A cidade de Carauari, no interior do Amazonas, foi palco de uma das mais significativas ações ambientais da região: a soltura de mais de 360 mil filhotes de quelônios nas praias da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) de Uacari e da Reserva Extrativista (Resex) Médio Juruá. Realizada durante a Gincana Ecológica 2024, em novembro, a iniciativa simboliza o esforço coletivo de comunidades e instituições na conservação da biodiversidade amazônica.
“O projeto não só protege espécies fundamentais para o equilíbrio da nossa Amazônia, mas também inspira as novas gerações a cuidar do que temos de mais precioso: nossa biodiversidade. Ensinar nossos jovens a valorizarem esses esforços é plantar sementes de esperança para o futuro”, declarou Maria Albuquerque, coordenadora do projeto Floresta Mais Comunidade, que apoia a iniciativa.
O evento reuniu aproximadamente 600 comunitários de 53 comunidades ao longo do rio Juruá e contou com o trabalho dedicado de 66 monitores responsáveis pela preservação de 19 tabuleiros de quelônios ao longo do ano. Durante a semana da Gincana, comunidades como Toari, Morro Alto, Santo Antônio de Brito, Bom Jesus e Gumo do Facão organizaram atividades que destacaram a importância da conservação e do manejo sustentável, além de celebrar o trabalho dos monitores, que se dedicam durante meses à preservação dessas espécies.
Segundo Raimundo Cunha, presidente da Associação dos Moradores Extrativistas da Comunidade São Raimundo (Amecsara), o sucesso da iniciativa reflete o modelo de gestão colaborativa implementado na região.
“A Gincana é um evento essencial no Médio Juruá. Além de marcar o encerramento do monitoramento, ela desempenha um papel crucial no engajamento das comunidades e na conscientização ambiental. Vai além das ações locais, abrangendo novos territórios e promovendo um impacto significativo na conservação da região como um todo”, declarou Raimundo.
Mais do que um evento, a Gincana é um espaço de interação, especialmente para a juventude, como observado nos últimos anos, com a crescente participação de escolas e professores. “Mudar a mentalidade de um adulto sobre conservação é desafiador, mas trabalhar a conscientização desde a infância, com atividades como a Gincana, é muito mais eficaz”, acrescentou.
A Gincana também valoriza o trabalho dos monitores, grandes responsáveis pelo sucesso do monitoramento, e envolve mulheres, jovens e crianças em atividades que promovem educação ambiental e conservação.
“Preservar os quelônios é importante, mas não só eles; outras espécies que vivem na praia também são beneficiadas. Ao preservar hoje, garantimos que as futuras gerações possam ver o que vemos hoje. É um trabalho maravilhoso”, destacou Celícia Araújo, monitora de campo que acompanha 19 tabuleiros ao longo de cinco meses.
Parcerias para a conservação
O evento, onde os comunitários atuam diretamente em todas as fases, conta com o apoio de instituições como o Memorial Chico Mendes, Amecsara, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Instituto Juruá e da Associação dos Moradores da RDS Uacari (Amaru). Esse esforço conjunto demonstra a força da união entre comunidades e parceiros na proteção dos ecossistemas amazônicos.
“Este projeto é fundamental para a preservação da sociobiodiversidade. Todo mundo sabe que, se não cuidar, não vai ter. Apesar disso, ainda enfrentamos desafios com a pesca ilegal de quelônios. Lutamos por práticas sustentáveis, e é isso que nos motiva”, enfatizou Antônio Silva, morador da comunidade Bom Jesus.
A ação contou com o apoio técnico do Projeto Pé de Pincha, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e da gestão da Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (Sema). Parceiros como a SITAWI Finanças do Bem, Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e Fundação Getúlio Vargas (FGV) contribuíram para fortalecer redes de conservação e desenvolvimento sustentável.
Manejo sustentável
O trabalho de conservação no Médio Juruá tem gerado resultados notáveis, como o aumento das populações de quelônios. Isso permitiu iniciativas como a criação de quelônios licenciada pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).
“Agora, já estamos com os animais prontos para venda. Estamos muito contentes, pois esse era nosso sonho: ter uma fonte de renda sustentável dentro das comunidades. Muitas comunidades já nos procuraram, perguntando se dá resultado, e nós respondemos que sim. Se houver disposição e vontade de preservar, conseguimos”, explicou Francisco Mendes, conhecido como “Bomba”, um dos líderes da criação comunitária.
Em abril de 2025, ocorrerá a primeira venda legalizada de quelônios na região, consolidando o manejo sustentável como uma alternativa viável de geração de renda.
“Desde 2017, com a resolução do governo do Amazonas que permitiu a criação comercial de quelônios de base comunitária, a universidade tem acompanhado essas experiências no Médio Juruá. Agora, os animais atingiram o peso mínimo de venda, e iniciaremos o processo de comercialização no próximo ano”, afirmou Paulo Andrade, coordenador do Projeto Pé de Pincha, da Ufam.
A criação de quelônios é vista como um avanço significativo para as comunidades locais, fortalecendo práticas sustentáveis e promovendo a preservação ambiental.
“Esse é um grande avanço. Com a comercialização, vamos valorizar ainda mais o trabalho dos monitores e inspirar outras comunidades a adotar práticas sustentáveis”, concluiu Francisco Sollivan, presidente da Amaru.
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