No calor dos discursos e das narrativas infladas, o Brasil viu aprovar-se o Projeto de Lei nº 2159/21, que flexibiliza radicalmente o licenciamento ambiental. Chamado de “PL da Devastação” por ambientalistas e celebrado por setores do agronegócio e da infraestrutura pesada como solução para destravar o país, o texto passa agora à análise do presidente Lula, que pode sancioná-lo ou vetá-lo.

Mas talvez o maior problema não esteja no mérito técnico do projeto ou em sua votação açodada. O verdadeiro desastre está na ausência de um projeto nacional de desenvolvimento que trate com seriedade, inteligência e coragem a relação entre economia e meio ambiente.

Digo que há, sim, uma histeria generalizada dos dois lados. De um lado, um setor produtivo que trata o licenciamento como entrave absoluto, vilão único da paralisia das obras públicas e privadas. De outro, um ambientalismo de vitrine, que muitas vezes defende o “não fazer nada” como se fosse sinônimo de sustentabilidade.

Nenhum dos dois propõe um pacto realista e maduro entre progresso e conservação, entre sociedade e natureza, entre o Brasil que precisa crescer e o Brasil que precisa se preservar.

É preciso dizer com todas as letras que falta ao Governo Federal uma política ambiental proativa e moderna, que não se limite a discursos em fóruns internacionais nem a moralismos vazios em redes sociais.

O que temos visto é um Estado ausente, que não cria, não incentiva, não financia e tampouco organiza cadeias produtivas sustentáveis que integrem homem e natureza, floresta e cidade, presente e futuro. O discurso da economia verde ainda não saiu do papel.

Enquanto isso, milhões de brasileiros vivem em áreas de floresta, cerrado e semiárido sem acesso a crédito, sem assistência técnica, sem infraestrutura, sem alternativas econômicas além da informalidade, do extrativismo predatório ou da migração forçada.

Esses brasileiros não aparecem nas campanhas publicitárias nem nas estatísticas sobre desmatamento, mas são parte do problema e, sobretudo, parte da solução.

O sistema atual de licenciamento é burocrático, moroso e disfuncional. Exige estudos desproporcionais até para pequenos empreendimentos e muitas vezes se transforma em moeda de troca política. Mas, em vez de reformar o modelo com base em ciência, técnica, transparência e participação social, o Congresso optou pelo caminho mais fácil: a implosão do sistema em nome de uma suposta eficiência.

O novo PL consagra o autolicenciamento, a dispensa de estudos prévios e a fragmentação das regras entre estados e municípios, sem qualquer coordenação nacional. Ignora, por exemplo, a proteção de territórios indígenas não homologados e comunidades quilombolas ainda não tituladas. A promessa de desburocratização pode, na prática, significar desproteção generalizada e tragédias anunciadas.

A polarização atual, portanto, cria um falso dilema: ou se aprova o PL como está e se destrava o país, ou se veta tudo e seguimos paralisados pela “indústria da multa”. Esse raciocínio binário é uma armadilha perigosa.

O Brasil precisa, sim, de obras, de infraestrutura, de energia, de logística. Mas precisa fazê-lo com planejamento, avaliação de impactos, compensações justas e transparência. Não podemos voltar aos tempos em que se construíam hidrelétricas sem ouvir comunidades ou se rasgavam florestas em nome de promessas de um progresso que nunca chegou.

É hora de abandonar o grito fácil e assumir o debate complexo. O que está faltando ao Brasil, mais do que uma nova lei de licenciamento, é um projeto de país. Um pacto nacional capaz de olhar para o futuro sem apagar os rastros do passado. Um modelo de desenvolvimento que não seja refém nem dos ruralistas nem das ONGs estrangeiras. Que seja nosso, legítimo, pactuado, sustentável e, acima de tudo, justo.

Por isso, antes de histerias ou euforias, o momento pede uma palavra esquecida: bom senso. E mais que isso, pede coragem. Coragem para dizer que o licenciamento atual precisa mudar, mas que a mudança não pode ser um retrocesso. Coragem para enfrentar lobbies, interesses setoriais e a mediocridade institucional. Coragem, enfim, para fazer política pública com visão de Estado.

Juscelino Taketomi¹.

¹Articulista do Portal Em Tempo, Juscelino Taketomi, é Jornalista. Há 28 anos é servidor da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam)

Leia mais: O Irã e a questão da bomba nuclear