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Líbia

Necrotérios ficam sobrecarregados na Líbia com mais de 6.000 mortos em enchentes

Corpos se amontoam nas ruas de Derna, cidade costeira do norte devastada, e hospitais permanecem fora de serviço

Pessoas tentam identificar corpos do lado de fora de hospital em Derna, na Líbia 12/09/2023 REUTERS/Esam Omran Al-Fetori

Os necrotérios estão lotados na Líbia, onde o número de mortos aumentou para mais de 6.000 pessoas na manhã de quarta-feira (13), pelas inundações depois de uma chuva torrencial ter destruído duas barragens, arrastando casas para o mar.

A informação foi confirmanda por Saadeddin Abdul Wakil, subsecretário do Ministério da Saúde do Governo de Unidade em Trípoli, um dos dois governos rivais que operam no país.

Além disso, os corpos se amontoam nas ruas de Derna, cidade costeira do norte devastada, e os hospitais permanecem fora de serviço, apesar da necessidade desesperada de tratar sobreviventes do desastre.

No Egito, o governo enterrou 87 vítimas egípcias que morreram na Líbia, segundo o ministério da emigração do país.

Cerca de 10 mil estão desaparecidos, potencialmente arrastados para o mar ou enterrados sob os escombros espalhados pela cidade de Derna, que já abrigou mais de 100 mil pessoas, dizem as autoridades.

Mais de 30 mil pessoas foram deslocadas pelas inundações em Derna, informou nesta quarta a Organização Internacional para as Migrações (OIM) das Nações Unidas na Líbia.

Os danos significativos à infraestrutura da região tornaram algumas regiões atingidas inacessíveis aos grupos humanitários. Apenas dois dos sete pontos de entrada para Derna estão disponíveis agora.

As equipes de emergência estão procurando sobreviventes e corpos em pilhas de destroços enquanto as autoridades tentam honrar a crença islâmica de que os mortos devem receber ritos funerários dentro de três dias.

“O comitê dos Mártires [foi criado para] identificar as pessoas desaparecidas e implementar procedimentos para identificação e sepultamento de acordo com a Sharia e as leis e padrões legais”,

disse o ministro de estado da Líbia para assuntos de gabinete, Adel Juma.

A destruição causada pela tempestade Daniel tornou uma missão gigantesca ainda mais difícil para as equipes de resgate que tentam limpar estradas e escombros para encontrar sobreviventes.

A tempestade prejudicou as comunicações, frustrando os esforços de resgate e causando ansiedade entre familiares fora da Líbia que aguardam notícias de entes queridos desaparecidos.

Ayah, uma mulher palestina que tem primos em Derna, disse que não conseguiu contatá-los desde as enchentes.

“Estou realmente preocupada com eles. Tenho dois primos que moram em Derna. Parece que todas as comunicações caíram e não sei se elas estão ativas neste momento. É muito assustador ver os vídeos que schegam de Derna. Estamos todos aterrorizados”,

disse ela.

A Líbia foi convulsionada pela revolta de 2011 contra o governo de Muammar Gaddafi e dilacerada pela guerra civil. A escala da destruição sublinha a vulnerabilidade de um país que, durante anos, se debateu com facções em conflito e com o caos.

O Governo de Unidade Nacional (GNU), apoiado pela ONU, liderado por Abdulhamid Dbeibeh, tem sede em Trípoli, no noroeste da Líbia, enquanto o seu rival oriental é controlado pelo comandante Khalifa Haftar e pelo seu Exército Nacional Líbio (LNA), que apoiam o parlamento baseado no leste, liderado por Osama Hamad.

Derna, que fica a cerca de 300 km a leste de Benghazi, está sob o controlo de Haftar e da sua administração oriental.

O Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, instou todos os atores políticos líbios a superarem “impasses e divisões políticas” e a agirem coletivamente, em um comunicado divulgado nesta quarta.

Não preparado para tal ‘catástrofe’

A tempestade Daniel parece ter criado uma das inundações mais mortíferas já registadas no Norte de África.

O sistema muito forte de baixa pressão deslocou-se para o Mediterrâneo antes de se transformar num ciclone de tipo tropical e cruzar a costa da Líbia.

Daniel também provocou inundações sem precedentes na Grécia na semana passada, onde o número de mortos foi muito menor.

A tempestade mortal surge em um ano sem precedentes de desastres climáticos recordes, desde incêndios florestais devastadores a calor opressivo.

