Manaus (AM) — O Projeto de Lei n.º 1.904/2024, que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília, propondo a equiparação do aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, repercutiu na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam) e na Câmara Municipal de Manaus (CMM). Os deputados estaduais Alessandra Campelo (Podemos), Carlinhos Bessa (PV) e Rozenha (PMB) se manifestaram contrários ao projeto, enquanto Débora Menezes (PL) se mostrou favorável ao projeto. Já o vereador Raiff Mattos (PL) chegou a defender o projeto na CMM.
A presidente da Procuradoria da Mulher da Aleam, que atua na defesa dos direitos das mulheres, deputada Alessandra Campelo (Podemos), trouxe o debate para o Parlamento Estadual, se posicionando contra a proposta.
“É um retrocesso, é algo que fere os direitos das mulheres, que criminaliza a mulher que já foi violentada, a equipe médica, os responsáveis. O que querem é que nós mulheres tenhamos filhos de estupradores”,
disse a deputada, falando ser preciso estar atenta aos dados oficiais, que mostram que a cada 10 estupros cometidos no Brasil, seis são cometidos contra crianças.
“A maior parte das interrupções tardias de gestações ocorrem em crianças. Isso acontece porque uma criança não sabe nem dizer o que está acontecendo com seu corpo. Não podemos criminalizar e revitimizar uma mulher, uma criança, que já sofreu uma violência”, afirmou a parlamentar.
Em partes, os deputados Carlinhos Bessa (PV) e Rozenha (PMB) também se manifestaram contrários ao projeto.
Rozenha destacou que a legislação brasileira prevê de 6 a 10 anos de prisão para o crime de estupro, e o PL n.º 1.904/2024 prevê punição de 6 a 20 anos para a mulher que realizar aborto após a 22ª semana de gestação.
“É tão surreal essa proposta, de a vítima ter uma punição maior que o estuprador, que eu prefiro achar que o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL/RJ), autor do projeto, não deve estar mentalmente são”,
afirmou Rozenha, falando que iniciativas radicais e “transloucadas”, acabam prejudicando o trabalho dos parlamentares que realmente buscam contribuir para o avanço e melhoria das Leis.
O deputado Carlinhos Bessa falou sobre o desconhecimento jurídico do autor do PL, e dos demais deputados federais que aprovaram, na última semana, o requerimento para tramitação da proposta em regime de urgência, na Câmara dos Deputados.
Bessa afirmou que o autor do Projeto de Lei induz as pessoas ao erro, ao afirmar que uma criança é inimputável, logo ela não sofrerá sanções jurídicas. Porém, destacou o deputado, o PL prevê que a mulher com idade a partir de 14 anos será punida com medida socioeducativa.
“O texto da matéria criminaliza o médico que realizar o aborto, a vítima, e os responsáveis legais, em caso de meninas menores de idade, e no final o deputado federal Sóstenes Cavalcante não sabe nem explicar que sim, a mulher, a vítima, terá uma punição maior que a do estuprador”, afirmou Carlinhos Bessa, afirmando que “aqui não somos contra a vida”, mas entende que a mulher deve ter o direito a escolher interromper uma gestação que é fruto de um crime, uma violência. Deveria ter sido apresentado um PL prevendo maior rigor na punição no caso de estupro, aí, sim, estaríamos defendendo a vida”, concluiu Bessa.
Favoráveis
Ignorando as críticas, a deputada estadual Débora Menezes (PL) destacou a aprovação em regime de urgência na Câmara dos Deputados, na semana passada, do Projeto de Lei n. 1904/24.
“A vida vence. Este projeto visa aumentar a proteção a vida ao nascituro em gestações avançadas. O mesmo texto também acaba com a previsão legal de aborto decorrente de estupro, a partir de cinco meses”,
explicou.
A deputada afirmou que o texto continua permitindo o aborto nos casos de estupro, de risco de vida à mulher e de anencefalia fetal (quando não há formação do cérebro do feto). No entanto, ela ressaltou que atualmente não há no Código Penal um tempo máximo de gestação para o aborto legal.
CMM
Na CMM, o vereador Raiff Mattos se mostrou a favor da proposta em discurso nesta terça-feira (18). O tema foi levado pelo parlamentar, que foi contrariado por outros vereadores.
