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Garimpo ilegal

Draga de garimpo invade Áreas Protegidas no interior do Amazonas e revolta população

Embarcação foi autuada pela prefeitura, mas não se retirou no município e foi destruída em ação liderada por órgãos ambientais

Draga Dubai, que percorreu áreas do município de Tapauá entre abril e maio. Foto: Semmatur/Divulgação

Tapauá (AM) – Uma draga de garimpo invadiu, pelo menos, cinco Áreas Protegidas em Tapauá, no sul do Amazonas, entre os dias 28 de abril e 24 de maio. A presença da embarcação revoltou moradores do município, que tomaram as ruas em protesto cobrando ações enérgicas do poder público. A maior preocupação das pessoas era a iminente contaminação de peixes e da água consumidos na região.

A autuação da prefeitura não intimidou os operadores da embarcação, que ainda percorreu quilômetros no rio Purus entre a Floresta Estadual (FES) Tapauá, Terra Indígena (TI) Apurinã do Igarapé do São João, a Reserva Biológica (Rebio) do Abufari, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagaçu-Purus e a TI Itixi-Mitari.

De acordo com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo (Semmatur) de Tapauá, as denúncias sobre a presença da draga começaram em 28 de abril, quando ela estava nas proximidades das comunidades ribeirinhas Jatuarana e Itatuba.

Com o apoio das polícias militar e civil, a secretaria começou as buscas pela draga, que foi encontrada perto da comunidade Baturité, na FES Tapauá onde foi lavrado o Auto de Notificação 004/2023-Semmatur devido à irregularidades como a ausência de Certidão de Viabilidade Ambiental (CVA), Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) Municipal e de um técnico responsável pela atividade. A medida interrompeu momentaneamente a atividade da embarcação.

A draga tinha Licença de Operação (LO) do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) com data de emissão em 17 de fevereiro de 2023, em nome de João Leonardo Leismann De Sá Chaves, empresário de Rondônia ligado à Cooperativa dos Trabalhadores em Garimpo, Extrativismo, Pesca e Ambientalismo do Estado e à Nacional Intermediações LTDA. A LO autorizava a draga à pesquisa mineral de ouro em 421 hectares no período de um ano. A embarcação também tinha uma placa com número de alvará da Agência Nacional de Mineração (ANM).

No dia 29, a embarcação parou no Igarapé São João, na aldeia de mesmo nome, na TI Apurinã do Igarapé do São João, próximo ao porto da cidade. Ela ficou no local em suposta manutenção até o dia 8 de maio, quando voltou para a comunidade Baturité.

Em 3 maio, a prefeitura acionou por de ofício o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Sem resposta concreta do Ibama, no dia 10, a Semmatur deflagrou a Operação Dubai, em alusão ao nome da draga. Na ocasião foram realizados autuações e embargos com base no Código Ambiental do Município de Tapauá, pois as irregularidades constatadas na primeira fiscalização não foram sanadas, o que justificou a suspensão das atividades e a condução dos garimpeiros ao 64º DIP de Tapauá, onde prestaram esclarecimentos e assinaram um Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) e foram liberados em seguida. A prefeitura pediu que a draga fosse retirada do município, que desceu o rio.

Quando foi destruída, no dia 24 de maio, a balsa estava na Boca do Lago Itaboca, entre as comunidades Beabá e Itaboca, dentro da RDS Piagaçu-Purus e no entorno da TI Itixi-Mitari, já nos limites do município de Beruri. O Observatório BR-319 apurou que não há no sistema de dados da ANM registro de autorização de pesquisa ou lavra garimpeira nesta área.

Segundo informações da superintendência do Ibama no Amazonas, uma Força-Tarefa de Segurança Pública Ambiental (FTSPA) destruiu a Draga Dubai durante a Operação Gana, em ação coordenada entre a Polícia Federal, Ibama, Polícia Militar e Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Amazonas (Sema-AM). A força-tarefa se deslocou de hidroavião de Manaus, por cerca de 1h30, até a sede do município de Tapauá, de onde partiram de lancha em busca da draga, que foi localizada após, aproximadamente, 15 horas de buscas.

“A draga estava escondida na RDS Piagaçu-Purus. Após abordagem pela FTSPA, foi constatada a mineração ilegal. Foi realizada a destruição da embarcação conforme os normativos vigentes, por não haver possibilidade de sua remoção, além da balsa de combustível, do empurrador e de 6 mil litros de diesel. Foram aplicadas multas que totalizaram aproximadamente R$ 16, 5 milhões”,

informou a superintendência do Ibama no Amazonas. Além disso, foram lavrados três Autos de Infração, três Termos de Apreensão, três Termos de Destruição e um Termo de Doação.

