Isabel Simplício, Daniele Guedes, Maria Katiane e Amanda Souza estão entre as mulheres assassinadas nos últimos dias no país. A série de casos evidencia a brutalidade da violência de gênero, que silencia mães, filhas e provedoras. Movidos pela indignação, brasileiros e brasileiras se mobilizaram nacionalmente no último domingo (7) em protestos pedindo justiça e o fim desses crimes.
Em Manaus, o ato ocorreu na Praça do Congresso e reuniu lideranças femininas e indígenas que clamaram por justiça. Apenas dois dias depois, a capital amazonense registrou mais um caso de violência extrema contra a mulher, provocando indignação em toda a sociedade.
Na terça-feira (9), Isabel Cristina Simplício, a “Bebel Aventureira”, foi encontrada morta com sinais de esganadura e uma perfuração abaixo dos olhos no sítio onde vivia, no bairro Lago Azul, Zona Norte de Manaus. O principal suspeito era o namorado, José Brito, que avisou a família e alegou que a vítima teria tido um surto, afirmando ter agido em “legítima defesa”. Segundo a Polícia Civil, o rosto de Isabel apresentava graves lesões.
O caso ganhou grande repercussão por ela ser mãe da influenciadora Isabelly Aurora. A imagem do suspeito passou a circular nas redes como foragido. No dia seguinte, José Brito foi encontrado morto em um ramal da cidade, com marcas de tortura e os olhos perfurados.
Violência de gênero no Amazonas

Ao Em Tempo, a presidente da União Brasileira de Mulheres do Amazonas (UBM-AM), Eriana Azevedo, destacou que os feminicídios têm ocorrido com frequência crescente e cada vez mais marcados por requintes de crueldade — uma demonstração de “posse e poder” por parte dos agressores.
“Nunca é apenas uma morte, nunca é apenas um número, é uma violação do corpo da mulher, é sempre uma morte com requinte de crueldade. Então, para a gente, isso é gravíssimo e inaceitável. Compreendendo que cada mulher representa uma vida interrompida, sonhos, uma família que fica órfã daquela mulher. O Amazonas hoje ocupa a segunda maior taxa de homicídios de mulheres a cada 100 mil habitantes, isso também demonstra o tamanho da violência do nosso estado”, pontuou.
O número apresentado pela representante consta no Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
Apesar dos dados alarmantes, muitos casos ainda são subnotificados e não recebem a tipificação de feminicídio. Um exemplo é o de Julieta Hernández, artista estuprada, torturada, queimada, assassinada e ocultada em 2023, em Presidente Figueiredo (AM). Mesmo diante da violência extrema, o casal acusado foi julgado apenas por latrocínio e ocultação de cadáver, não por feminicídio.
“Ainda existem as subnotificações, que também é uma falha estrutural, principalmente quando o Estado não classifica aquela violência, aquela morte como feminicídio, quando se é um crime de ódio contra a mulher. Então, a gente compreende que é inaceitável e que, por isso, a gente precisa se mobilizar enquanto sociedade. A gente não pode permitir que isso continue acontecendo”, reforçou Eriana.
Pedidos de socorro

Para que as mulheres denunciem seus agressores, Manaus conta com delegacias especializadas no atendimento a vítimas de violência, além da recém-lançada Delegacia Virtual da Mulher. A plataforma facilita o acesso às medidas protetivas de urgência e a informações sobre direitos, tornando o processo mais rápido e acessível.
Eriana Azevedo afirma que, embora a iniciativa represente um avanço no amparo às mulheres vítimas de violência, ela não supre a falta de políticas públicas mais amplas e eficazes para garantir a segurança das amazonenses.
“A implementação precisa ser acompanhada do fortalecimento das demais frentes de proteção e prevenção. Só a delegacia virtual em si, não vai resolver os problemas que nós temos. A gente precisa hoje de equipamentos, a gente precisa que existam delegacias da mulher no interior, para que tenha todo esse suporte psicossocial que a gente sabe que vem junto quando a mulher faz uma denúncia. A gente avalia como sendo importante, mas não sendo determinante, e sim como uma política complementar”, afirmou.
Com a denúncia formalizada, a Justiça do Amazonas aciona medidas para garantir a segurança das vítimas. Em 2024, foram concedidas 13.748 medidas protetivas de urgência. Neste ano, apenas entre janeiro e outubro, já somam 11.983 — número que, faltando dois meses para o fim do período, deve ultrapassar o total do ano anterior.
Risco nacional

