Nas últimas eleições, muito se falou sobre o aumento das abstenções no país, sobretudo entre os jovens. Campanhas publicitárias, influenciadores e artistas, como a cantora Anitta, mobilizaram multidões para incentivar o alistamento eleitoral e o comparecimento às urnas. A narrativa era clara, participar do processo eleitoral é exercer a cidadania e fortalecer a democracia.
Contudo, há uma face dessa democracia que raramente chega ao debate público, a dificuldade real de exercê-la nas regiões mais isoladas do Brasil, especialmente na Amazônia.
Durante o Congresso de Comunicação Política (COMPOL), realizado no Amazonas, uma frase pronunciada por uma das palestrantes ecoou em mim:
“Existe dificuldade de exercer a democracia e porque ninguém está falando sobre isso?”
A afirmação veio após a menção ao município de São Gabriel da Cachoeira, onde o índice de suicídio entre jovens é um dos mais altos do país. A palestrante, vinda de outro estado, confessou desconhecer a realidade amazônica até chegar à região. E esse desconhecimento resume o problema central, fala-se sobre democracia como conceito, mas pouco se fala sobre as barreiras que impedem milhares de brasileiros de vivenciá-la.
No interior do Amazonas, comunidades ribeirinhas percorrem horas e em alguns casos, dias de viagem em pequenas embarcações para alcançar uma urna eleitoral. Em municípios como Santa Isabel do Rio Negro, onde atuei como Procuradora Geral do Município, testemunhei de perto esse desafio. Famílias inteiras partem dias antes da votação, enfrentando rios caudalosos, chuvas intensas e custos que muitos não podem arcar.
Não se trata apenas de distância física, mas de distância política e social. O voto, que deveria ser um direito universal, torna-se um privilégio logístico.
Enquanto se multiplicam os discursos sobre “fortalecer a democracia”, permanece o silêncio sobre quem sequer consegue acessá-la. Onde estão as políticas públicas para viabilizar o exercício do voto nas regiões isoladas? Onde está o investimento em tecnologia, transporte fluvial e estrutura eleitoral compatível com a realidade amazônica?
A democracia não se resume ao ato de apertar um botão na urna ela começa no direito de chegar até ela. E, nesse sentido, o Estado tem falhado com sua própria base, o princípio da igualdade de acesso.
É irônico que, no século XXI, um país continental como o Brasil ainda conviva com bolsões de exclusão eleitoral. A Amazônia, que garante a vida e o equilíbrio climático do planeta, não tem garantido sequer o direito de participar plenamente da vida política nacional.
Fala-se sobre o desinteresse dos jovens pela política, mas não se discute o abandono territorial e simbólico que contribui para essa apatia. Em São Gabriel da Cachoeira, a falta de perspectiva é também uma forma de silenciamento democrático.
Democracia não é apenas o direito de votar é ter condições reais de fazê-lo. E enquanto houver brasileiros que precisam navegar dias para chegar a uma urna, não poderemos dizer que vivemos em uma democracia plena.
É hora de romper o silêncio.
A Amazônia também quer votar.

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