O avanço recente do mercado de trabalho brasileiro não se traduz igualmente para quem cruza as fronteiras em busca de proteção e novas oportunidades. Segundo pesquisas recentes, quase 68% dessas pessoas não conseguem acessar qualquer tipo de emprego — formal ou informal — e, entre as mulheres, a taxa de exclusão é ainda maior.

Enquanto a maioria dos imigrantes enfrenta dificuldades para acessar trabalho digno no Brasil, algumas iniciativas têm se destacado por criar caminhos reais de inclusão. Entre elas está o projeto “Ven, Tú Puedes!”, mantido pela Visão Mundial, que se consolidou como uma das ações mais estruturadas de apoio à empregabilidade e autonomia de refugiados e migrantes — principalmente venezuelanos — nos estados de Roraima, Amazonas e São Paulo.

FOTO: Projeto "Ven, Tú Puedes!" - Visão Mundial
FOTO: Projeto “Ven, Tú Puedes!” – Visão Mundial

Ao longo de seis anos, o programa desenvolveu um modelo que vai além do assistencialismo. A estratégia parte de um eixo formativo, oferecendo aulas de português em diferentes níveis, treinamentos sobre legislação trabalhista, orientação profissional, elaboração de currículo e ambientação ao mercado brasileiro. Paralelamente, funciona uma agência de empregabilidade que faz a ponte direta entre empresas e candidatos, priorizando oportunidades formais e seguras, reduzindo riscos de exploração e trabalho análogo à escravidão — um problema que tem crescido entre populações migrantes.

Outro diferencial é o apoio ao processo de interiorização por vaga sinalizada. Isso significa que as famílias são encaminhadas para cidades onde já existe uma vaga confirmada, garantindo maior estabilidade e evitando deslocamentos inseguros. O projeto acompanha essas pessoas durante a transição e na adaptação inicial, reforçando vínculos comunitários e prevenindo situações de vulnerabilidade extrema.

Mas a atuação não se limita aos imigrantes. O Ven, Tú Puedes! também dialoga com empresas, promovendo ações de sensibilização sobre diversidade, combate à xenofobia e fortalecimento de culturas organizacionais inclusivas.

A gerente do projeto “Ven, Tú Puedes”, Angela Karine Mota destacou que a iniciativa é uma das mais completas atualmente. “Nós não trabalhamos apenas para inserir pessoas em vagas de emprego formais, mas para garantir dignidade, proteção e oportunidades. Enquanto organização que lida com o contexto de vulnerabilidade, nosso foco é gerar dignidade e isso é um aspecto que direciona toda a nossa maneira de trabalhar”, explicou.

FOTO: Angela Karinne Mota - Gerente do projeto "Ven, Tú Puedes!" - Visão Mundial
FOTO: Angela Karinne Mota – Gerente do projeto “Ven, Tú Puedes!” – Visão Mundial

A gerente também enfatizou que ainda há falhas no processo de inclusão produtiva. “Quando pensamos em deslocamento forçado, que é exatamente a realidade das pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas, podemos entender que há diversos tipos de barreiras. Quando olhamos para as vagas formais, as empresas ainda desconhecem os processos… E quando consideramos o ambiente de trabalho, a inclusão efetiva da pessoa migrante com a equipe também é um fator a ser considerado… E a barreira cultural combinada com a xenofobia é talvez uma das mais profundas… Acredito que o caminho para a inclusão produtiva fica muito mais fácil quando todas as partes colaboram e esse é um trabalho coletivo, de empresas, organizações da sociedade civil, desenvolvimento e sistematização de políticas públicas”, disse.

A gerente também tem expectativa de que o Brasil se consolide cada vez mais na política migratória. “O país já é reconhecido pela legislação avançada, mas ainda precisamos transformar lei em prática cotidiana… O contexto migratório não é um evento pontual: é um fenômeno global e permanente. O que esperamos para os próximos anos é que a migração deixe de ser vista como uma crise e passe a ser tratada como uma oportunidade estratégica de desenvolvimento para o país”.

Angela também contou como surgiu o Selo Empresa Amiga do Migrante e as vantagens. “O Selo Empresa Amiga do Migrante nasceu em 2023 dentro do projeto “Ven, Tú Puedes!” como uma estratégia da nossa Agência “Ven, Tú Puedes!” que é a iniciativa de integração e conexão com as empresas do setor privado. Entendendo que esse trabalho tem uma complexidade, mas também um alto impacto. Nesse sentido, o Selo serve como: um reconhecimento público, um instrumento de engajamento, e um modelo prático para inclusão produtiva… a empresa contrata, gera empresa e transforma vidas que antes estavam num contexto de vulnerabilidade e devolve a dignidade e a esperança de vida plena”.

Selo Empresa Amiga do Migrante: reconhecendo quem abre portas

Criado para estimular práticas empresariais responsáveis, o Selo identifica organizações que adotam políticas consistentes de contratação, acolhimento e integração de migrantes e refugiados. A certificação passou a funcionar como uma espécie de bússola para empresas interessadas em diversidade, permitindo medir impactos, melhorar processos internos e consolidar uma agenda de inclusão contínua.

Desde seu lançamento, o Selo evoluiu e se expandiu: ganhou novas categorias, ampliou critérios de avaliação e se tornou referência nacional. Em 2024 e 2025, consolidou-se como um mecanismo anual de reconhecimento, monitoramento e engajamento com o setor privado. Com mais de 34 mil pessoas atendidas pelo projeto e dezenas de empresas engajadas pelo Selo, a Visão Mundial demonstra que inclusão produtiva não é apenas um discurso — é uma política estruturada capaz de mudar trajetórias inteiras.

Avanços

No fim, o avanço de iniciativas como o Ven, Tú Puedes! e do Selo Empresa Amiga do Migrante demonstra que caminhos concretos já estão sendo construídos para diminuir desigualdades e aproximar migrantes das oportunidades que o mercado brasileiro efetivamente oferece. Ainda que os desafios permaneçam grandes — desde barreiras linguísticas até a baixa validação profissional — as experiências mais bem-sucedidas revelam que inclusão não é apenas possível, mas sustentável quando há articulação entre poder público, sociedade civil e setor produtivo.

O Brasil segue longe de garantir equidade plena, mas cada projeto, parceria e contratação responsável aponta para um futuro em que recomeçar não dependa apenas da sorte, e sim de políticas contínuas, portas abertas e compromisso real com dignidade humana.