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Candidatos LGBTQIA+ lançam pré-candidaturas a Câmara Municipal de Manaus

Militantes lançam pré-candidaturas buscando uma inédita representatividade LGBTQIA+ na Câmara Municipal de Manaus

Manaus (AM) – O Amazonas está na lista dos dez estados que mais matam pessoas transsexuais no país, segundo dados da 7ª edição do “Dossiê: Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras” em 2023 da Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil (Antra). Nessa conjuntura de violência, militantes lançam pré-candidaturas buscando uma inédita representatividade LGBTQIA+ na Câmara Municipal de Manaus (CMM).

O Brasil é o país onde mais se mata LGBTQIA+ no mundo. Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans, representando aumento de 10,7%, em relação a 2022. Conforme o levantamento feito pelo Observatório de Mortes e Violências LGBTI+ no Brasil, Manaus foi a cidade com maior número de homicídios de pessoas da comunidade LGBTQIA+ no país, em 2022, com 12 mortes violentas.

“Em si tratando de políticas públicas de cidadania, é fundamental, a meu ver, que haja representantes LGBTQIA+ sim nas casas legislativas, pois essas pessoas podem conhecer mais intimamente as demandas e necessidades da classe que são muitas. Afinal, o poder público é em tese a representação do povo, não é?!”,

explica a pesquisadora, músico-educadora e compositora, Kely Guimarães.

Representantes

Professor da rede pública e educador comunitário em saúde e mestrando em Letras, Gabriel Mota (Rede Sustentabilidade), de 30 anos, é pré-candidato a vereador na CMM. Ele é morador de Manaus e fundador da “Casa Miga”, único abrigo que acolhe LGBT+ em vulnerabilidade na região Norte do país.

Segundo Gabriel, pré-candidaturas LGBT+ são importantes por uma questão de democracia. “É importante ter pré-candidaturas LGBT+ por uma questão de democracia. Sem diversidade, uma câmara municipal está fadada a ser um local de opressões e intolerância. Ressalto também que não basta apenas querer levantar uma bandeira e lutar apenas por essa bandeira. É preciso se colocar à disposição e está preparado para isso, porque política não se faz com ‘oba oba’, mas com trabalho e responsabilidade”, comenta.

Entre as propostas, o pré-candidato levanta as bandeiras da educação, saúde, sustentabilidade e direito a cidade, não apenas a causa LGBTQIA+ e continua em momento de construir e apresentar as propostas para todas as pessoas de Manaus. “Em geral, estou no momento de pensar propostas e convido toda a população LGBT construir propostas para Manaus e para todas as pessoas de Manaus.”

“Todas as propostas que irei apresentar na campanha, que começa a partir de 16 de agosto, estarão atravessando os campos da educação, saúde, sustentabilidade e direito a cidade. Pretendo ser um interlocutor dos educadores de Manaus na Câmara Municipal e fiscalizar o SUS na atenção básica para que todas as pessoas tenham acesso igualitário com suas situações. Em relação à pauta LGBT+, ela estará presente em todas as áreas que pretendo atuar, sou fundador da ‘Casa Miga’, único abrigo LGBT da região Norte e gostaria de ajudar a fazer essa iniciativa crescer e atender mais públicos, como mães solo, pessoas com deficiência e idosos (não para abrigo, mas para projetos paralelos que rodem com a equipe da casa)”,

afirmou o pré-candidato.

Ativista não binária

Álex Sousa é ativista não binária e pré-candidata a CMM Foto: Arquivo/Pessoal

O Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) oficializou, em maio, a pré-candidatura de Álex Sousa, ativista não binária que disputará uma vaga na CMM. Sendo a primeira pessoa com a identidade de gênero indicada, ela é ativista e defende os direitos de trabalhadores, LGBTQIAPN+, jovens, indígenas, negros/es/as e todos os que são empurrados a marginalidade social.

A ativista contou que, apesar de estar inserida na comunidade LGBTQIAPN+, ela levará adiante os problemas diários que Manaus enfrenta, principalmente a população mais carente.

“Sou um corpo LGBTQIAPN, um corpo transsexual, mas acima de tudo sou manauara, da Zona Norte, de periferia. Eu pretendo romper as expectativas que as pessoas tem de corpos LGBTQIAPN+ na política. Isso significa que não levantarei as bandeiras da minha comunidade? Não. Mas significa que como cidadã manauara, sou capaz, sim, de falar de saúde, de educação, de combate a fome, de infraestrutura que falta nas periferias de Manaus, de falta de investimento na cultura sem que fique preso na Zona Sul da cidade, falar de segurança pública e como tirar as nossas crianças e jovens do mundo obscuro do tráfico sem cair na falsa ideia que punitivismo é a solução. Todo vereador que se preze, precisa saber um pouco de tudo, e comigo não será diferente”,

destaca.

Para Álex Souza, falta representatividade e renovação na Câmara Municipal de Manaus. A candidatura é uma alternativa de chamar atenção para a luta de classes e encorajar novos rostos a mudar a história da política local.

“Sempre notei que a nossa Câmara Municipal tem baixa produção de políticas públicas efetivas, e sempre é uma troca de cadeiras com as mesmas pessoas, falta jovem, falta LGBTs, falta gente da periferia. A falta de representatividade me leva a querer disputar este espaço. Manaus precisa passar por uma transformação e, colocando gente como a gente, isso será possível. Acredito que minha pré-candidatura enquanto uma pessoa trans não-binária querendo ou não vai chamar atenção. Quando um corpo LGBTQIAPN+ anuncia que estará no pleito, o que se espera é que aquela pessoa fique limitada apenas as pautas LGBT. Quero justamente quero quebrar esta perspectiva”,

revelou a pré-candidata.

