Em setembro, uma mensagem enviada aos grupos de WhatsApp do Comando Vermelho (CV) revelou um alerta do braço mineiro da facção sobre o aumento da chegada de traficantes de Minas Gerais ao Rio de Janeiro. O recado, assinado pelo Conselho Permanente CV-MG, apontava “descontrole” e criticava a falta de comprometimento dos recém-chegados com a organização criminosa.
Segundo a mensagem, os traficantes migravam para aproveitar os “benefícios” das favelas cariocas — como proteção, status, acesso a armas e novos negócios — sem contribuir efetivamente para a facção. A movimentação preocupa tanto o CV quanto as autoridades fluminenses, que já detectaram criminosos de pelo menos 12 estados vivendo em comunidades dominadas pela facção no Rio.
Segurança pública identifica foragidos de 12 estados no Rio
Levantamentos da Polícia Civil apontam que, somente em 2025, 403 criminosos de outros estados ingressaram no sistema penitenciário fluminense — 81 deles de Minas Gerais. A Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil já identificou 152 foragidos com nome e RG, sendo a maioria oriunda do Pará (78). Autoridades, no entanto, estimam que o número total de migrantes pode chegar aos milhares.

“Sintonia” amplia rede criminosa nacional
A expansão do Comando Vermelho ganhou força a partir de alianças formadas dentro das penitenciárias federais. Essas unidades permitiram o contato entre criminosos de diferentes regiões do país. Advogados ligados ao crime organizado facilitam o envio de recados entre líderes, num sistema conhecido como “sintonia”.
Com essa estrutura, o CV implantou uma rede com atuação em 25 estados e no Distrito Federal, transformando o Rio em um centro de decisões e proteção para chefes foragidos. Eles comandam territórios à distância, fortalecendo a estabilidade da facção.
Facção transforma o Rio em base estratégica de comando
O fenômeno da migração ampliou a integração entre delegados e investigadores de todo o Brasil. Grupos de WhatsApp entre forças policiais têm ajudado no rastreio de foragidos e na execução de operações interestaduais.
Em setembro, a Polícia Civil do Pará apoiou ações no Rio contra o avanço do CV na Gardênia Azul e Cidade de Deus. Na Rocinha, em dezembro de 2024 e maio de 2025, operações com apoio da Polícia Civil do Ceará identificaram criminosos cearenses e goianos atuando remotamente, em um esquema descrito por autoridades como “tráfico em home office”.
Chefes do tráfico atuam em esquema remoto e protegido
Um dos principais nomes do CV no Ceará, José Mario Pires Magalhães, o ZM, vive há dois anos escondido na Rocinha. De lá, comanda o tráfico em seu estado de origem. Ele chegou ao Rio após passagem pela Penitenciária Federal de Campo Grande, onde iniciou contato com a facção.
Segundo o promotor Anderson Batista de Oliveira, do Gaeco de Rondônia, a presença de líderes foragidos no Rio oferece proteção aos chefes e estabilidade aos negócios, especialmente em estados de fronteira:
“Eles entenderam que o chefe não precisa mais estar no estado. Ele pode tomar decisões por videochamada, protegido em comunidades de difícil acesso à polícia”, explica o promotor.
Beira-Mar apadrinha liderança de foragido no Rio
Outro exemplo da migração estratégica é Luiz Carlos Bandeira Rodrigues, o Zeus ou Da Roça, traficante com passagens por Rondônia e Ceará. Após deixar a penitenciária federal em 2022, ele se instalou no Rio com o aval de Fernandinho Beira-Mar. Com apoio do CV, tomou a comunidade da Muzema e passou a liderar o tráfico local.
As investigações revelam que Beira-Mar e Zeus mantêm contato desde 2015, ainda no sistema federal. Em um áudio interceptado, Zeus explica como fazer mensagens chegarem ao líder máximo do CV por meio de advogados e intermediários.
Hoje, Zeus atua a partir do Complexo do Alemão, de onde comanda operações tanto na Muzema quanto em Rondônia. A confiança da facção estaria ligada à sua agilidade para adquirir armamentos e à capacidade de comando bélico.
CV e aliados expandem atuação em todo o Brasil
A estrutura montada pelo Comando Vermelho com apoio de lideranças de outros estados fortalece o domínio nacional frente ao crescimento do PCC. Um processo obtido pelo EXTRA também cita alianças entre o CV e a facção catarinense Primeiro Grupo Catarinense (PGC), especialmente entre os traficantes Rogério 157 e Bomba, que teriam advogados em comum.
Segundo o subsecretário de Planejamento da Polícia Civil do Rio, Carlos Antônio Luiz de Oliveira, a disputa entre CV e PCC vai além da segurança pública:
“Hoje, o Comando Vermelho disputa o Brasil com o PCC. Em pouco tempo, não estaremos mais discutindo somente segurança pública, mas sim soberania nacional”, alerta o policial.
*Com informações do Extra
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