Os números de estupro de vulnerável no Amazonas acendem um sinal de alerta. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) mostram que, de janeiro a outubro de 2025, já foram registrados 997 casos de estupro contra crianças e adolescentes no estado. Em todo o ano de 2024, foram 1.085 ocorrências.

Com dois meses ainda restantes para o fechamento do ano, a diferença entre os dois períodos é de apenas 88 casos, o que indica que 2025 pode ultrapassar o total do ano anterior.
Interior concentra a maioria dos casos

O levantamento da SSP-AM revela que a maior parte das ocorrências acontece no interior do estado. Em 2025, foram 589 registros nos municípios do interior, contra 482 em 2024 — um aumento significativo.
Já em Manaus, os dados apontam uma redução. De janeiro a outubro de 2025, foram registrados 408 casos; enquanto em 2024, foram contabilizados 603.
Apesar da queda na capital, o avanço no interior preocupa autoridades e especialistas, principalmente pela dificuldade de acesso a serviços especializados e pela subnotificação.
Crimes acontecem, em sua maioria, dentro de casa

De acordo com a delegada Kássia Evangelista Gonçalves, adjunta da Delegacia Especializada em Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), o cenário no Amazonas segue o padrão nacional.
“A maioria dos casos são intrafamiliares. São crimes cometidos por familiares próximos ou alguém que conviva com a criança ou adolescente”, afirma.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2025, mais de 67% dos estupros de vulneráveis ocorrem dentro das residências e mais de 59% são praticados por familiares. Esse dado reforça que o ambiente que deveria ser de proteção acaba se tornando o principal local de violência.
Casos de grande repercussão no Amazonas

Entre os crimes que chocaram o estado está o caso registrado em Urucará, no interior do Amazonas. Três homens — de 54, 37 e 36 anos — foram presos por estupro de vulnerável contra uma criança de 10 anos. Dois deles eram padrasto e tio da vítima, e o terceiro, condutor de uma lancha escolar.
A investigação começou após a vítima escrever uma carta durante uma palestra escolar sobre prevenção ao abuso sexual, relatando os abusos sofridos. Segundo a Polícia Civil, a criança era violentada desde os 6 anos de idade e sofria ameaças para não denunciar.
Outro caso de grande repercussão ocorreu em Juruá, também no interior, envolvendo o estupro coletivo de uma adolescente indígena Kulina, de 12 anos. Pelo menos oito adolescentes da mesma etnia são suspeitos de participação no crime, que foi filmado pelos próprios agressores.
Impactos psicológicos duradouros

O psicólogo Robson Belo explica que o abuso sexual infantil deixa marcas profundas e duradouras.
“O abuso sexual infantil pode podem se manifestar de múltiplas maneiras e no desenvolvimento de quadros psicopatológicos como Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT (algo que ocorre de imediato ao estupro), Quadros Dissociativos (principalmente o transtorno dissociativo de identidade -TDI), e como possivelmente Transtorno de Personalidade, podendo manifestar sintomas físicos, emocionais, sexuais e sociais”, destaca.
Segundo ele, crianças podem apresentar sintomas como distúrbios do sono, dores abdominais, regressão de comportamento, medo excessivo e isolamento social.
“Crianças tendem a viver angústias, sentimento de culpa, perturbações no padrão do sono (com parassonias), dores abdominais, enurese (perda do controle da bexiga durante o sono), encoprese (um tipo de incontinência fecal), distúrbios alimentares, entre outros. Os pré-adolescentes podem apresentar sequelas que dificultam sua evolução psicoafetiva e sexual”, explica.
Nova lei endurece penas para crimes sexuais

Em 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 15.280, que endurece as penas para crimes sexuais praticados contra crianças e adolescentes.
Segundo a delegada Kássia Evangelista, a nova legislação fortalece o trabalho policial.
“O aumento da pena possibilita uma polícia mais combativa, na medida que a gravidade do delito vai robustecer a fundamentação das atuações policiais no decorrer da investigação, a exemplo da possibilidade de maior índice de deferimento de prisões preventivas e buscas domiciliares”, afirma.
Importância da denúncia

Especialistas reforçam que a denúncia é fundamental para interromper ciclos de violência, especialmente quando os crimes ocorrem dentro do ambiente familiar. A delegada a Kássia Evangelista acentua:
“A chamada da sociedade como um todo para a responsabilidade de proteção da infância é o que contribui para que a regra do silenciamento na maioria desses casos seja vencido”.
O psicólogo Robson Belo ressalta ainda a importância do olhar atento dos pais na identificação e proteção de crianças que, mesmo em ambientes tidos como “seguros”, podem estar expostas a situações de risco.
“Ensine sua criança o respeito ao corpo e à intimidade em um ato de cuidado e proteção, sobre quem pode ou não a tocar, o que fazer se alguém que não pode tocá-la tentar algo, saber os limites do acesso ao corpo infantil. […] Pais precisam entender seu papel defensor e sua responsabilidade na proteção e cuidados a sua criança, assim, se fazendo mais alertas aos sinais de perigo e se utilizando de estratégias preventivas que possam tomar a si para evitar que algo assim aconteça aos seus”, finaliza.
No Amazonas, as denúncias podem ser feitas por meio do disque 190 (situação em flagrante) ou indo diretamente na sede da DEPCA, que fica localizada na Av. Via Láctea, Conjunto Morada do Sol, bairro Aleixo, Zona Centro-Sul de Manaus.
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