O Amazonas vem se tornando um dos principais focos de garimpo ilegal no país. Um sobrevoo recente do Greenpeace Brasil identificou 542 balsas atuando irregularmente entre Calama (RO) e Novo Aripuanã (AM). Apesar da intensa atividade, em cinco anos, a Secretaria de Segurança Pública do estado apreendeu 62 kg de ouro extraído ilegalmente.

Essa crescente atividade de garimpo ilegal na Amazônia levou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) a realizar a maior apreensão de ouro de sua história: cerca de 103 kg do metal foram interceptados em Boa Vista (RR), com valor estimado em R$ 61 milhões, segundo a cotação atual do Banco Central. A carga estava com Bruno Mendes de Jesus, de 30 anos, que teria saído de Manaus (AM), segundo as investigações.

Para o especialista em Segurança Pública, Hilton Ferreira, a falta de estrutura das forças de segurança na Amazônia tem fortalecido o esquema ilegal, abrindo caminho para a atuação desenfreada do crime organizado na região.

“O crime organizado entendeu que essa fragilidade política na Venezuela favoreceu a exportação de ouro por meio da fronteira para mandar de lá para os Estados Unidos e para a Europa. Então a localização aqui é tudo para o crime organizado. E o Brasil continua dando as costas para a Amazônia, em especial para o Amazonas. Não tem política nenhuma, tem siglas. Mas investimentos, é só no papel”, destacou o profissional.

‘Corredor’ do ouro

Foto: Reprodução e Caíque Rodrigues/g1 RR

No início deste mês, a PRF apreendeu 103 kg de ouro durante uma fiscalização na BR-401. O motorista Bruno chamou a atenção dos agentes pelo seu comportamento durante a abordagem. Ele estava acompanhado da esposa e do filho de apenas nove meses.

“Fizemos a abordagem e, ao verificar o interior do carro, percebemos sinais de que algumas partes haviam sido mexidas. Isso nos levou a aprofundar a inspeção”, explicou o agente da PRF, Rodrigo Magno.

A caminhonete usada no transporte do ouro pertence à empresa AJL Construções, Transportes e Logística Ltda, com sede no bairro Mauazinho, Zona Leste de Manaus. Os advogados de Bruno Mendes de Jesus informaram que ele “se colocou à disposição da Justiça” e que os fatos serão devidamente esclarecidos. Os representantes da empresa não foram localizados para comentar o caso.

Apesar do recorde na apreensão, grande parte do ouro proveniente do garimpo ilegal ainda circula livremente pelas estradas, reflexo da ausência de um planejamento estratégico eficaz para fortalecer as ações de fiscalização.

“Por um golpe de sorte. Não foi trabalho, investigação, rastreamento. […] O que é cifras negras na metodologia especialista em seguranças do mundo? São os dados não registrados. Como no Brasil, para cada uma ocorrência, dependendo do crime, é de cinco a dez que não são registrados, você imagina quantas toneladas passam de ouro pelas águas dos nossos rios e agora pelas estradas para a Venezuela”, pontuou Hilton.

Maior apreensão do AM

Foto: PF-AM

A maior apreensão de ouro extraído de garimpo ilegal no Amazonas ocorreu em dezembro de 2023. Uma ação conjunta da Polícia Federal e da Polícia Militar resultou na apreensão de 47 kg de ouro provenientes de garimpo ilegal, avaliados em R$ 15 milhões e com grau de pureza superior a 90%.

Na ocasião, um tiroteio entre dois veículos, um Gol e uma Doblò, ocorreu na avenida Nilton Lins, Zona Centro-Sul de Manaus. Segundo a Polícia Militar, a Doblò tentou interceptar o Gol, que transportava a carga de ouro, com o objetivo de realizar um assalto.

A Rocam foi acionada, mas os criminosos da Doblò já haviam fugido, abandonando o veículo com uma pistola, munição e outros objetos. No Gol, foram encontradas duas malas contendo barras de ouro.

Para que o ouro chegasse até a capital, foi necessária uma operação logística que desafiou a segurança pública do estado. Segundo a Polícia Federal, o avião de pequeno porte partiu de Itaituba (PA), fez uma parada em Itacoatiara, na Região Metropolitana de Manaus, e pousou no Aeroclube do Amazonas, no bairro Flores, Zona Centro-Sul da capital.

As linhas de investigação apontam que a carga teria como destino países europeus, como a Itália, além dos Estados Unidos e até dos Emirados Árabes.

“A cidade de Manaus funciona como entreposto para distribuição no mercado nacional e internacional”, disse o superintendente da PF no Amazonas, Umberto Ramos.

Influência de facções criminosas

Foto: Nacho Doce

A equipe de inteligência da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (Ficco) identificou a atuação de integrantes da facção criminosa Comando Vermelho na exploração ilegal de minérios nos estados do Amazonas e Pará.

