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REVITALIZAÇÃO

BR-319: Pavimentação da rodovia divide opiniões de especialistas

Governo Federal estuda possibilidades para resolver impasse histórico

Foto: Lucas Luckezie/FolhaBV

Sendo a única ligação rodoviária de Manaus ao resto do país, via Porto Velho (RO), a BR-319 foi inaugurada em 1976, prometendo agilizar o transporte e o trânsito de mercadorias da região amazônica. Após anos de atividade, a falta de manutenção em alguns pontos da rodovia a transformaram em um ponto intrafegável, tornando-se um verdadeiro desafio para quem utiliza a via.

As discussões de revitalização da rodovia se voltam para o chamando “trecho do meio”. Com aproximadamente 406 km de extensão, a pavimentação da área encontra dificuldades para sua conclusão, principalmente pela falta de licença ambiental. A grande preocupação de especialistas é que se a via for pavimentada, é provável que outros ramais adjacentes sejam abertos nas proximidades da rodovia.

“Desmatamento, degradação ambiental, queimadas e conflitos sociais são problemas históricos da Amazônia e mais fortemente associados a frentes de expansão de colonização atrelada a abertura de estradas. Na Amazônia, onde tem estrada, tem todos estes problemas acima. Daí a importância de um controle rígido sobre o processo de repavimentação em curso na BR-319”,

pontuou o geógrafo e ambientalista, Carlos Durigan.

Há 18 anos atrás foi feita a primeira solicitação de licenciamento da BR-319. Desde então, vários processos foram interrompidos por conta de supostas violações nos procedimentos, incluindo intervenções do Ministério Público.

Proteção da floresta amazônica

Foto: Divulgação

No último ano, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) chegou a emitir uma licença prévia para retornar com a pavimentação do trecho do meio da via, mas faltam estudos ambientais de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (DNIT).

Nesta última semana, o DNIT suspendeu o pregão eletrônico de licitação referente à contratação de empresa para reconstruir a ponte sobre o Rio Curuçá e fazer reconstrução parcial da ponte e reforço nas fundações da Ponte de concreto sobre o Rio Autáz Mirim, ambos na BR-319.

Do ponto de vista de ambientalistas, a questão fundiária da Amazônia é complexa, principalmente quando falamos de terras públicas. Após anos de ocupação ilegal, um dos principais desafios de lideranças é estabelecer a gestão territorial da BR.

“Existem muitas terras públicas ainda sem destinação e ainda há muita fragilidade nos cuidados de ocupação ilegal nestas e mesmo nas áreas já destinadas como são os casos das unidades de conservação e das terras indígenas e quilombolas. Assim, a sua repavimentação acontecer sem a garantia de cuidados devidos ao território, sua biodiversidade e suas comunidades, pode sim dar abertura a um aumento expressivo na degradação e no desmatamento da região, o que já pode ser observado nas suas extremidades já pavimentadas ao norte e ao sul”,

ressaltou Durigan.

O geógrafo se refere aos dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que apontou que o desmatamento no entorno da BR-319 dobrou entre os anos de 2020 e 2022. Em 2020, foram desmatados 215,96 km² de terra; já em 2021, foram contabilizados 453,36 km² de extensão; já em 2022, foram 479,96 km².

Povos indígenas

Foto: Coletivo 105

Outra questão que também é levantada por especialistas é a ameaça aos povos indígenas que vivem nas proximidades da BR-319. O levantamento “Grilagem de terras na rodovia BR-319 como ponta de lança para o desmatamento amazônico”, do Observatório da BR-319, revelou um estudo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) onde mostra que a rodovia já exerce influência direta sobre 98% do desmatamento entre os rios Madeira e Purus.

Dados do Terras Indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA), projetam que mais de 23 mil indígenas serão impactados com a conexão de estradas estaduais, que deverão se ligar à BR-319.

De acordo com Carlos Durigan, a pavimentação da rodovia já afeta comunidades tradicionais, mas ainda é preciso ouvir essa parcela da população que é diretamente impactada pelas decisões de governantes.

“Uma parcela significativa da região do Purus-Madeira é território indígena e também área de vida de diversas comunidades tradicionais locais, que certamente já sofrem fortes impactos deste processo de repavimentação. Daí a importância de se traçar estratégias participativas de maior gestão e melhor governança do território e esta frente tem sido negligenciada no processo de licenciamento, uma vez que é necessário que consultas livres, prévias e informadas sejam levadas a termo junto aos diferentes grupos sociais locais, indígenas e não-indígenas, tanto para identificar impactos, como para definir estratégias de sua mitigação”,

disse.

Rodovia agiliza processo comercial

Foto: Jornal Rondoniavip

Em contrapartida ao processo ambiental, a pavimentação da BR-319 é amplamente defendida pelo governo estadual e por empresários do ramo comercial. Uma vez revitalizada, a rodovia ajudará a escoar os produtos produzidos e comprados no Amazonas, tornando-se uma alternativa mais rentável ao comércio local.

