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lidar com a perda

Em mês de Dia dos Finados, aceitação da perda é desafio para muitos

Uma semana com perdas da cantora Gal Costa, do ator Roberto Guilherme e do artista Rolando Boldrin, reascendeu o debate sobre o luto

Imagem: Reprodução

Manaus (AM) – Perder quem amamos é doloroso para muitos. Geralmente, é difícil aceitar a partida de familiares e amigos queridos. No entanto, é preciso deixar fluir o processo do luto naturalmente, até chegar o momento certo para se desapegar dos sentimentos, dores, arrependimentos e, finalmente, deixar a vida seguir adiante. É o que explica a psicóloga Eloísa Amorim de Barros. No mês do Dia dos Finados, celebrado no dia 2 de novembro, uma semana com perdas da cantora Gal Costa, do ator Roberto Guilherme e do artista Rolando Boldrin, reascendeu o debate sobre o luto.

Antes de tudo, é importante saber o que é o luto, esse sofrimento contínuo para alguns e temporários para outros. Para a especialista Eloísa Amorim, o luto é uma experiência natural e esperada diante de uma perda. O que precisamos enfrentar são as situações críticas advindas desse processo.

“A vivência do luto é algo muito individual e depende de alguns aspectos importantes como, por exemplo, o modo como essa pessoa entende a morte e as perdas, o modo como sua família e sua cultura lhe ensinaram a enfrentar, o nível de relacionamento com a pessoa que se foi. Sempre sugiro perguntar como a pessoa se sente confortável para falar sobre isso. Ir ou não ir ao cemitério sempre deve ser uma escolha individual. Além disso, dar espaço para a pessoa enlutada falar sobre sua dor é fundamental para esse enfrentamento”,

afirma Amorim.

Entender esse processo é doloroso e cada pessoa o enfrenta à sua maneira. Como mencionado pela psicóloga, o luto é entendido com um processo natural diante de uma perda de vínculo significativa, seja ela por morte ou por outros motivos como separação, perda do emprego, perda do animal de estimação, perda de partes do corpo etc.

“Maria Helena Franco, uma referência brasileira em estudos de luto, reafirma que luto é um processo que pode se modificar, visto que não é estático e não tem apenas uma forma de ser vivenciado. Por ser um processo natural, não podemos entender que precisa necessariamente de um tratamento, mas é extremamente importante ser entendido com aquela pessoa, em sua cultura, vivencia e entende as perdas e a ideia da finitude”,

explica Eloísa.

A psicoterapia pode colaborar no sentido do acolhimento da pessoa enlutada para que ela consiga dar sentido e significado à perda. Mas o suporte familiar e social também são fundamentais para entender que cada pessoa vive o luto da sua maneira. E de acordo com a especialista, o sofrimento, a dor e demais características desse processo podem desenvolver doenças como depressão, uma vez que a perda de alguém abala a mente humana.

“Uma pessoa enlutada pode sim vivenciar um processo depressivo, porém precisamos ter cuidado ao relacionar luto com depressão, pois a depressão está envolta em vários fatores e diversas causas. E a forma como a morte da pessoa querida aconteceu, o grau de vínculo, suporte social e familiar após a perda, são fatores que contribuem para um bom enfrentamento do processo de luto”,

afirma Amorim.

A especialista explica que, atualmente no DSM-V (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), existe o ‘Transtorno do Luto Complexo Persistente’, que é uma condição na qual a pessoa enlutada experimenta sentimentos como raiva, dificuldade de aceitação da perda, incredulidade em relação a perda, desejo de morrer. A depressão, porém, não deve servir como uma justificativa para desnaturalizarmos o processo de luto, que é comum e esperado em pessoas que perdem entes queridos.

Como as crianças aceitam

Além dos adultos, as crianças também enfrentam o luto à sua maneira e não há como afirmar que o processo será mais fácil para elas, porque a criança entende a falta que uma pessoa querida faz. Segundo a psicóloga, algumas crianças lidam com a situação chorando, outras brincam, se apegam aos familiares e amigos, dependendo do seu círculo afetivo. A ação de cada uma está sempre atrelada ao lúdico.

Imagem: Istok

“Dessa forma, a melhor maneira de acolher uma criança enlutada é dar espaço para que essa criança fale, do jeito dela, como ela se sente diante da perda. Explicando a ela coisas que ela, por acaso, não entenda, mas sempre optando por dizer a verdade. Assim como nós, as crianças também têm seus modos de lidar com as perdas, que vão sendo construídos dentro da cultura familiar”,

explica.

Rituais de despedida

No passado, as pessoas morriam em casa, onde os velórios eram realizados. Hoje, podemos falar numa institucionalização da morte, na qual as pessoas passam a morrer em quartos de hospitais, longe das famílias, e isso influencia também nos modos como a vivência do luto vai se modificando com o passar dos tempos, de acordo com cada cultura. Existem até pessoas que realizam despedida antes mesmo da morte.

Mas o que são exatamente os “rituais de despedida”? Segundo Amorim, os rituais de despedida são as cerimônias feitas pela família e amigos da pessoa que morreu, como por exemplo, os velórios, os sepultamentos, nos casos de cremação, realizar o pedido da pessoa de ter suas cinzas jogadas em algum lugar que essa pessoa gostava.