Embora as inundações tenham afetado várias cidades da região, Derna sofreu os maiores danos após o rompimento de duas barragens, arrastando bairros inteiros para o mar.

“A Líbia não estava preparada para uma catástrofe como esta”, disse Osama Aly, porta-voz do serviço de emergência e ambulância.

‘Condições catastróficas’

Profissionais médicos presentes em Derna descreveram cenas de corpos se acumulando perto de hospitais locais, enquanto trabalhadores humanitários lutam para enterrar milhares de vítimas que morreram.

Anas Barghaty, chefe do Hospital Kuwaifia em Benghazi, está trabalhando como voluntário em Derna. Ele disse que “a situação é um desastre”.

A sua colega Aisha disse: “Apelamos a todas as partes relevantes e agências de ajuda internacional para que interfiram rápida e urgentemente para acabar com estas condições catastróficas”.

“A situação é terrível. Há um número de mortes muito alto. E enfrentamos, agora, o problema de não conseguirmos lidar com estes corpos, nem enterrá-los. Estamos tentando obter a assistência humanitária adequada para levar estes corpos aos congeladores”.

“Precisamos que os grupos apropriados tomem medidas urgentes e interfiram para ajudar na identificação destes corpo É claro que, entretanto, não há nada que possamos fazer para evitar que este desastre ambiental ecloda”.

“Estes aqui são apenas metade dos corpos que vimos. Há outros corpos do outro lado da cidade”, acrescentou.

O Comité Internacional de Resgate (IRC) apelou urgentemente à comunidade global para abordar a “catastrófica crise humanitária que se desenrola na Líbia”.

Elie Abouaoun, diretor do IRC para a Líbia, disse que o comité está “seriamente preocupado com as necessidades de proteção das pessoas apanhadas nesta tragédia, especialmente milhares de mulheres e crianças que têm de abandonar as suas casas em busca de segurança”.

Abouaoun disse que muitos hospitais tornaram-se incapazes de lidar com o número de sobreviventes que necessitam de tratamento, acrescentando que os receios de doenças transmitidas pela água estão a agravar a pressão sobre os sistemas de saúde da Líbia.

“O acesso à água potável, saneamento e instalações de higiene será necessário para evitar uma nova crise dentro de uma crise”.

Países e organizações enviam ajuda

A ajuda externa está chegando ao país. Nesta quarta, a Tunísia, vizinha ocidental da Líbia, enviou uma equipa de busca e salvamento composta por cerca de 52 pessoas. Incluindo quatro cães de busca, três médicos, uma equipe de mergulho e um contingente de água, informou a agência de notícias estatal tunisina TAP.

Oito aviões do exército argelino transportando ajuda humanitária, incluindo alimentos e suprimentos médicos, roupas e tendas também começaram a chegar à Líbia nesta quarta, informou a agência de notícias estatal líbia Lana.

Os estados-membros da União Europeia, incluindo Alemanha, Romênia e Finlândia, ofereceram tendas, camas de campanha e cobertores, 80 geradores e produtos alimentares, bem como tendas hospitalares e tanques de água por meio do Mecanismo de Proteção Civil do bloco.

A UE também liberou um montante inicial de 500 mil euros em financiamento humanitário depois de as autoridades líbias terem apelado à ajuda internacional.

Aviões turcos que entregam ajuda humanitária chegaram à Líbia na terça-feira, de acordo com a Autoridade de Gestão de Emergências da Turquia (AFAD). O presidente Recep Tayyip Erdogan disse que o país enviaria 168 equipes de busca e resgate e ajuda humanitária para Benghazi, segundo a agência de notícias estatal Anadoulu Agency.

A Itália está enviando uma equipe de defesa civil para ajudar nas operações de resgate, informou terça-feira o Departamento de Proteção Civil do país.

Entretanto, a Embaixada dos EUA em Trípoli anunciou que o seu enviado especial, o embaixador Richard Norland, tinha feito uma declaração oficial de necessidade humanitária.

Isto “autorizará o financiamento inicial que os Estados Unidos fornecerão em apoio aos esforços de socorro na Líbia. Estamos em coordenação com parceiros da ONU e autoridades líbias para avaliar a melhor forma de direcionar a assistência oficial dos EUA”, publicou no X, antes conhecido como Twitter.

O presidente dos Emirados Árabes Unidos, Zayed Al Nahyan, também ordenou o envio de ajuda e equipes de busca e resgate, ao mesmo tempo que oferece suas condolências às pessoas afetadas pela catástrofe, informou a agência de notícias estatal.

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