar uma reforma política no Brasil. “O que é custoso e difícil e com o Congresso que temos agora não acho que seria viável”, diz.

A professora destaca ainda a importância de uma ação da sociedade para cobrar do Judiciário, do Legislativo e até de partidos políticos o cumprimento da legislação e das punições para quem desrespeitá-la.

Beatriz Cerqueira (PT-MG) foi a quinta deputada estadual mais votada do país e a segunda mulher, atrás apenas do mandato coletivo Bancada Feminista (PSOL-SP), que reúne cinco mulheres negras. Ela afirma que outro problema está na violência política de gênero —e diz que as instituições não estão preparadas.

“As minhas primeiras ameaças de morte foram em agosto, ainda na pré-campanha. Eu não divulgava agenda prévia, não participava de atividades abertas. Eu escutei da delegada que eu estava sujeita a ameaças de morte, assim como ela”, relata.

A deputada diz que a violência política acaba limitando a sua atuação. “A gente precisa cuidar para que o ambiente da política seja um ambiente que não afaste, restrinja e nem mate as mulheres por serem mulheres na política.”

* Com informações da Folha de São Paulo

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