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Seca histórica reconfigura política ambiental do Amazonas

Ações de mitigação são apontadas como fundamentais para evitar maiores impactos de eventos extremos

Manaus (AM) – Influenciada pelo fenômeno El Niño e pelas mudanças climáticas, a seca histórica que afeta o Amazonas coloca em pauta a urgência de reestruturar os direcionamentos e medidas ambientais no estado. Parlamentares e especialistas em meio ambiente atuam contra o tempo para evitar os impactos extremos no ecossistema e na população, sobretudo, que reside em zonas rurais.

O Boletim de Estiagem divulgado pelo Governo do Amazonas, por meio do Comitê de Intersetorial de Enfrentamento à Situação de Emergência Ambiental, na última quinta-feira (9), apontou que a seca atinge mais de meio milhão de pessoas, com todos os 62 municípios em situação de emergência.

“Secas ocorrem em uma ordem cíclica, planetária e sazonal, e temos há milhões de anos o fenômeno El Niño, que aquece as águas do Oceano Pacífico e causa essa seca e diminuição de chuvas na Amazônia, consequentemente diminuindo o volume de água dos rios e dos lençóis freáticos”,

explicou a bióloga Elisa Wandelli, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), sobre o fenômeno.

A ação humana, de acordo com Elisa, agravou e potencializou o processo natural da seca e de outros fenômenos ambientais. Afirma que, para tentar reverter a situação, as políticas ambientais devem fortalecer a fiscalização e o monitoramento para realizar um efetivo controle dos crimes ligados ao desmatamento e emissão de gases, que influenciam diretamente no agravo do efeito estufa.

“Precisamos de políticas ambientais orquestradas com políticas estruturantes agrícolas e agrárias, de fomento de crédito, de assistência técnica de infraestrutura, de Educação e pesquisa. Somente políticas públicas transversais serão capazes de fazer as mudanças estruturais que nós precisamos nos nossos sistemas produtivos e no nosso modo de pensar o outro e pensar a natureza é que vão ser capazes de fazer as modificações necessárias para minimizarmos secas tão severas”,

afirmou.

Os esforços à nível global e local devem realizados a partir de medidas estruturantes que reorganizem os modos de produção, de acordo com Wandelli.  

Conforme o Ministério Público de Contas do Estado do Amazonas (MPC-AM), nenhum município do estado possui plano de prevenção contra desastres climáticos. A informação demonstra a desestrutura no interior, principalmente nas defesas civis e nos procedimentos prévios para conter o impacto da seca. Nesse período, o órgão enviou uma representação por omissão ao combate desses eventos para todos os municípios.

Para a bióloga, as políticas devem incluir a agricultura sustentável, para que as áreas degradadas sejam recuperadas, de maneira que reduz o desmatamento de áreas de floresta.

“É fundamental políticas públicas de educação para sustentabilidade, daí precisamos de um programa urgente e amplo envolvendo todas as instituições de ensino, pesquisa, extensão, os órgãos ambientais e do setor agrícola, para formar a população da Amazônia”,

disse.

Este contexto afeta, principalmente, as zonas ribeirinhas e rurais do estado, causando dificuldade de mobilidade, isolamento de comunidades e inacessibilidade a alimentos, água potável e serviços fundamentais, como saúde e educação. O cenário reconfigurou também as decisões no âmbito político do Amazonas e expôs a fragilidade nas medidas de prevenção vigentes no estado.

“Precisamos de uma maior integração e institucionalização das ferramentas de monitoramento e previsão de seca. A obtenção e análise de dados são fundamentais para o mapeamento dos locais e das comunidades onde os impactos da seca podem ser mais severos. Não é aceitável que comunidades fiquem completamente isoladas, sem acesso à saúde, sem alimentos ou água potável”,

apontou o deputado federal Amom Mandel (Cidadania).

O deputado explica que medidas nas esferas municipal, estadual e federal, devem ser coordenadas para atuar em eventos climáticos extremos na Amazônia. Mas que, em relação a política ambiental do estado, não existe uma única solução definitiva.

“Reduzir os impactos negativos dos eventos climáticos extremos no Amazonas requer, essencialmente, investimentos em prevenção e monitoramento, infraestrutura, pesquisas científicas, fortalecimento dos órgãos de proteção e fiscalização, regularização fundiária, combate ao desmatamento ilegal, programas de reflorestamento e conservação, além do estímulo à economia verde. É preciso que o Amazonas estabeleça, em conjunto com o Governo Federal, um protocolo de resposta emergencial de pronta intervenção, inclusive com o pedido de ajuda internacional, quando necessário”,

concluiu.

