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Guerra

Putin supera motim, mas tem autoridade questionada na Rússia

Após classificar ação de mercenários como “punhalada nas costas”, Vladimir Putin evista conflito em território russo

O presidente russo, Vladimir Putin, experimentou na sexta-feira (23) e no sábado a sua crise mais grave desde que decidiu invadir a Ucrânia, no início de 2022, e possivelmente em desde que assumiu o cargo pela primeira vez, em 2000.

Um motim liderado pelo chefe do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, tomou o controle de um quartel-general em Rostov-on-Don, no sul da Rússia, responsável por coordenar as atividades da invasão da Ucrânia, e enviou um comboio de homens e veículos militares em direção a Moscou, com o objetivo declarado de depor o ministro da Defesa e o chefe do Estado-Maior da Rússia.

Putin conseguiu interromper a sublevação armada quando o comboio de rebeldes estava a 400 quilômetros de Moscou, segundo o jornal The New York Times, ou a 200 quilômetros, na conta de Prigozhin. Um acordo deu ao chefe dos mercenários a garantia de que ele nem os seus homens seriam punidos pela intentona. Na manhã de domingo, o recuo dos homens do Grupo Wagner se confirmava.

Os detalhes sobre o motim e seu insucesso não estão claros. Uma possibilidade é que Prigozhin teria apostado que autoridades do Kremlin se unissem à sua pretensão de trocar o comando militar do país e se frustado.

No sábado, a analista Anna Matveeva, pesquisadora visitante sênior do Instituto sobre a Rússia do King’s College, em Londres, disse à agência de notícias Reuters que Prigozhin era uma figura popular e com capacidade de combate demonstrada, mas que o sucesso ou fracasso do motim dependeria dos aliados que ele poderia encontrar dentro das forças de segurança da Rússia.

“Ele [Prigozhin] não é uma das figuras mais próximas ou confidente”

, disse Mark.

Galeotti, da University College de Londres, em seu podcast In Moscow’s Shadows. “Prigozhin faz o que o Kremlin quer, e faz bem para si mesmo nesse processo. Mas é isso – ele é parte do corpo de funcionários, e não parte da família.”

Horas após prometer punição, Kremlin dá anistia

Se o desfecho não foi o ideal para Prigozhin, tampouco foi para Putin. Poucas horas depois de o presidente russo ter chamado o motim de uma “punhalada nas costas” e prometer punição exemplar aos envolvidos, o Kremlin anunciou que encerraria o processo criminal aberto pela sublevação contra o chefe do Grupo Wagner e seus homens que haviam questionado a autoridade de Moscou, um acordo, intermediado pelo presidente de Belarus, Alexander Lukashenko.

Ao longo do sábado, o mundo acompanhou a facilidade com que os mercenários assumiram o controle de uma importante instalação militar russa e rumaram para o norte, sem sofrerem perdas significativas no caminho e tendo derrubado no trajeto helicópteros militares, segundo blogueiros russos.

Moscou, por sua vez, amanheceu em clima de apreensão, com policiamento reforçado, barreiras em estradas com sacos de areia e valas sendo abertas no asfalto de vias que chegam à capital para atrasar o avanço dos amotinados.

“Putin subestimou Prigozhin”

O analista político Konstantin Kalachev, especializado em Rússia, afirmou à agência de notícias AFP que o motim fez com a “crise das instituições e da confiança” que cerca o Kremlin, “que não era óbvia para muitos”, fosse escancarada.

“Os clamores por unidade feitos ontem por representantes das elites [russas] só confirmaram isso. Por trás, está uma crise das instituições e o medo pelo que pode acontecer com eles”

, disse.

Ele pontou que as imagens de moradores de Rostov-on-Don saudando os combatentes do Grupo Wagner, que circularam no sábado, deverão deixar as autoridades russas preocupadas. “A posição de Putin está enfraquecida”, disse. “Putin subestimou Prigozhin, assim como havia antes subestimado Zelensky. Ele poderia ter interrompido isso com um telefonema para Prigozhin, mas não fez isso.”

“Equilíbrio instável”

O Instituto para o Estudo da Guerra, um think tank sediado em Washington, avaliou que o papel direto de Lukashenko na negociação da trégua seria “humilhante para Putin”.

“O Kremlin agora enfrenta um equilíbrio profundamente instável”, disse o instituto. “O acordo negociado por Lukashenko é um remendo de curto prazo, não uma solução de longo prazo, e a rebelião de Prigozhin expôs graves fraquezas no Kremlin e no Ministério da Defesa russo”

, declarou.

O repórter britânico Luke Harding, do jornal The Guardian, que foi correspondente na Rússia e publicou livros sobre a dinâmica de poder do Kremlin, escreveu que Putin “parece mais fraco como nunca desde que se tornou presidente, em 2000”, e que a sublevação criou “ondas de choque” que continuarão a repercutir por meses.

Ele pontuou que seria ingenuidade minimizar a força dos militares russos, mas que a Rússia agora pode estar às vésperas de um conflito civil, o que reduz as chances de sucesso do Kremlin na invasão da Ucrânia, um “produto de inteligência de má qualidade, pensamento messiânico e isolamento extremo de Putin durante a pandemia”.

Harding ressalva que Prigozhin “não é nenhum pacifista”, e que seu manifesto é por uma Rússia que faça uma campanha mais vigorosa na Ucrânia, com decisões mais bem pensadas que evitem a morte desnecessária de soldados em ataques mal planejados.

Ucrânia vê benefício em motim

Como não poderia deixar de ser, o motim foi explorado politicamente por autoridades ucranianas. “Qualquer caos atrás das linhas inimigas é de nosso interesse” disse o ministro do Exterior ucraniano, Dmytro Kuleba, ponderando que ainda era muito cedo para falar das consequências para Kiev.

O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, também se manifestou: “Hoje o mundo viu que os mestres da Rússia não controlam nada. Absolutamente nada. Apenas um caos completo”, disse em sua mensagem de vídeo diária, e aproveitou para pedir que países aliados enviem mais armas a Kiev.

Oficiais de inteligência dos Estados Unidos, no entanto, manifestaram preocupação com um cenário de caos na Rússia, país que detém o maior número de ogivas nucleares do mundo, segundo o jornal britânico The Times.

*Com informações da IstoÉ

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