De acordo com a PF, seis pessoas foram presas em uma ação específica, sendo quatro integrantes da facção. Outras duas ainda estão sob investigação por possível vínculo com a organização.

“Estão sendo feitas análises relacionadas a digitais e outros elementos de provas que possam ser encontrados. Até o momento, já apreendemos seis pessoas identificadas como partícipes diretos e auxiliares desse intento criminoso”, informou o delegado Adriano Sombra.

Um relatório divulgado pelo Greenpeace apontou que, apesar da redução da atividade criminosa nos dois primeiros anos do governo do presidente Lula (2023 e 2024), os dados mostram que os garimpeiros estão “migrando” de áreas sob fiscalização mais rígida para regiões menos vigiadas. Nesse cenário, o garimpeiro deixa de ser uma figura rudimentar e passa a operar com apoio logístico e financeiro do crime organizado.

“A figura do garimpeiro de picareta e bateia na Amazônia foi substituída pelo criminoso armado de fuzil, aparelhado com aviões, helicópteros, balsas, dragas e outros equipamentos milionários. Tudo financiado pelo crime organizado”, defende o diretor-geral da PRF, Antonio Fernando Oliveira.

Impactos sociais

Foto: Movimento Iperegayu

É importante destacar que o garimpo ilegal gera impactos profundos nas comunidades tradicionais e indígenas, comprometendo seus modos de vida e territórios, além de provocar a contaminação dos rios por mercúrio, com graves consequências ambientais e de saúde pública.

“Pensar em mineração na Amazônia, pensar em mineração eventualmente em terra indígena, quase sempre ilegal e irregular em comunidades, é lembrar disso, é lembrar que a mineração é degradadora do espaço e degrada a moral, degrada a existência das pessoas”, explicou o professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento.

O crescimento do garimpo ilegal reflete, em muitos casos, o desespero por renda rápida e o desejo de ostentar riqueza. No entanto, segundo o professor, essa ideia é uma ilusão construída socialmente.

“Essa ideia de achar que isso vai gerar riqueza, vai trazer desenvolvimento, repito, é uma armadilha. Vamos olhar para Roraima, vamos olhar a mineração nas terras indígenas. Quem ganhou dinheiro com a mineração nos últimos 5, 10 anos de mineração ilegal naquelas áreas? Vamos olhar para o Baixo Amazonas, Manicoré, Nova Olinda, mineração na calha do rio Madeira. Quem ganhou? O que melhorou na vida das pessoas ali? Em que medida aquelas minerações ilegais trouxeram algum nível de conforto, de melhoria das condições de vida daquelas populações? Nenhuma, absolutamente nenhuma”, destacou o especialista.

Ações de combate

Foto: Divulgação/Polícia Federal

Conter o avanço do garimpo ilegal é um desafio que envolve toda a sociedade. Segundo o especialista Hilton Ferreira, a ausência de um plano integrado entre as forças de segurança é uma das principais fragilidades no combate à atividade criminosa.

“Nós temos mão de obra especializada, nós temos grandes profissionais, tanto das Forças Armadas como da Polícia Federal, da própria Polícia Civil, do Sistema de Segurança, nós temos grandes profissionais. O que nós não temos é o plano de segurança integrado, temos siglas, estou dizendo planos que tenham sustentabilidade. Isso se faz com três coisas, eu aprendi isso com um dos maiores combatentes de narcotráfico na região da Amazônia, doutor Mauro Sposito: Com dinheiro, item 1, item 2, dinheiro, e item 3, dinheiro”, enfatizou.

Somente com investimentos adequados será possível fortalecer as ações de segurança e desarticular toda a estrutura que sustenta o garimpo ilegal no Amazonas.

“Na segurança, a gente enxuga gelo, certo? No combate ao descaminho, contrabando, lavagem de dinheiro, contra ouro, nem gelo nós enxugamos. Não dá nem tempo. Então, na verdade, não existe mesmo essa fiscalização. Pode pedir de qualquer autoridade que mande dados reais”, finalizou Ferreira.

Como resposta, o governo federal lançou, em 2023, o Plano Amazônia: Segurança e Soberania (Plano AMAS), com o objetivo de intensificar o combate ao crime organizado e ampliar a presença do Estado brasileiro nos nove estados que compõem a Amazônia Legal: Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins.

Até meados de 2023, a PRF registrou recordes no combate a crimes ambientais na Amazônia Legal. Foram abordados mais de 1,8 milhão de veículos e 2,3 milhões de pessoas, muitas com extensa ficha criminal. As mais de 23.500 ações resultaram em prisões, apreensões de madeira, minerais e animais silvestres, além da destruição de equipamentos usados no garimpo ilegal, como balsas, dragas, tratores, caminhões, helicópteros e aviões.

O Em Tempo entrou em contato com a Polícia Federal e com o Ibama para questionar ações e solicitar dados de operações realizadas nos últimos anos, mas, até o momento, não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestação.

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