“Entendo que um estupro é um crime abominável e que precisa ser tratado com o máximo rigor da Lei, mas não podemos fazer vista grossa para o crime cometido contra uma vida que está dentro do ventre, totalmente indefesa. Por que essa criança precisa morrer? Um crime não pode acontecer por causa de outro crime, isso é inaceitável.”
“Por isso, eu sou a favor desse PL e espero que os deputados tirem a venda dos olhos, porque pior que o estupro é o homicídio”, declarou o vereador, sendo criticado por outros parlamentares.
A frase “pior do que o estupro é o homicídio”, dita pelo parlamentar ao finalizar seu discurso, não foi bem-aceita pelos colegas. Rodrigo Guedes (PP), inclusive, pediu ao vereador que a retirasse por ser uma ofensa às mulheres vítimas da violência sexual.
“Eu não consigo concordar com a sua frase. O estupro, para algumas mulheres, pode ter certeza que algumas prefeririam morrer. Elas morrem por dentro, porque o estupro destrói todo o psicológico da mulher. O homem raramente é vítima de uma violência sexual, mas isso, acima de tudo, é uma realidade das mulheres. Então, eu não consigo relativizar e muito menos aceitar essa frase”, disparou.
Guedes completou seu discurso afirmando que o ‘estupro é a coisa mais vil que pode acontecer a uma mulher, destrói a alma’.
“Eu sou pai de uma filha, de uma menina, e que Deus me livre e livre todos os pais e todas as mulheres de acontecer uma coisa dessa com a minha filha, porque eu não sei nem o que eu sou capaz de fazer. Não garanto, inclusive, a sanidade dos meus atos. O estupro é a coisa mais vil que pode acontecer a uma mulher, destrói a alma, mata ela por dentro, destrói o psicológico, destrói ela como ser humano. Então, por favor, não use essa frase!”,
reclamou.
O vereador Marcelo Serafim (PSB) se posicionou também contrario ao projeto e entrou em confronto com os posicionamentos do vereador Raiff Matos.
“Eu acho que poucas pessoas são radicais como eu contra o aborto, mas o projeto de Lei é de uma infelicidade sem tamanho. Você penalizar uma mulher de forma mais rígida que um estuprador, vereador Raiff, é algo que vossa excelência, como cristão, não pode defender. Nós, homens, talvez não consigamos ter a dimensão do que é estupro, as mulheres têm. Nós não podemos, enquanto cristãos, defendermos algo que penaliza tanto a mãe e o estuprador tudo de boa. O projeto, de fato, é uma aberração sem tamanho!”,
argumentou.
A vereadora Professora Jacqueline (UB) — uma das quatro vereadoras de Manaus — disse que a discussão sobre a proposta é tão complexa que até ela, como mulher, ficou refletindo se deveria falar ou não. A parlamentar ainda destaca que a proposta naturaliza o crime de estupro, uma vez que o crime faz a vítima se sentir desvalorizada e, muitas vezes, culpada.
“Eu acredito que, nesse PL, nós mulheres estamos sendo revitimizadas, porque além de sermos estupradas, agora, somos homicidas. A gente pega duas vezes a pena. Aqui não é uma questão só legal, é uma questão de vida, de mulheres que perdem as suas vidas quando são estupradas, que passam a vida todinha amargando aquele sentimento de desprezo por si mesma. Dizer que aborto é normal e que é uma Lei que decide por nós, sem ter uma discussão menos religiosa e menos fundamentalista, a gente tá negando os direitos das mulheres”.
O posicionamento de Jacqueline vai de encontro com o discurso de Raiff, que usa a “defesa da família” em seu mandato. “Vamos acabar com esse discurso de ideologia. ‘Ah, eu discurso porque o meu tema é família’. Que família é essa? Quer dizer que a minha família, eu posso proteger e a família do outro não? Quer dizer que a dor do filho do outro é normal, só porque eu acredito nessa defesa ideológica?!”, criticou a vereadora.
Apesar das críticas, o vereador recebeu o apoio da bancada evangélica da Casa, tanto os políticos da base quanto os da oposição.
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Esses que defendem o PL 1.904/24 esquecem que a vida que deve ser preservada é a das vítimas de estupr0, as mulheres e as crianças! Por que não propõe leis que protejam as mulheres e crianças de fato, por que não propõe pena maior para o estupr@ador? Criminalizar a vítima com uma pena maior que o estupr@dor é leviano e abominável! Esse projeto é uma distorção da realidade! Vamos lembrar desses políticos nas eleições! Criança não é mãe, estupr@dor não é pai!