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Pesquisa

Denúncias de injúria racial feitas à PF não levam a indiciamento, segundo MPF

Enquanto 150 horas são dedicadas a aulas de tiro e armamentos na PRF, apenas seis versam sobre direitos humanos

Foto: Divulgação

Uma pesquisa do Ministério Público Federal (MPF) mostrou que nove em cada dez casos de injúria racial denunciados à Polícia Federal entre 2000 e 2021 foram concluídos sem indiciamento. A proporção é ainda mais alta nos casos de discriminação e preconceito racial ou religioso, com 92%, e das denúncias de preconceito e discriminação em publicações, que chega a 94%. Os dados foram levantados por um grupo de trabalho criado pelo MPF para analisar a questão do racismo na atividade policial federal.

Os pesquisadores buscaram mostrar a relação entre a formação policial, a composição das forças e os resultados no enfrentamento desses crimes, e no possível viés racial dos agentes. Mas algumas informações obtidas são incompletas: 66% das pessoas detidas pela PRF entre 2017 e 2022 não tiveram o perfil étnico-racial informado, por exemplo. Também não foi informado o perfil das 66 pessoas mortas por agentes da força entre 2017 e 2022, 23 delas apenas no estado do Rio de Janeiro.

De acordo com a pesquisadora Jacqueline Sinhoreto, da Universidade Federal de São Carlos, que compôs um dos subgrupos de trabalho, é necessário aprimorar a coleta dos dados primários, bem como os protocolos de investigação.

“A gente propõe que sejam adotados protocolos e rotinas de coleta, armazenamento e disponibilização dos dados sobre ações policiais e o Ministério Público Federal tem que cobrar a existência desses protocolos. Que se melhorem os protocolos de investigação dos delitos que envolvem racismo, injúria racial e tortura por questões raciais porque parece claro que tem baixa capacidade de produzir provas e autoria. Tem que melhorar o treinamento policial e tem que melhorar os protocolos de operação”,

afirma a pesquisadora.

Apesar de ser uma força com a principal atribuição de patrulhar as estradas federais, nos últimos anos, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) participou de diversas operações de combate ao crime organizado no Rio de Janeiro. Entre elas, estão algumas das mais mortais da história, como a da Vila Cruzeiro, em maio do ano passado, que deixou 25 mortos.

No mesmo mês, agentes da corporação no Sergipe mataram o motociclista Genivaldo Santos, abordado por trafegar sem capacete e colocado dentro de uma viatura transformada em câmara de gás.

Durante seminário realizado pelo MPF para apresentar os dados na semana passada, o diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Souza Oliveira, garantiu que a corporação passa por um momento de afirmação dos direitos fumanos. Ele também anunciou que uma Comissão Geral de Direitos Humanos foi criada dentro da nova estrutura do órgão, que aguarda apenas publicação para se tornar oficial.

“A instituição considera os temas de direitos humanos de extrema e fundamental importância para o progresso da instituição. Mudança de cultura e costumes leva tempo, mas se a gente não der o primeiro passo a gente vai estar sempre esperando sem que qualquer perspectiva de alteração possa existir”,

disse Antônio.

Outro subgrupo analisou a formação dos agentes e identificou que menos de 2,5% dos conteúdos são dedicados aos direitos humanos. Na Polícia Federal, essa proporção foi de apenas 0,53% entre 2019 e 2021, subindo para 1,14% na formação dos funcionários da Secretaria Nacional de Políticas Penais, que administra os presídios federais e chegando a 2,41% no caso da Polícia Rodoviária Federal.

Mesmo assim, enquanto 150 horas são dedicadas a aulas de tiro e armamentos na PRF, apenas seis versam sobre direitos humanos. De acordo com a policial rodoviária Páris Barbosa, que integrou esse subgrupo, outros conteúdos tangenciam a área, como os ensinamentos sobre os crimes que ferem direitos humanos, e o desenvolvimentos de habilidades para o uso correto da força, mas falta equilíbrio.

“Tem um discurso que se instalou dentro das polícias de que direitos humanos é transversal e por ser transversal, não precisa ter carga horária porque todo mundo vai ensinar um pouquinho de direitos humanos e não é a realidade. E a gente precisa atualizar o currículo dessas disciplinas em Direitos Humanos para que elas trabalhem o enfretamento à reprodução institucional do racismo”,

analisa a policial rodoviária Páris Barbosa.

Os pesquisadores identificaram ainda que a distribuição de brancos e negros entre os agentes penais federais é equilibrada, mas, na Polícia Rodoviária Federal, enquanto há mais de 7,1 mil agentes brancos, menos de 4,2 mil são pardos e apenas 308 se declaram como pretos. Além disso, na Polícia Federal, mais de 66% dos servidores em cargos de chefia são brancos e apenas 27,1% são pardos ou pretos. A Polícia Federal foi procurada para comentar os baixos índices de indiciamento por crimes raciais mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

Durante o seminário em que os dados foram apresentados, o delegado Lucas Barros Lessa, representando a corporação, disse que, dentro do projeto de transformação organizacional, está a reformulação da formação policial com a diminuição de elementos próprios da cultura militar em prol de uma formação mais humanística.

A PRF declarou que as recomendações apresentadas pelos pesquisadores serão certamente consideradas para a evolução das práticas do órgão, o aprimoramento constante das questões pedagógicas e o aperfeiçoamento da produção de dados relativos às suas ações.

Já a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) disse que disponibiliza aos servidores cursos voltados para diversas temáticas como direitos humanos, diversidades e gênero e que o tema específico do racismo está no radar para as próximas rodadas. A instituição também esteve representada no seminário pela servidora Adriana Santos Silva. Segundo ela, a secretaria também instituiu um comitê permanente de respeito às diversidades.

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