Por Juscelino Taketomi

Há ventos novos soprando sobre o Amazonas. Não vêm da mata, nem do encontro das águas, mas de um rumor distante — o rumor de Estocolmo, onde a Academia Sueca, tão acostumada a premiar poetas das neves e romancistas dos fiordes, parece pela primeira vez escutar o murmúrio quente de um rio chamado Negro.

O anúncio do vencedor, que será aquinhoado com 11 milhões de coroas suecas (cerca de US$ 1,2 milhão), deverá acontecer no dia 9 de outubro, próxima quinta-feira.

Entre os cotados ao Prêmio Nobel de Literatura de 2025, figura o manauara Milton Hatoum — aquele que, com palavras serenas e firmes, fez da Amazônia um território literário universal. Recém-eleito para a Academia Brasileira de Letras, Hatoum é autor de obras como Relato de um Certo Oriente, Dois Irmãos, Cinzas do Norte, A Noite da Espera e Pontos de Fuga. Em cada uma, há a marca da memória, da perda, da cidade que sonha e apodrece sob o calor equatorial, e da família que tenta sobreviver ao tempo e às ilusões.

Sua literatura é feita de Manaus — de suas casas coloniais que se desfazem em silêncio, dos becos que guardam fantasmas, da chuva que cai pesada como lembrança. Ao mesmo tempo, é uma escrita cosmopolita, que viaja de Beirute a Belém, de Paris ao porto da Compensa, cruzando mares e séculos com a leveza de quem entende que a alma humana é um delta de muitas águas.

Mas Milton não surgiu sozinho. Ele é herdeiro e continuador de uma tradição amazônica que há muito tenta romper as margens e se fazer ouvir além das selvas. Antes dele, Márcio Souza já havia mostrado ao mundo o barroco tropical de Galvez, o Imperador do Acre e o humor crítico de Mad Maria. Thiago de Mello cantou a floresta com sua Canção do Amor Armado. Astrid Cabral e Elson Farias fizeram da palavra uma canoa que navega o invisível. A literatura amazônica é um rio que vem de longe, de narrativas orais, de mitos indígenas e da solidão dos seringais.

Hatoum recolheu tudo isso e deu forma universal a esse espírito. Fez da nostalgia do exílio um espelho para o Brasil inteiro — e da cidade natal, uma metáfora de país. Sua Manaus é um microcosmo de contradições: luxo e miséria, saudade e esquecimento, civilização e selva.

Claro que se o Nobel vier, não será só o reconhecimento de um homem, mas de uma região inteira que há séculos escreve à sombra das árvores e à beira dos rios, como quem tenta decifrar o idioma secreto da natureza. Será também uma reparação: o Brasil, que já viu Drummond, Clarice Lispector e Guimarães Rosa ficarem às portas da consagração, talvez, finalmente, veja um de seus filhos erguer a voz em nome de todos.

Milton, porém, mantém a serenidade. Prefere falar da democracia, da paz e do ofício de escrever. “O leitor é o verdadeiro prêmio”, costuma dizer, com a humildade de quem sabe que a literatura é uma forma de resistência silenciosa — uma vela acesa contra o esquecimento.

Mas nós, que o lemos e o reconhecemos, sabemos que há mais. Se o anúncio de Estocolmo trouxer o nome de Hatoum, o Brasil inteiro se verá refletido nas águas do Rio Negro — e o mundo, enfim, descobrirá que a Amazônia não é apenas o pulmão do planeta, mas também o seu coração que sonha. Que venha o Nobel, com sabor de jaraqui e aroma de tucumã.

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