É moralmente inaceitável que cidadãos dependam dos serviços profissionais de médicos, engenheiros, administradores, economistas, arquitetos, etc, sem que haja qualquer garantia mínima de competência técnica. Quando alguém faz um laudo médico, assina um projeto de edificação ou elabora um parecer econômico e não tem preparo adequado não se trata apenas de um erro individual, mas de um risco real à vida, à segurança e ao bem-estar social.

No Brasil, já há uma profissão liberal, a advocacia, em que o exercício depende da aprovação em exame da OAB, o que assegura um patamar mínimo de formação teórica e ética. Isso demonstra que é possível institucionalizar filtros de qualidade sem ferir a liberdade de ofício, especialmente quando o exercício da profissão implica riscos para coletividade.

Dado o grau de gravidade que certas profissões carregam (salvar vidas, garantir a segurança estrutural de edificações, emitir laudos que influenciam decisões importantes), exigir um exame de proficiência mínimo não é excesso: é responsabilidade com a sociedade. Não podemos conviver com a propaganda de diplomas vazios, formados em série, que acabam despejando na sociedade “pseudo-profissionais” despreparados, incapazes de cumprir com os deveres que suas funções exigem.

No contexto atual, o problema se agrava com a expansão acelerada e por vezes desordenada de cursos superiores no país. Muitas instituições, motivadas por uma lógica de mercado e lucro, funcionam como “linhas de produção de diplomas”, sem compromisso real com a qualidade da formação. O resultado: profissionais mal formados, com lacunas graves de conhecimento e preparo.

Nesse cenário, a recente aprovação, pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado Federal (CAS), do projeto de lei que institui o Exame Nacional de Proficiência em Medicina (Profimed) como requisito obrigatório para médicos recém-formados obterem registro profissional é um marco importante, necessário e urgente.

A proposta do Profimed, apelidada de “OAB da medicina”, representa uma evolução no padrão de exigência para o exercício da medicina, garantindo que apenas quem demonstre domínio teórico, prático e ético receba autorização para atuar.

Mas o raciocínio que justifica o Profimed para a medicina poderia e deveria se estender a outras áreas sensíveis. Engenheiros edificam prédios e pontes; arquitetos planejam espaços; administradores gerem organizações com impacto social e econômico; economistas influenciam políticas públicas e decisões que afetam a vida de muitos. Todos esses profissionais carregam um grau de responsabilidade que justifica ser submetido a um padrão mínimo de habilitação.

Permitir que alguém atue como engenheiro, administrador, economista ou arquiteto apenas com base em diploma, sem aferição de competência, é aceitar que erros grosseiros, desde falhas estruturais que levem ao colapso de prédios, até laudos econômicos ou de viabilidade totalmente equivocados, ocorram com naturalidade. Isso fere o interesse público e mina a confiabilidade da profissão.

Argumentar que prova de proficiência inviabiliza o acesso à profissão ou contraria liberdade de ofício não é válido quando a própria constituição e a lei permitem que se estabeleçam “as qualificações profissionais que a lei determinar” para o exercício de ofícios. Já existe esse tipo de filtro em profissões vitais, a advocacia e, em breve, a medicina. Não há motivo que justifique excluir as demais profissões igualmente sensíveis.

Por fim, exigir exames de habilitação profissional não é um elitismo acadêmico ou corporativo, mas sim um instrumento de proteção social. Serve para elevar o padrão da profissão, aumentar a segurança da sociedade, valorizar de fato o trabalho bem-feito, e afastar o “capitalismo acadêmico irresponsável” que transforma diplomas em commodities. A adoção generalizada desse tipo de exigência poderia representar um salto de qualidade para o Brasil, com profissionais mais preparados, responsáveis, e com maior compromisso ético e técnico para com a sociedade. Precisamos parar de matar as pessoas por incompetência técnica!

Farid Mendonça Júnior – Economista, advogado, administrador e Assessor Parlamentar no Senado Federal

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