BRASÍLIA — Durante seu interrogatório no Supremo Tribunal Federal (STF), na última terça-feira (10), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) negou ter planejado um golpe de Estado após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. No entanto, ele admitiu ter discutido com chefes das Forças Armadas alternativas supostamente “dentro da Constituição”.

Segundo Bolsonaro, o então comandante do Exército, general Freire Gomes, orientou que qualquer iniciativa deveria respeitar a legalidade.

“Estudamos possibilidades dentro das quatro linhas, jamais saindo delas”, afirmou, sem explicar quais medidas estavam sendo cogitadas.

Quatro linhas – o que é isso?

Esse argumento das “quatro linhas” da Constituição, repetido diversas vezes por Bolsonaro nos últimos anos, não passa de uma metáfora pessoal — não existe nenhum artigo, inciso ou parágrafo que defina o que seriam essas tais quatro linhas. É uma invenção retórica, criada para dar aparência de legalidade a atitudes que beiraram o rompimento institucional.

Limites do poder

A Constituição brasileira é clara sobre os limites do poder presidencial: não autoriza reuniões com militares para discutir o resultado de eleições, tampouco legitima decretos de exceção sem aval do Congresso e fora dos ritos constitucionais. Portanto, esse discurso das “quatro linhas” é uma construção vazia, que não encontra respaldo no direito — só na retórica bolsonarista.

Documento – minuta – golpe

Apesar de negar intenções golpistas, Bolsonaro reconheceu que, em uma das reuniões, viu rapidamente — exibido em uma tela — um documento que mencionava a decretação de estado de sítio, mas disse que nenhuma ação foi adiante.

O ex-presidente foi interrogado por mais de duas horas, respondendo perguntas do ministro Alexandre de Moraes, do ministro Luiz Fux, do procurador-geral da República Paulo Gonet e de advogados. Foi a primeira vez que Bolsonaro depôs na condição de réu no processo sobre tentativa de golpe.

Durante o depoimento, ele tentou desmentir o ex-ajudante de ordens Mauro Cid, que havia dito ao STF que Bolsonaro fez alterações numa minuta golpista.

“Não procede o enxugamento”, disse, referindo-se ao documento encontrado no celular de Cid. Segundo ele, o arquivo não passava de “considerandos”, ou seja, um esboço sem valor jurídico.

Questionado se teria apresentado um documento ao general Freire Gomes, Bolsonaro respondeu que apenas foi exibido algo na tela da reunião, de forma “bastante rápida”.

Ele também afirmou que procurou os comandantes das Forças Armadas após o Tribunal Superior Eleitoral aplicar uma multa de R$ 22 milhões ao PL, por questionamentos ao processo eleitoral.

“Essas reuniões ocorreram, em grande parte, por causa da decisão do TSE”, disse.

Bolsonaro relatou que conversou com os ex-comandantes Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Freire Gomes (Exército) e Almir Garnier (Marinha), mas que essas conversas não resultaram em nenhuma ação concreta.

“A conclusão foi que não havia mais o que fazer.”

Paulo Sérgio confirmou ao STF ter participado da reunião em que Bolsonaro apresentou a minuta pela primeira vez, e disse ter ficado preocupado com a possibilidade de uma medida de exceção.

Retórica, mentira ou fake news?

Ainda durante o depoimento, Bolsonaro apareceu segurando um exemplar da Constituição, tentou justificar sua conduta como fiel à legalidade e voltou a negar qualquer intenção de golpe. Disse que suas críticas às urnas eletrônicas vinham desde 2012 e se tratavam apenas de “retórica política”. Para defender sua tese, citou declarações antigas de políticos da esquerda.

Em tom descontraído, Bolsonaro chegou a brincar com Moraes:

“Gostaria de convidá-lo para ser meu vice em 2026”. O ministro respondeu: “Eu declino”.

No fim da sessão, o ministro Moraes retirou uma proibição que impedia os réus de manterem contato entre si desde fevereiro de 2024 e abriu prazo de cinco dias para que os advogados peçam novas diligências.

Documentos apreendidos

  • Minuta do estado de defesa: Encontrada em janeiro de 2023 na casa de Anderson Torres, previa interferência no TSE e criação de comissão para reavaliar as eleições.
  • Minuta do estado de sítio: Identificada em junho de 2023 em celular de Mauro Cid, e em fevereiro de 2024 na sede do PL. Segundo Bolsonaro, sua defesa apenas o alertou sobre esse material.

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