Infelizmente, o risco de feminicídio não se limita ao Amazonas: a violência de gênero avança por todo o país e faz vítimas diariamente. Em São Paulo, no final de novembro, Tainara Souza Santos, 31, foi atropelada e arrastada por mais de um quilômetro pelo ex-companheiro, Douglas Alves da Silva.
Mãe de dois filhos, Tainara teve as pernas amputadas, passou por outras três cirurgias e permanece sedada na UTI do Hospital das Clínicas, em estado grave. Douglas fugiu sem prestar socorro, mas foi preso no dia seguinte e responde por tentativa de feminicídio.
A farmacêutica Daniele Guedes Antunes, 38, foi assassinada a facadas pelo marido no último dia 7, na residência do casal em Santo André, Grande São Paulo. O crime ocorreu na frente da filha de 11 anos.
A cearense Maria Katiane Gomes da Silva, 25, morreu após cair do 10º andar de um prédio em São Paulo. O marido, Alex Leandro Bispo dos Santos, 40 anos, foi preso e é investigado pela Polícia Civil de São Paulo por feminicídio. Ele é suspeito de tê-la arremessado do condomínio onde morava o casal.
Amanda dos Santos Souza, 26, foi encontrada morta a pedradas em sua casa no bairro da Penha, em Campos dos Goytacazes (RJ), no último dia 8. O principal suspeito é o ex-companheiro, Diego Vitorino da Silva, 29, que fugiu, mas foi preso em flagrante em Grussaí, distrito de São João da Barra.
Denuncie

Os casos citados ganharam repercussão nacional pela brutalidade dos crimes. Combater esse tipo de violência exige a união de diferentes frentes para oferecer e garantir serviços que atendam às necessidades de mulheres em situação de vulnerabilidade, muitas vezes sem proteção mesmo após denunciarem os agressores.
“A primeira coisa é ter orçamento para que a gente possa fortalecer, de fato, a rede de proteção, para que a gente possa criar políticas, eu volto para a questão intersetorial, ligadas à educação de gênero e empoderamento. A gente precisa trabalhar junto à Justiça e também porque ainda tem muitas reclamações em relação ao atendimento, à revitimização das vítimas. A gente precisa treinar melhor policiais, agentes, o próprio judiciário, ele precisa fazer as suas sentenças a partir da perspectiva de gênero”, enumerou Eriana Azevedo.
Outra ferramenta aguardada para aumentar a frente de proteção às vítimas é a inauguração da Casa da Mulher Brasileira em Manaus, anunciada em 2020 e com início das obras apenas em 2024.
“Esse equipamento é um equipamento que já tem alguns anos, que principalmente nós da sociedade civil temos lutado e já são mais de 10 anos, ainda não saiu do papel. A construção, pelo que a gente tem de informação, está atrasada. Está em obra, mas o andamento ainda está bem lento. Sabemos que esse equipamento não vai resolver os problemas, mas vai, pelo menos, centralizar todas as informações, todos os serviços para a mulher quando ela necessitar”, explicou.
Atualmente, a rede de proteção atuante no Amazonas é feita pelas polícias Civil e Militar. Para denúncias, ligue para o 180 (Central da Mulher) 24h, ou para o 190 em emergências. Para atendimento presencial, as delegacias especializadas ficam localizadas nos bairros Pq. 10 de Novembro, Cidade de Deus e Colônia Oliveira Machado.
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