“Existem famílias que se unem para relembrar momentos com a pessoa que se foi. Existem casos em que antes da pessoa falecer, esta também pode estar presente, havendo a possibilidade de se despedir dos entes queridos, de escolher como deseja ser sepultada, dentre outras situações”,

comenta a especialista.

Relatos de saudade

Imagem: Reprodução

A auxiliar administrativa Halla Cardoso, de 28 anos, perdeu o pai há três anos. De acordo com a jovem, seu pai tinha hipertensão, mas não buscava ajuda médica (grande porcentagem dos homens também não costuma frequentar redes de acesso à saúde por medo, preconceito ou procrastinação). Com isso, Halla relata que o seu pai sofreu com outras questões pessoais até o dia em que precisou ser internado, com a pressão arterial medindo 30/18.

“Primeiro, ficamos [crendo] na fé de que tudo daria certo, mas quando falaram que ele seria transferido para Santarém, ficamos muito angustiados. Pois aqui tem um ditado que “em Santarém é matadouro. Quem vai não volta vivo”. Essas palavras, ouvíamos muito”,

lembra a auxiliar administrativa, que mora em Oriximiná (distante a 818 quilômetros de Manaus).

Cardoso revela que quando soube da morte do pai, o seu mundo desmoronou e naquela época, ela estava grávida de cinco meses. O momento doloroso trouxe mais uma perda, a criança que carregava em seu ventre. Apesar de toda a dor daquele momento, Halla afirma que a família, amigos e a comunidade cristã da qual faz parte, foram o alicerce para eles. No entanto, a saudade do ente querido não passa e há sempre algo para lembrar da sua jornada.

“Esses dias teve uma palestra na escola e minha filha chegou chorando, dizendo que lembrou do avô porque um policial era muito parecido com ele. [E] com o tempo, conseguimos lembrar dele sem chorar. Que as boas lembranças nunca esqueçamos. E guardemos seus ensinamentos e valores, na certeza de que um dia nos encontraremos com ele na eternidade”,

comenta.

A industriaria Janaina Figueiredo, de 31 anos, também teve uma perda irreparável há três meses. Aos sete meses de gestação, a jovem notou algo de estranho e logo procurou um médico. Porém, ela revela que devido a uma série de negligências médicas, acabou perdendo o seu filho.

“Depois da ultrassonografia, onde foi detectado que o meu filho já estava morto em minha barriga, eu e meu marido ficamos chocados. A minha ficha só foi cair quando eu vi o meu filho morto após a cesárea. Esse foi o pior dia da minha vida”,

lembra.

Janaina relata também que não conseguia chorar no primeiro mês, pois, estava operada e teve complicações no pós-parto. Conviver com a dor da perda durante os três meses seguidos é tão doloroso para a jovem de 31 anos, que a mesma afirma não aceitar a partida precoce da criança.

“Às vezes eu procuro pensar que foi o melhor para ele, mas eu não entendo porquê comigo. Eu não sei como amenizar essa dor porque eu convivo com ela diariamente e eu não tenho um remédio para curá-la. Eu ainda estou naquela fase de sentir raiva, de questionar Deus do porquê, pois eu fiz tudo certo. A única maneira de amenizar, acho que é tempo, mas agora não”,

questiona a industriaria.

O luto é solitário

Apesar do apoio da família e de alguns amigos, Janaina admite que o luto é um momento solitário no qual ela se sente muito sozinha e a maior ajuda que encontrou foi em um grupo de apoio nas redes sociais, onde mães relatam as suas histórias e entendem umas às outras. Além desse grupo, Figueiredo também pode contar com a ajuda da cunhada, que passou pelo mesmo caso e o que mais afetou as duas, é que seus filhos eram parecidos.

“Nos primeiros dias, eu recebi muitas mensagens de amigos. Mas, depois que o meu filho morreu, eu não recebo mais. As pessoas não sabem o que falar ou não falam para eu não me machucar. Ninguém liga, ninguém vem me visitar, nada. Por incrível que pareça, eu recebi apoio em grupos, nas redes sociais. São mães que perderam seus bebês, cada uma com sua história e que entendem umas às outras. Porque há pessoas que desconsideram a nossa dor. Fora dali a única pessoa com quem eu posso conversar é a minha cunhada, que teve uma perda há dois anos e ela me entende”,

relata Janaina Figueiredo.

No feriado de Dia dos Finados, Janaina planeja ir visitar a sepultura da criança, mas relata que desde a sua partida, essa é uma das muitas visitas que ela já faz. “Eu sempre procuro ir ao cemitério, fazer duas visitas por mês, fazer uma oração. Nesse feriado eu e meu marido iremos lá para fazer uma homenagem, levar uma flor, uma oração. Eu sempre estou fazendo homenagens a ele nas redes sociais, no dia em que ele faz mês”, comenta.

Desapegar dos objetos da pessoa querida faz parte do luto, e tanto Halla quanto Janaína relatam que é um dos momentos mais dolorosos. Halla e a família choraram muito ao se desfazerem dos bens de seu pai. Janaína ainda não consegue se desfazer das roupas do bebê e espera que no dia em isso acontecer, a sua dor não seja tão grande. Afinal, a vida precisa seguir adiante, mesmo que a dor interior tenha que caminhar junto, até finalmente desaparecer.

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