Este ano, um outro agravante fez com que a BR-319 voltasse a ser assunto nacional: a seca histórica que atinge o Estado do Amazonas. Com os rios chegando a níveis históricos, navios carregados de insumos não conseguiram atracar nos portos de Manaus, e os comerciantes tiveram que procurar outras alternativas para continuarem a abastecer seus negócios. Neste contexto, a questão da BR-319 foi novamente centro de discussões.

No último mês, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Amazonas (Fecomércio-AM) fez uma reunião com representantes dos portos, armadores, operadores e grandes transportadoras, para solicitar providências, eleitas como urgentes e necessárias pelos pares, a fim de minimizar os impactos da estiagem que tem provocado aumento de preços de fretes, operações logísticas e iminente desabastecimento de mercadorias, principalmente para o interior do Estado.

A reconstrução da BR foi um dos pontos discutidos pelos representantes. Segundo o presidente da Fecomércio-AM, Aderson Frota, não é possível deixar o sonho da pavimentação para trás, uma vez que a rodovia se mostra relevante para as atividades do estado.

“Nós reunimos todas as entidades de classe, palmilhamos todos os problemas que estamos vivenciando nesse momento, e então observamos um detalhe: nós não podemos mais prescindir da BR-319. A nossa BR não é apenas uma estrada, é exatamente um dos elos mais importantes de ligação do estado do Amazonas e de Roraima com o restante do país. Esses dois estados dependem muito da BR 319, porque do momento em que nós sofremos os efeitos da estiagem, cujo os municípios ficaram isolados, cuja a população ficou desabastecida de tudo, de água, de comida, de remédios, de produtos de primeira necessidade, é claro que a BR-319 é acima de tudo, uma coisa extremamente necessária”,

pontuou.

O distribuidor atacadista, Júnior Reis, também concorda que pavimentação da via ajudará a exportar seus produtos, uma vez que depende da rodovia para garantir seu sustento de vida.

“A BR-319 ajudará e ajudou este ano, pois a mercadoria chegou através dela, caso contrário, ia faltar. Se ela fosse pavimentada, os produtos ficariam mais baratos e teriam melhor qualidade, por chegarem mais rápido”, relatou o trabalhador.

Novo PAC

Fotos: Diego Peres

O Governo do Amazonas anunciou que a reconstrução e modernização da BR-319 só poderá ser contemplada na segunda etapa do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do governo federal.

A Secretaria de Comunicação do governo afirmou que o governo federal deverá investir mais de R$ 47 bilhões em obras no estado do Amazonas.

Desde março deste ano, o governo estadual informou que já apresentou o projeto de pavimentação da BR-319, incluído como prioridade para a região amazônica.

“Na segunda fase do programa o Amazonas seguirá insistindo na pavimentação da BR-319 pela importância da obra para o desenvolvimento socioeconômico do Amazonas. Questões ambientais a gente supera e atende todas as condicionantes, mas o que eu disse para a secretária, para o presidente da República, foi que tem que haver uma decisão do governo federal, se há interesse ou não de pavimentar a rodovia”,

relatou o governador do Amazonas, Wilson Lima.

Nesta semana, o ministro dos Transportes, Renan Filho, publicou portaria no Diário Oficial da União (DOU), criando um Grupo de Trabalho com a missão de apresentar soluções que unifiquem as obras de infraestrutura com a sustentabilidade, devido ao apelo ambiental da rodovia BR-319.

Segundo o governo federal, o grupo de trabalho terá as seguintes designações: Realizar de um levantamento sobre a situação atual da BR-319, com foco na identificação de desafios para a otimização rodoviária; Analisar estudos técnicos e científicos, projetos e relatórios produzidos por outros grupos que já tenham tratado do tema; Em 2008, grupo de trabalho do Ministério do Meio Ambiente debateu diretrizes e acompanhou o licenciamento ambiental da BR-319; Propor medidas, inclusive normativas, para a melhoria da infraestrutura da BR-319, tendo em vista a sustentabilidade, a segurança viária e a mitigação de impactos ambientais e de mudanças do clima.

“Vamos nos debruçar sobre esse trabalho, avaliar as melhores práticas, avaliar tudo aquilo que, de uma maneira ou de outra, pode colaborar com a definição de uma estratégia”,

afirmou o subsecretário de Sustentabilidade do Ministério dos Transportes, Cloves Benevides.

Ainda de acordo com o representante, a direção do governo federal é alinhar questões ambientais e econômicas para solucionar o problema histórico.

“É uma política nova, orientada pelo ministro Renan, de ampliar o debate, multiplicar os olhares chamar especialistas, conversar com pessoas que produzem e trabalham no campo acadêmico, no campo da infraestrutura e da política pública, para encontrar os melhores caminhos. Sustentabilidade é o norte, é a orientação”,

finalizou Benevides.

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