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inconstitucionalidade

Prefeitura de Tefé proíbe aplicativos de transporte na cidade

Medida gerou polêmica, com especialistas apontando inconstitucionalidade

A Prefeitura Municipal de Tefé, no Amazonas, publicou na última quarta-feira (22) no Diário Oficial dos Municípios a Lei Delegada n.º 01, que altera a Lei Municipal nº 113, de 13 de dezembro de 2016, proibindo o serviço de táxi e mototáxi por meio de aplicativos no município. 

A nova redação da lei inclui um artigo que proibi a utilização dos serviços por aplicativos. “Fica proibido no âmbito do município de Tefé, o serviço de táxi e mototáxi mediante a utilização de aplicativos”.

A decisão da prefeitura foi tomada no momento em que os serviços de transporte por aplicativos começavam a operar na cidade. A medida ocorreu após uma reunião entre representantes dos mototaxistas, do aplicativo e da assessoria jurídica da prefeitura, resultando na alteração da legislação local.

Rômenas Carioca, representante do aplicativo afetado pela medida, reagiu à decisão, afirmando que a proibição é inconstitucional. Carioca declarou que a empresa buscará garantir judicialmente o funcionamento do aplicativo em Tefé.

Ao Em Tempo, o prefeito do município de Tefé, Nicson Marreira (União), justificou a decisão explicando que o município já conta com um sistema de mototáxi regularizado e que, caso o serviço de aplicativos seja permitido, será de acordo com a regulamentação própria da cidade. 

“Quanto à proibição dos serviços de táxi e mototáxi por aplicativo, o município apenas está fazendo valer a sua competência constitucional. A Administração Municipal já regulou os serviços de táxi e mototáxi, por Lei e entende que no momento os serviços prestados atendem às necessidades da cidade. E, se um dia for permitido o serviço por aplicativo, será de acordo com a regulamentação própria do município, pois este jamais vai abrir mão de sua competência constitucional. Em Tefé há 1000 vagas de mototaxis, número fixado por Lei, todas ocupadas, de acordo com as normas municipais”, justificou o prefeito.

Prefeitura de Tefé, no Amazonas – Foto: Reprodução

No entanto, a Lei imposta pelo município é considerada inconstitucional por especialistas. O professor da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Allan Magalhães, doutor em Direito Constitucional, afirmou que a restrição do serviço de aplicativos fere direitos fundamentais. 

“A Lei Delegada n. 01/2025 do município de Tefé é flagrantemente inconstitucional porque restringe o acesso da população aos serviços de transporte; que afeta a liberdade dos motoristas para o exercício de atividades profissionais; e que para o próprio setor econômico impõe restrições arbitrárias para a livre iniciativa. Em síntese, viola direitos fundamentais como a liberdade profissional e a livre iniciativa (art. 1º, IV, e 170; art. 5º, XIII, CRFB)”.

Esse episódio ocorre no contexto de um debate nacional sobre a legalidade de leis municipais que proíbem ou restringem o transporte por aplicativos. O Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, em julgamento no último dia 8, que essas proibições são inconstitucionais. O STF decidiu que as Leis municipais que restringem ou proíbem o transporte individual de passageiros por aplicativos violam os princípios constitucionais da livre iniciativa e da concorrência.

O advogado, mestre em Direito e professor doutor Abraão Guimarães, também avaliou a situação de Tefé e explicou que a Lei enfrenta desafios constitucionais. 

“A Constituição Federal reserva à União a competência para legislar sobre trânsito e transporte (art. 22, XI), enquanto cabe aos municípios apenas regulamentar aspectos locais de maneira complementar, conforme a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012). A proibição integral de aplicativos ultrapassa esse limite, configurando possível violação dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.”

O STF já havia se manifestado em favor da legalidade do transporte por aplicativos. Em decisões recentes, como no RE nº 1.054.110/SP, o Supremo reafirmou que a proibição de tais serviços por parte de municípios desrespeita direitos constitucionais, como a livre iniciativa e a concorrência. 

“O STF, em decisões recentes, como no RE nº 1.054.110/SP, já reconheceu a legalidade do transporte por aplicativos, reafirmando que sua proibição por municípios desrespeita direitos constitucionais. Assim, empresas de aplicativos e motoristas podem buscar proteção judicial, inclusive por meio de mandados de segurança, para garantir seus direitos”, explicou o professor Abraão Guimarães.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do RE 1054110, destacou que a Constituição brasileira garante a economia de mercado, o que impede que uma atividade econômica seja retirada arbitrariamente do mercado sem base constitucional.

O debate sobre a regulamentação do transporte por aplicativos no Brasil envolve questões mais amplas sobre inovação tecnológica, alternativas de transporte acessíveis e a criação de empregos. 

O professor Abraão Guimarães avaliou que a proibição de serviços como os de aplicativos enfrenta uma resistência devido a esses fatores. “Este caso reflete um debate nacional sobre o papel dos aplicativos no transporte urbano. Por um lado, a inovação tecnológica promove alternativas acessíveis e gera empregos; por outro, suscita tensões com serviços tradicionais, como táxis, e desafios para a organização urbana.”

Guimarães conclui que cabe ao Judiciário e às autoridades públicas encontrar soluções equilibradas. “Cabe ao Judiciário e às autoridades públicas encontrar soluções que conciliem a modernização do transporte, a proteção ao trabalho e a regulação justa, respeitando os limites constitucionais e os interesses da sociedade.”

O ministro Ricardo Lewandowski, que acompanhou os votos dos relatores, também concordou com a inconstitucionalidade das Leis municipais que proíbem o transporte por aplicativos. Lewandowski observou que a restrição da livre iniciativa e da concorrência prejudica os consumidores, citando estudos que indicam que a entrada de novos prestadores de serviços tende a ser benéfica para o mercado.

Em Tefé, as empresas de aplicativo que se sentirem prejudicadas pela nova lei podem buscar a via judicial para garantir seu direito de operar na cidade. 

“As empresas de aplicativo e todos aqueles que se sentirem violados em seus direitos fundamentais podem buscar as vias judiciais para se insurgir contra a referida lei, cuja matéria inclusive o próprio Supremo Tribunal Federal já enfrentou em 2019 por via de ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental), quando enfrentando legislação municipal com conteúdo semelhante e declarou inconstitucional referida proibição”, explica o professor Allan Magalhães.

O julgamento do STF foi concluído com a adesão dos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Dias Toffoli (presidente), que também votaram pela inconstitucionalidade das proibições de transporte por aplicativos.

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