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Movimento negro rejeita anistia a partidos que não financiaram candidaturas negras

Presidente do colegiado e autor do requerimento de debate, o senador Paulo Paim (PT-RS) classificou a proposta como “constrangedora”.

Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Parlamentares e representantes do movimento negro defenderam nesta segunda-feira (12) a rejeição da proposta de emenda à Constituição (PEC) 9/2023, que prevê anistia a partidos políticos que deixaram de financiar candidaturas de pessoas pretas e pardas nas eleições.

O tema foi debatido durante audiência pública da Comissão de Direitos Humanos (CDH).

Presidente do colegiado e autor do requerimento de debate, o senador Paulo Paim (PT-RS) classificou a proposta como “constrangedora”.

“Depois de conquistas e aprovações legislativas importantíssimas, ninguém quer retrocessos. A lei ter que vir para avançar, e não para retroceder. Tenho fé que o Senado deverá modificar essa proposta. No mínimo, não votar neste ano e deixar para um debate mais aprofundado, que poderemos fazer nos próximos dois anos”, afirmou.

A deputada Reginete Bispo (PT-RS) criticou outro ponto da PEC 9/2023. O dispositivo destina 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e do Fundo Partidário a candidaturas de pessoas pretas e pardas, de acordo com a preferência das organizações partidárias.

“Na Câmara dos Deputados, propus emendas para que fosse estabelecido um piso de 30%, proporcional ao número de candidaturas negras. Quando você coloca 30% como teto, e não como piso, você na verdade limita nossa presença e nossa participação. Os outros 70% vão ficar disponibilizados para pessoas não negras. É uma lei que, se aprovada, é inconstitucional por si só, porque estabelece um teto”, disse.

A ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Vera Lúcia Santana Araújo também participou da audiência pública. Para ela, os partidos políticos precisam cumprir as cotas de candidaturas e de recursos previstos para candidatos negros.

“Não há muita razoabilidade viver uma dissonância tão grande entre sermos 56% da população e termos uma representação tão insignificante nas casas legislativas. A gente precisa ter nos partidos esse compromisso de cumprir os mandamentos constitucionais, para que as nominatas saiam com a presença de negros e negras. Não há razoabilidade que tenhamos mecanismos internos aos partidos que resultem uma espécie de burla a leis que o próprio Congresso Nacional elabora”, criticou.

“Punhalada”

O representante da Educafro Brasil, Frei David dos Santos, classificou a proposta como uma “punhalada no povo negro”. Ele pediu o apoio do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e de outros parlamentares para barrar a PEC 9/2023.

“Tenho certeza de que Rodrigo Pacheco vai deixar essa PEC ter melhor debate, melhor reflexão. Não vai deixar essa PEC ir adiante. O erro cometido na Câmara pode ser corrigido no Senado. Os senadores de direita, de centro e de esquerda que são honestos vão com certeza estar do nosso lado. Temos certeza de que essa situação vai ser revista”, disse.

Para Aline Karina, representante do Núcleo de Base de Mulheres Negras do PT, a PEC 9/2023 é um “retrocesso significativo na luta pela igualdade racial”.

“Essa postura dos partidos é uma forma de instrumentalizar o racismo institucional. Não é apenas uma ameaça ao financiamento das nossas campanhas, mas uma ameaça a nossa representatividade, ao nosso direito de participar ativamente da construção deste país”, afirmou.

A representante da Coalizão Negra por Direitos, Iyá Sandrali Bueno, reforçou a crítica. Para ela, a proposta significa “uma afirmação do patriarcado e do racismo”.

“A PEC 9/2023 é um corte no projeto sociopolítico da comunidade negra e da comunidade feminina. Negros e negras ainda não estão nos espaços de poder político com a devida representatividade porque esse espaço não lhes é estruturalmente acessível. A PEC diminui para menos da metade os recursos financeiros e o tempo de propaganda, e ainda deixa para as direções partidárias nacionais, que são majoritariamente brancas, decidir quais de suas candidaturas negras receberão recursos e tempo”, argumentou.

Violência política

Munah Malek é codiretora do projeto “A Tenda das Candidatas”, entidade que presta orientação a campanhas eleitorais de mulheres pertencentes a grupos marginalizados. Para ela, a proposta estimula “a subrepresentação da participação da população negra no sistema político-eleitoral”.

“As mulheres negras enfrentam violência política de gênero e raça dentro de seus partidos, manifestada no subfinanciamento de suas campanhas. Constatamos que 90% das mulheres identificam a falta de recursos financeiros como a principal barreira à sua entrada na política. A PEC 9/2023, ao perdoar os partidos que não cumprem as cotas de financiamento para mulheres e negros, perpetua essa desigualdade e enfraquece a nossa democracia”, afirmou.

O representante do Instituto Marielle Franco, Giovanni Oliveira, também criticou o mérito da PEC.

“A anistia aos partidos e a flexibilização das regras de fiscalização e sansões abrem precedente gravoso para a impunidade e a falta de responsabilidade com os recursos públicos. Isso descredibiliza o sistema político eleitoral brasileiro, o sistema de justiça e a confiança nas instituições, uma vez que concede poder aos partidos para desrespeitar as leis constitucionais e obter o perdão”, disse.

Para Beatriz Lourenço, representante do Instituto de Referência Negra Peregum, nenhum partido político com representação no Congresso Nacional respeitou a distribuição correta dos recursos.

“A anistia, que deveria servir como exceção e não como regra, tem servido para que os partidos possam descumprir determinações legais, mediante uma busca desenfreada por brechas na lei que protejam contra qualquer tipo de sanção. Isso mantem o status quo do privilégio branco e masculinista, que age com retrocesso para barrar avanços alcançados por meio da luta de grupos subrepresentados”, analisou.

O ex-ministro do Ministério da Igualdade Racial Martvs Chagas também criticou o teor da PEC 9/2023. Mas cobrou uma maior participação de pessoas negras nas organizações partidárias.

“Se a gente é tão bom na sociedade civil, se é de base, se conversa com a base, se tem a confiança da base, por que a gente não conversa com essa base e fala para essa base toda se filiar aos partidos políticos e tomar o poder das pessoas brancas que lá estão? Se não é isso, não muda”, disse.

Tramitação

A PEC 9/2023 aguarda relatório do senador Marcelo Castro (MDB-PI) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). A votação da matéria está prevista para a reunião da próxima quarta-feira (14).

*Com informações da Agência Senado

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