Para o ambientalista Carlos Durigan, diretor da Associação para Conservação da Vida Silvestre (WCS-Brasil), o período de tomar medidas para reverter o aquecimento global, consequência, sobretudo, de emissões de gases de efeito estufa emitidos por atividades humanas, já se excedeu.

“As pesquisas até o momento indicam que entramos em um processo já irreversível de aquecimento global. O desafio agora é manter os esforços e tentativas de reduzirmos emissões de gases, como o Carbono, para que consigamos ao menos reduzir o nível de aquecimento, que ainda pode se acentuar”,

afirmou.

O diretor destaca que o desafio para a mitigação é grande e transpassa os esforços globais para reduzir as emissões, como a substituição e redução do uso de combustíveis fósseis e o combate ao desmatamento, necessita também da atuação na esfera local.

“É importante construirmos uma agenda de ações para estabelecer adaptações a este cenário, nos estruturarmos para ações emergenciais de enfrentamento de crises e estabelecer fortes critérios para transformarmos o nosso modo de viver e produzir”,

disse.

No âmbito estadual, o presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam) e deputado estadual, Roberto Cidade (União Brasil), apresentou um projeto de lei visando prevenir, ou ao menos diminuir os impactos de desastres naturais.

“Esse é mais um esforço nosso para fazer com que possamos nos adiantar às catástrofes climáticas. Ele propõe a identificação, o mapeamento de áreas suscetíveis a desastres naturais para que possam ser feitas intervenções”, afirmou.

O parlamentar ressalta que para a efetivação e êxito de uma medida, as frentes precisam atuar conjuntamente com o objetivo em comum de preservar o meio ambiente. E, para a aprimoramento da política ambiental do estado, tanto os entes públicos quanto os cidadãos devem atuar, com práticas individuais.

A importância de utilizar a tecnologia e inovação para monitorar os fenômenos climáticos foi ressaltada pelo deputado estadual João Luiz (Republicanos). Em outubro, o parlamentar visitou o Campo Tecnológico em São José dos Campos (SP) para conhecer técnicas já aplicadas no Brasil e que podem ser aplicadas no Amazonas e em outras cidades da Amazônia Legal.

“São tecnologias de ponta, via satélite, com placa solar recarregável e informação direta para os órgãos de segurança sobre queimadas, vazante dos rios, enchentes e dentre outras situações climáticas que podem prevenir ou minimizar catástrofes climáticas. Hoje existem os meios tecnológicos para monitorar toda uma cidade, por um grupo de segurança. Os índices de desmatamento, de insegurança recuaram com essa nova tecnologia em outras cidades, então, é tecnologia suficiente e barata para monitorar cheias, queimadas e vazantes no nosso estado”,

ponderou.

Além disso, a partir de iniciativa do deputado João Luiz, o Governo de Portugal irá proporcionar intercâmbio de conhecimento na área tecnológica para atuar na questão ambiental do estado.

Como uma das possibilidades de proporcionar um plano de mitigação eficiente, a ambientalista Elisa Wandelli defende o incentivo e fortalecimento a pesquisas científicas e das instituições de controle.

“Precisamos do fortalecimento das secretarias de Meio Ambiente municipais e, para isso, pode ser realizado, inclusive, na própria capital, com convênio com as Universidades, com as instituições de ensino superior e pesquisa, contratando jovens recém-formados para fixarmos o povo da Amazônia na própria Amazônia em favor da qualidade de vida”,

apontou.

O impacto da seca também requer ajustes no setor econômico. Em reunião realizada na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio-AM) com empresários, na terça-feira (7), o titular da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), Serafim Corrêa, afirmou que o Governo do Amazonas está trabalhando para desburocratizar o ambiente de negócios durante a estiagem, para obter incentivos fiscais.

Em razão das dificuldades de navegação devido a baixo do rio, foram inseridos procedimentos de dragagem no rio Solimões e na foz do rio Madeira para garantir o fluxo logístico no Amazonas. Segundo Serafim Corrêa, até a segunda quinzena de novembro é previsto que retorne o tráfego de navios na região.

Em novembro, o nível do Rio Negro retornou a descer, após crescimento nas últimas semanas, quando subiu de 1 a 8 centímetros por dia. No terceiro dia de baixa do rio, a cota está em 13,13 metros, nesta sexta-feira (10), cinco centímetros a menos do que o marcado no dia anterior, conforme informa a medição realizada pelo Porto de Manaus. A vazante havia se estabilizado em 27 de outubro, quando alcançou a marca de 12,70 metros, sendo o menor índice registrado desde o início da medição, há 121 anos.

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