A região por onde a balsa transitou é uma das mais preservadas da área de influência da BR-319. O Observatório BR-319 apurou que a embarcação esteve na Rebio Abufari, que é uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral e de acesso restrito, onde a visitação pública é proibida, exceto com objetivos educacionais. No caso da RDS Piagaçu-Purus, existem lagos onde peixes-bois são soltos para reabilitação na natureza. De acordo com a Sema-AM, a área de soltura dos animais fica na comunidade Cuiuanã, distante do local onde a draga foi destruída.

“Nosso posicionamento é totalmente contrário ao garimpo em nosso município! Nossas ações, dentro das nossas atribuições legais, foram imediatas e contundentes! Fizemos as atividades paralisar e retiramos a embarcação da área. Todavia, como nosso perímetro municipal é imenso, a balsa ainda ficou, mais ou menos, 14 dias ancorada nas margens do rio Purus, próximo à comunidade Beabá, dentro de uma RDS Piagaçu-Purus, e ao lado de uma terra indígena”,

relatou o secretário titular da Semmatur, Jaciel Santos.

Para o futuro, estamos trabalhando em legislação municipal que proíba toda qualquer atividade de mineração em Tapauá”, revelou.

O OBR-319 apurou, também, que não há justificativa para a presença de uma draga de grande porte para a realização da pesquisa mineral e não consta nos processos em tramitação na ANM a Guia de Utilização, que autorizaria a extração mineral já na etapa de pesquisa. A LO emitida pelo Ipaam menciona somente a “prospecção superficial”, que não necessitaria de uma draga de grande porte para ser realizada. Portanto, há a suspeita de que o Alvará de Pesquisa Mineral, emitido pela ANM, possa ser utilizado de forma ilícita para respaldar atividade de garimpo ilegal. Além dos órgãos ambientais federais, estaduais e municipal, o Ministério Público Federal (MPF) e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), também foram acionados.

O mapa mostra onde ficam a UCs, a sede do município de Tapauá e os locais onde a balsa foi vista e teve a localização geográfica informada à Semmatur e ao Ibama. O linha mais grossa em azul é o rio Purus, por onde a draga navegou

A importância socioambiental do Médio Purus

Tapauá fica na calha do Médio Purus e é um dos maiores municípios do Amazonas, com 8.536.563 hectares, e 16.876 habitantes. A região abriga Áreas Protegidas importantes, como a Rebio Abufari, que tem um dos maiores tabuleiros de reprodução de quelônios da Amazônia. Além disso, tanto o povo Apurinã da TI Itixi-Mitari quanto as populações ribeirinhas da RDS Piagaçu-Purus realizam o manejo de pirarucu, uma das atividades econômicas mais sustentáveis da região, que gera renda aos envolvidos e, ainda, fortalece a conservação da espécie.

A RDS, inclusive, é popular entre cientistas por ser um santuário para mamíferos aquáticos. A bióloga da WCS Brasil, Sannie Brum, conta que o local é um dos mais ricos em biodiversidade na Amazônia.

“Para se ter uma ideia, o rio Purus é o local com maior densidade de botos já registrada na Amazônia e, em se tratando de pesca, a região tem muitas várzeas alagadas, tanto do Purus quanto do Solimões, o que gera muitas espécies de plantas macrófitas, importantes para a alimentação de peixes e mamíferos aquáticos, como botos e peixes-bois”,

explica Sannie.

Desde 2016, a RDS Piagaçu-Purus tem sido a principal área de soltura de peixes-bois reabilitados em cativeiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). Até 2021, 44 animais foram reintroduzidos na natureza na área de várzea da RDS, e monitorados via radiotelemetria com apoio das comunidades locais. Esta atividade tem sido uma estratégia importante de conservação da espécie, que é ameaçada de extinção.

“Um dos critérios de escolha de área de soltura é que o ambiente seja protegido, como dentro de Unidade de Conservação, mas, principalmente, que o habitat esteja saudável. Alguns estudos mostram que a poluição e a contaminação dos rios por conta de metais pesados provenientes do mercúrio usado nas atividades de mineração afeta, diretamente, o ambiente aquático e, consequentemente, a principal fonte de alimento da espécie, as plantas aquáticas e semiaquáticas”,

explica Diogo de Souza, pesquisador da Associação Amigos do Peixe-Boi (Ampa).

“O peixe-boi é uma espécie exclusivamente herbívora. Portanto, pode aumentar a probabilidade de mortalidade dos animais por conta da ingestão de alimento contaminado, ocasionando risco de intoxicação, lesão ou patologia tecidual”, acrescenta.

Por que a mineração é ruim para a Amazônia?

