De uns tempos para cá, consumidores têm relatado uma frustração em comum: produtos que antes rendiam durante o mês todo estão acabando antes do previsto.
Não se trata, por exemplo, de usar um copo medidor maior para o sabão em pó, ou algumas colheradas a mais na hora de passar o cafezinho de manhã. O consumidor não está consumindo mais, é o produto que está diminuindo de tamanho.
O fenômeno se tornou tão usual que ganhou até apelido: “reduflação“, neologismo que soma “redução” com “inflação” e que tem despertado a ira de consumidores Brasil afora.
“Reduflação é a prática de reduzir o tamanho das embalagens, o conteúdo dos produtos ou a quantidade de unidades sem que uma redução nos preços acompanhe”
, explica o administrador Ulysses Reis, coordenador do Núcleo de Varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.
“Na prática, é uma estratégia de vendas maquiada, em que o consumidor acredita estar pagando o mesmo valor, ou até mais em alguns casos mais raros, mas está obtendo uma quantidade menor de produto.”
As reduções seguem a esteira de uma escalada inflacionária que pegou o bolso de muitos brasileiros de surpresa. Segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), indicador que mede a inflação oficial do país, os últimos 12 meses acumulam alta de 11,73%, dado muito acima do teto da meta de 2022, de 5%.
Os salários, na grande maioria das vezes, não acompanham a alta de preços. O resultado é um poder de compra mais enxuto, com consumidores tendo os valores dos produtos como régua, não mais a preferência por uma ou outra marca.
Daí a estratégia de venda “reduflacionária”: para manter a competitividade no mercado, empresas optam por diminuir a quantidade de produto ao invés de elevar o preço.
“A estratégia disfarça a inflação e funciona muito bem se o cliente não perceber”
, diz Reis.
“Os consumidores mudaram de hábito de consumo e passaram a substituir os produtos de sempre por marcas mais baratas. Às vezes vão até com o dinheiro contado para ir ao mercado”.
Vale ressaltar que não se trata de uma prática ilegal. “A reduflação é perfeitamente lícita, desde que as empresas explicitem para os adquirentes que houve diferença de conteúdo”
, explica Maria Paula Bertran, pesquisadora na área de direito econômico.
A notificação deve estar em conformidade à determinação do Ministério da Justiça (portaria 81, de 23 de janeiro de 2002) e do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990).
Como rege a lei, o aviso de que o produto foi reduzido deve estar na embalagem ao longo dos seis meses seguintes ao momento da alteração, em cor de destaque e em tamanho de fonte mínimo 12.
Também deve ser explícita: se um pacote de bolachas, por exemplo, passar a ter 4 unidades a menos, essa informação deve estar clara para consumidor.
O mesmo vale para a composição. Se um suco de uva for adoçado com maçã, por exemplo, ambas as frutas precisam ser ilustradas na embalagem, além de, claro, constarem na descrição detalhada do produto.
Mas, mesmo notificada, a redução normalmente passa despercebida.
“Na prática, o consumidor só percebe que houve redução quando o produto acaba antes do tempo previsto e ele precisa ir mais vezes ao supermercado para abastecer a própria demanda”
, comenta Ricardo Hammoud, economista e professor de Macroeconomia no Ibmec-SP.
“No final, ele tem menos dinheiro para consumir outros produtos e serviços. É um fenômeno que vai além do carrinho do supermercado.”
“Dúzia de ovos com 10”
Há ainda outra face do fenômeno: segundo Maria Paula Bertran, a redução do tamanho das embalagens é um retrato da pobreza e da fome no país.
“Outro dia estava no supermercado com a minha filha pequena e ela me perguntou o porquê da dúzia de ovos se chamar assim se só tem 10 unidades”
, relata.
Para a pequena Eleonor de 8 anos, herança histórica foi a resposta, mas, para a CNN, Bertran explica que a redução tem um significado mais profundo.
“O brasileiro pode comprar aquilo que cabe no seu orçamento. Nos Estados Unidos, o leite é vendido em galões de 3,8 litros, ou 1,9 litros, mas nenhum consumidor lá vai ao mercado comprar 1 litro de leite como acontece aqui. Uma sociedade pobre tem um orçamento em que não cabe mais do que 1 litro de leite ou 10 unidades de ovos.”
A reduflação, dentro dessa ótica, é um fenômeno contínuo, agravado pela queda no poder de compra. Ela também marcou presença em 2015 e 2016, relembra Hammoud, do Ibmec, quando a inflação estava nas alturas e a economia apresentava um cenário de recessão.
Desde então, o país tem retrocedido no combate à insegurança alimentar e pavimentado o caminho de volta para o Mapa da Fome, ao qual retornou de fato em 2018.
“O consumidor brasileiro é da mão para a boca, mas agora tem uma mão mais curta e uma boca que continua do mesmo tamanho”, diz Bertran.
*Com informações do CNN
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