Um vazio tomou conta do entorno da sede da administração portuária em Kalamata. Após o trágico naufrágio ocorrido na última semana no litoral da cidade no sul da Grécia, centenas de pessoas vieram de diferentes países da Europa em busca de parentes e amigos. Mas, embora os trabalhos de busca e resgate continuem, a esperança de encontrar sobreviventes há muito se esvaiu.
Em um café próximo à autoridade portuária, um sírio com cerca de 40 anos de idade retira alguns papéis de sua maleta. Em alemão, com um leve sotaque bávaro, ele conta que vive na Alemanha há muitos anos e pede à reportagem para que seu nome não seja divulgado.
Ele traz consigo cópias do documento de identidade de seu sobrinho de 16 anos. “Tivemos contato pela última vez há três semanas. Soube através do Facebook que ele estava no barco”, diz.
Todos os dias ele se dirige à autoridade portuária para tentar obter informações sobre o sobrinho e um amigo que viajava com ele, mas os nomes dos dois não aparecem nem no hospital, onde parte dos 104 sobreviventes recebe cuidados médicos, nem na lista dos que foram transferidos para um campo de refugiados próximo a Atenas.
“O hospital não me deu nenhuma informação. Eles dizem que é uma questão de proteção de dados”
, afirma o sírio.
“São tantos os mortos, e o mundo apenas observa”
Na madrugada de 20 de junho, a Guarda Costeira encontrou mais três corpos no mar. No total, 81 mortos foram encontrados e passarão pelo processo de identificação. As autoridades gregas já começaram a colher amostras de DNA de familiares. O sírio entrevistado pela DW ainda não sabe se seu sobrinho estava entre os morto e ainda não pôde enviar notícias à irmã na Síria sobre o filho dela. Nesta tarde, ele terá de voltar para a Alemanha. Ele diz que adoraria ajudar seu sobrinho a iniciar uma nova vida por lá.
Apesar de a Síria mal aparecer no noticiário ocidental ultimamente, o homem reclama que a situação no país ainda é complicada. “As pessoas não aguentam mais a guerra e o caos político. Os jovens querem deixar o país e fazer algo de suas vidas.”
Ao ser perguntado sobre quem deveria ser responsabilizado pelo acidente com a embarcação na costa grega, ele afirma: “Todos somos responsáveis.” Ele diz que há muitos anos não há solução alguma, seja para os sírios, seja para as muitas outras pessoas que buscam proteção internacional na Europa e arriscam suas vidas na tentativa de consegui-la. “São tantos os mortos, e o mundo apenas observa.”
Atrás dos arames farpados
Cerca de meia hora ao norte de Atenas está localizado o centro de registro e identificação de requentes de refúgio Malakasa 2, financiado pela União Europeia (UE) e administrado pela Grécia. A maioria dos sobreviventes do naufrágio foram abrigados no local, atrás de arames farpados e catracas eletrônicas, diante das quais fica o serviço de segurança. Alguns jornalistas se agrupam atrás de uma fita de bloqueio, na esperança de conversar com sobreviventes.
O Ministério da Imigração grego assegura que o processo de registro avança rapidamente. Até esta quarta-feira (21), 41 homens puderam completar o processo e deixar o local, afirmou a pasta. Ninguém deles, no entanto, quer falar com a imprensa.
“Orientamos as pessoas a não falar com jornalistas”, afirmou Manos Logothetis, do Ministério da Imigração. Isso seria somente para a proteção dos refugiados, mas, segundo afirmou, é claro que a decisão caberia a eles próprios.
No local, porém, a impressão é outra. Nas poucas e breves conversas que a DW conseguiu ter com os refugiados, transpareceu que eles temem que o contato com jornalistas possa ter impacto negativo sobre seu processo de refúgio. Uma das pessoas contou à DW que não tinha permissão para deixa o abrigo.
Migrantes denunciam Guarda Costeira
Os sobreviventes do naufrágio podem também estar sendo pressionados em razão de um vídeo que circulou nas redes sociais há poucos dias, no qual dois paquistaneses falavam à câmera atrás de uma cerca e faziam graves acusações contra a Guarda Costeira grega.
Eles dizem que a causa da tragédia teria sido uma tentativa fracassada da Guarda Costeira de rebocar a embarcação dos migrantes, que fez com que ela afundasse. O vídeo gerou uma onda de repúdio.
Um sobrevivente sírio que se encontra no campo de refugiados e com quem a DW teve contato por telefone, confirmou o relato dos paquistaneses. “Estávamos sendo puxados por outro barco, quando adernamos”, disse o homem. Ele, no entanto, não soube dizer que tipo de barco fazia o reboque.
A Guarda Costeira grega nega a acusação. A versão oficial é que eles tentaram ajudar e amarrar o barco com uma corda, mas que as pessoas o jogaram na água. O Ministério da Marinha, responsável pela Guarda Costeira, rejeitou pedidos de entrevista feitos pela DW e indicou somente seus comunicados de imprensa.
O que dizem autoridades gregas
No último domingo, a emissora britânica BBC divulgou uma pesquisa que gerou novos questionamentos. Utilizando dados de um portal de internet que rastreia a movimentação de embarcações, um relatório concluiu que o barco com os migrantes mal se moveu durante as sete horas que antecederam o desastre.
A Guarda Costeira, porém, afirmara que a embarcação seguia uma rota constante rumo à Itália. Também não se sabe por que não há imagens de vídeo do incidente, apesar de a embarcação da Guarda Costeira ser equipada com câmeras.
A Guarda Costeira grega já foi repetidas vezes acusada de fazer com que barcos de migrantes não conseguissem manobrar, de maneira intencional. Dessa maneira, os ocupantes das embarcações teriam negado o acesso ao sistema europeu de refúgio. Muitos desses casos estão documentados, inclusive com vídeos. Apesar disso, Atenas insiste em afirmar que age dentro das leis, mesmo no caso do desastre da semana passada.
Uma investigação iniciada pelo Ministério Público grego sobre o caso não é suficiente, afirma Chloe Powers da ONG Border Violence Monitoring Network (Rede de Monitoramento da Violência em Fronteiras). Há vários anos a ONG documenta crimes contra os direitos humanos nas fronteiras da Grécia. As investigações anteriores, realizadas pelas próprias autoridades gregas, sempre terminaram de maneira favorável à Guarda Costeira, aponta Powers.
Monitoramento independente
Neste caso, Powers também enxerga pouco interesse por parte do governo em trazer luz aos fatos. Ela diz que as autoridades gregas erram ao manter o foco nos nove egípcios que também estavam no barco e agora estão presos em Kalamata, acusados de tráfico humano.
Dessa forma, diz ela, a própria imigração estaria sendo criminalizada. Para ela, o acidente resulta essencialmente das políticas da UE para barrar requerentes de refúgio.
“Para garantir mais transparência, proteger os direitos fundamentais e agir contra a violência sistêmica nas fronteiras, são necessários mecanismos independentes de monitoramento, que também devem envolver membros da sociedade civil”
, afirma.
Esta seria a única maneira de investigar com transparência até que ponto instituições de países da UE estão envolvidas em violações de direitos humanos.
*Com informações do IstoÉ
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