Para a extração de ouro de aluvião, os garimpeiros utilizam dragas de grande porte que revolvem o leito dos rios. A água é bombeada e filtrada com a utilização de carpetes, que retém os sedimentos. Os sedimentos são depositados em tanques de água e, neste momento, é utilizado o mercúrio para a amalgamação do ouro, ou seja, o minério se junta ao mercúrio formando pequenas pedras. A última etapa é a queima destas pedras, quando o mercúrio é lançado à atmosfera, restando somente o ouro. A água com mercúrio que resta nos tanques, geralmente, é descartada nos rios, contaminando a fauna aquática e as pessoas que entram em contato com o metal.

O parecer técnico Nº 1495/2019 do Ministério Público Federal (MPF) aponta que cerca de 80% das crianças nascidas em São Luiz do Tapajós, região no estado do Pará com alta incidência de extração de ouro, sofrem alterações no Quociente de Inteligência (QI) em virtude da contaminação por mercúrio oriundo do garimpo. O mercúrio também é responsável por diversos outros problemas de saúde, como doenças cardíacas, problemas de visão e paralisia cerebral. Leia mais sobre uma pesquisa inédita na seção Ciência.

População desrespeitada

No dia 18 de maio, moradores do município de Tapauá tomaram as ruas da cidade em protesto contra a presença da Draga Dubai. Com cartazes que diziam “não queremos garimpo em Tapauá. Nem legal e nem ilegal”, “a população indígena diz não ao garimpo” e “garimpo nunca foi a solução e sim a destruição”, pessoas de todas as idades fizeram uma manifestação pacífica que percorreu as ruas ganhando adesões.

Uma dessas pessoas foi José Pereira, do Movimento Juntos por Tapauá. Ele contou ao Observatório BR-319 que o posicionamento contra a mineração no município foi orgânico e mobilizou moradores da sede do município, de comunidades ribeirinhas e terras indígenas.

“Para gente foi uma surpresa saber da presença dessa balsa, dessa draga, no município de Tapauá, a gente nunca tinha visto uma embarcação desse porte no município de Tapauá e causou surpresa para todo o povo”,

contou.

Sabendo de todos os males que extração de ouro e o garimpo provocam, nós não queremos, de maneira alguma, que a mineração se instale no nosso município! A gente sabe que as pessoas que dependem das águas para sobreviver vão ser muito afetadas e essa é uma ação que não tem volta”, relatou.

José disse que os muitos moradores ficaram revoltados ao saber que a draga tinha licenças do Ipaam e alvará da ANM para operar no rio Purus.

“Sabemos que esse tipo de empreendimento só beneficia os grandes, e não as comunidades locais, por isso a gente foi para as ruas dizer que nós não queremos garimpo em Tapauá, que tem uma diversidade de povos indígenas presentes na beira do Purus e, ainda, muitas comunidades ribeirinhas”, disse Pereira.

População de Tapuá se revoltou contra a presença da draga no município. Foto: Robson Costa – Portal Purus Notícias/Reprodução

“A gente se moveu para dizer que nós não queremos, embora o Estado tenha dado essa liberação, embora a Agência Nacional de Mineração tenha dado esse alvará de funcionamento. Nós nos sentimos, acima de tudo, muitos desrespeitados, porque a gente sabe que para que essas licenças sejam emitidas, elas precisam ter a consulta prévia, principalmente dos povos tradicionais e dos povos originários como reza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que diz que nenhum grande empreendimento que vai causar danos direto à população tradicional e à população indígena pode ser efetuada sem consulta prévia”, acrescentou.

“O povo de Tapauá se sente desprotegido e desrespeitado por quem deveria nos proteger e nos respeitar”.

Outro morador de Tapauá que preferiu não se identificar disse temer pelo impacto no modo de vida da população local, que vive maioritariamente da pesca e da agricultura familiar, além da desestruturação social que o garimpo pode provocar.

“As plantas sofrerão impacto de maneira direta, os peixes sofreram impacto de maneira direta, o povo sofrerá impacto de maneira direta. Pois bem, como que eu falo isso? Porque nenhuma mineração faz coleta de ouro sem mercúrio, ou seja, isso causa um impacto ambiental muito grande e o município de Tapauá só vive da pesca e da agricultura familiar em pequena escala. Qual é a pequena escala? É a agricultura familiar para sobreviver. E se nos tirarem o direito da população viver da pesca e da agricultura familiar, nós estamos tirando a vida dos ribeirinhos”,

disse.

“Há um ditado que fala que, se você quiser acabar com um povo, acabe com a cultura dele! É nossa cultura viver da pesca, viver do peixe que nós pegamos, viver da mandioca que nós plantamos, do feijão que nós plantamos, da macaxeira que nós plantamos!”, finalizou.

Texto produzido em colaboração com o Coletivo Jovens Comunicadores do Sul do Amazonas (Jocsam) 

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