A pesquisadora Kely Guimarães aponta que candidatos LGBTQIA+ podem transformar o cenário social com boas propostas, principalmente na área da saúde, emprego e condições de cidadania reais.

“As pessoas conservadoras precisam entender que a população LGBTQIA+ existe e tem demandas específicas que só quem é sabe e sente de perto. Não é uma questão de ser melhor ou pior.  Quando se trata de cidadania, todos nós temos o direito de ser livre para amar e viver como acharmos melhor, a constituição brasileira assegura tais direitos e isso não deveria ser tão difícil de entender.”

Projetos contra LGBTQIA+

Os vereadores da CMM já foram criticados por defender projetos que tendem a prejudicar a comunidade LGBT+. Em 2023, no dia do Orgulho LGBTQIA+, o vereador Raiff Matos (DC) deu entrada no Projeto de Lei 381/2023 que buscava proibir a participação de crianças e adolescentes na “Parada do Orgulho LGBTQIAP+” em Manaus. Ao defender a PL, o vereador classificou as manifestações como “imoralidade”.

Raiff Matos também foi o autor do projeto que virou a Lei n.º 3.087 de 3 de julho de 2023, que instituiu o dia 10 de março como dia conservadorismo o calendário oficial da cidade de Manaus. O objetivo da proposta é estimular o conhecimento sobre o conservadorismo, principalmente nas escolas de Manaus.

Já na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam), projetos foram questionados por ameaçar direitos humanos da comunidade LGBTQIA+. Em outubro de 2023, a Lei Estadual n.º 6.469/2023, de autoria do deputado Delegado Péricles (PL), que proibia crianças e adolescentes em eventos relacionados à Parada do Orgulho LGBTQIAPN+ foi aprovado. 

Sem apresentar provas, o parlamentar apontou que as manifestações se tornaram espaços com “exposição do corpo, com constante imagem de nudez, simulação de atos sexuais”, além de defender a “preservação” de crianças e adolescentes.

A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), em fevereiro, a anulação da Lei que proibia crianças e adolescentes na parada do orgulho LGBT+ no estado amazonense. O advogado-geral da União substituto, Flávio José Roman, afirmou que a norma estadual invade a competência legislativa da União para editar normas gerais sobre proteção à infância e à juventude, ou seja, cabe ao Congresso Nacional propor Leis a respeito desse tema.

A deputada Débora Menezes (PL) apresentou na Casa o projeto de Lei n.º 317/2023 que pretendia impedir o acesso de crianças e adolescentes trans a procedimentos médicos, como o uso de bloqueadores de puberdade e hormônios. Para além da rede pública de saúde, a proposta visava proibir o acesso também na rede privada. 

Débora Menezes também foi a autora da Lei n.º 6.463, que proibia o uso da chamada “Linguagem Neutra” no Estado do Amazonas. Aprovada e sancionada pelo Governo do Estado, a Lei pretendia “preservar os valores tradicionais da língua portuguesa no contexto histórico e cultural, reforçando a importância de manter a sua integridade”.

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), também decidiu, em maio, suspender a Lei do Amazonas que proibiu a utilização de linguagem neutra nas escolas públicas e privadas, além de repartições públicas. Parlamentares do Amazonas criticaram a decisão, tomada após atuação de entidade ligada a comunidade LGBTI+.

População LGBTQIA+

Conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2022, ao menos 60 mil pessoas adultas no Amazonas se declararam homossexuais o bissexuais. Mesmo assim, a pesquisadora Kely Guimarães aponta que algumas discussões dentro das Casas Legislativas no Amazonas nem sequer consideram a população LGBTQIA+ como cidadãos.

“Em tese, o Estado é laico, entretanto, muitas das discussões que ocorrem dentro das casas legislativas no Amazonas e pelo Brasil sequer consideram a população LGBTQIA+ como cidadãos que pagam seus impostos e, portanto, requerem o mesmo respeito e equidade que os demais. Vê-se que raramente políticos têm tal consciência e respeito, infelizmente, não conseguem separar concepções religiosas, que são suas escolhas pessoais, com condições e tipos diversos de vida e de família”,

argumenta.

Para o pré-candidato e professor da rede pública de saúde, Gabriel Mota, medidas como essas ainda ocorrem na CMM por parlamentares se utilizarem do moralismo e se associarem a grupos de igrejas para utilizar das lutas LGBT+ como inimigo.

“Isso acontece porque a grande maioria dos parlamentares eleitos nas casas legislativas são hipócritas e oportunistas, usam do moralismo e se associam a grupos de igrejas para usar nossas lutas como um inimigo que precisa ser combatido. Infelizmente, esse tipo de político usa a fé do outro e suas fragilidades para enganar quem mais precisa de ajuda do poder público e criam uma imagem da nossa comunidade distorcida para que, assim, se apresentem como combatentes do problema que criaram.”

“Então, ao invés de olhar para o preconceito que mata e exclui e pensar políticas públicas, eles colaboram com projetos de Lei que facilitam a morte e a exclusão de cidadãos e cidadãs LGBT+. Quem luta por meio ambiente, educação, saúde e segurança, por exemplo, somos nós, que devido ao preconceito somos cerceados desses direitos. Então se podemos lutar por nós, podemos lutar por todos”, completou.

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