O cenário político mundial sempre foi marcado por distinções claras entre as ideologias de esquerda e de direita. Tradicionalmente, a esquerda defendia maior intervenção estatal na economia, enquanto a direita apostava no livre mercado. No entanto, os últimos anos têm apresentado uma inversão curiosa, quase um “cavalo de pau” ideológico: setores da esquerda agora defendem o livre comércio e a direita flerta com o protecionismo.
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa mudança é o “tarifaço” promovido por Donald Trump. Rompendo com a ortodoxia neoliberal que guiou o Partido Republicano por décadas, Trump impôs tarifas sobre produtos chineses e de outros países, buscando proteger a indústria americana. Para muitos, isso representa um abandono do livre comércio, antes defendido com fervor pela direita.
Esse movimento não é apenas uma estratégia isolada, mas um reflexo de uma nova realidade política: a globalização, antes celebrada, passou a ser vista como responsável por desemprego e desindustrialização em várias partes dos Estados Unidos e da Europa. A direita populista capturou esse sentimento e, paradoxalmente, passou a defender medidas que historicamente eram associadas à esquerda.
Enquanto isso, a esquerda, especialmente em setores mais ligados ao progressismo urbano, passou a enxergar o livre comércio como uma ferramenta de inclusão global e de promoção dos direitos humanos. Em fóruns internacionais, é comum ver partidos e líderes de esquerda defendendo acordos de livre comércio que antes criticariam.
Essa inversão gerou perplexidade tanto entre os analistas políticos quanto entre o público em geral. Como explicar que um político conservador como Trump, que se elegeu com slogans nacionalistas, tenha adotado políticas econômicas protecionistas, semelhantes às de antigos governos ditos socialistas?
Parte da resposta reside na transformação do capitalismo global. O livre comércio, que na teoria prometia prosperidade para todos, na prática produziu bolsões de pobreza nas antigas regiões industriais. A desilusão das classes trabalhadoras foi captada com habilidade pela nova direita populista, que passou a prometer a proteção dos empregos nacionais a qualquer custo.
Por outro lado, a esquerda moderna, especialmente seus segmentos mais ligados a grandes centros urbanos e à elite intelectual, adaptou-se às dinâmicas da globalização. Para esses setores, a abertura comercial é vista como um vetor de inovação, diversidade cultural e avanços sociais.
A guerra comercial iniciada por Trump, portanto, não foi apenas uma questão de política externa ou de estratégia econômica. Ela foi um marco simbólico de que as velhas categorias políticas já não se aplicam de forma tão rígida à realidade contemporânea.
Um aspecto interessante é como essas mudanças também afetaram a percepção internacional dos Estados Unidos. O país, outrora bastião do livre comércio e da globalização, passou a ser visto como um ator imprevisível e, muitas vezes, hostil ao comércio internacional.
Curiosamente, países tradicionalmente associados à esquerda, como a China, passaram a se posicionar como defensores da globalização e do livre comércio. Em vários discursos internacionais, líderes chineses atacaram o protecionismo americano e se colocaram como campeões do comércio aberto.
Esse realinhamento criou alianças inusitadas e dividiu as antigas coalizões políticas. Empresários que tradicionalmente apoiavam a direita passaram a criticar abertamente as políticas tarifárias de Trump, enquanto sindicatos, historicamente ligados à esquerda, viam com bons olhos a proteção das indústrias nacionais.
A realidade é que, em um mundo cada vez mais interconectado, as categorias clássicas de esquerda e direita precisam ser constantemente reavaliadas. A defesa do livre comércio ou do protecionismo já não é mais uma prerrogativa de um lado específico do espectro político.
O “cavalo de pau” ideológico evidencia como as ideologias são adaptáveis às circunstâncias sociais e econômicas. Quando o livre comércio beneficia os poderosos e prejudica os trabalhadores, ele é rejeitado por populistas de direita. Quando promove integração e inclusão, ele é abraçado por progressistas de esquerda.
O tarifaço de Donald Trump é, portanto, mais do que uma política comercial. É um símbolo de uma nova era política em que os antigos paradigmas estão em constante mutação. Entender essa nova realidade é fundamental para interpretar corretamente as dinâmicas globais e nacionais.
Em conclusão, a inversão de papéis entre esquerda e direita no que tange ao comércio internacional revela uma transformação profunda nas bases ideológicas contemporâneas. Mais do que rótulos fixos, o que define hoje a posição política é a resposta às angústias e esperanças geradas por um mundo em vertiginosa transformação.

(*) Farid Mendonça Júnior é economista, advogado, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal
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