Quase cinco vezes mais pessoas morrerão provavelmente devido ao calor extremo nas próximas décadas, alertou uma equipe internacional de especialistas nesta quarta-feira (15), acrescentando que, sem ação sobre as alterações climáticas, a “saúde da humanidade corre grave risco”. O calor letal é apenas uma das muitas formas pelas quais o uso ainda crescente de combustíveis fósseis no mundo ameaça a saúde humana, de acordo com o relatório Lancet Countdown.
A pesquisa, resultado de uma colaboração internacional de 114 cientistas de 52 centros de pesquisa e agências da ONU de todo o mundo, monitora os impactos das mudanças climáticas na saúde e é publicada anualmente pela revista científica The Lancet, a mais importante sobre medicina.
Secas mais comuns colocarão milhões de pessoas em risco de morrer de fome, os mosquitos que se espalham mais longe do que nunca levarão doenças infecciosas e os sistemas de saúde terão dificuldades para lidar com o aumento sem precedentes de pacientes, alertaram os investigadores. A terrível avaliação surge durante aquele que se espera que seja o ano mais quente da história da humanidade — na semana passada, o monitor climático europeu declarou que outubro foi o mais quente de que se tem registro até agora.
O alerta surge antes das conversações climáticas COP28 em Dubai, no fim deste mês, que pela primeira vez acolherão um “dia da saúde”, em 3 de dezembro, enquanto os especialistas tentam esclarecer o impacto do aquecimento global na saúde.
Apesar dos crescentes apelos à ação global, as emissões de carbono relacionadas com a energia atingiram novas máximas no ano passado, afirma o relatório Lancet Countdown, destacando ainda enormes subsídios governamentais e investimentos de bancos privados em combustíveis fósseis que aquecem o planeta.
‘Crise em cima de crise’
No ano passado, pessoas em todo o mundo foram expostas a uma média de 86 dias de temperaturas potencialmente fatais, de acordo com o estudo. Cerca de 60% desses dias foram duas vezes mais quentes devido às mudanças climáticas. O número de pessoas com mais de 65 anos que morreram devido ao calor aumentou 85% entre 1991-2000 e 2013-2022.
“No entanto, estes impactos que vemos hoje podem ser apenas um sintoma inicial de um futuro muito perigoso”,
disse Marina Romanello, diretora executiva do Lancet Countdown, em entrevista a jornalistas.
Em um cenário em que o mundo aqueça dois graus Celsius até ao fim do século (atualmente está no caminho certo para 2,7ºC), as mortes anuais relacionadas com o calor extrema foram projetadas para aumentar 370% até 2050. Isso representa um aumento de 4,7 vezes mais. Mais 520 milhões de pessoas sofrerão de insegurança alimentar moderada ou grave até meados do século, de acordo com as projeções.
E as doenças infecciosas transmitidas por mosquitos continuarão a se espalhar. A transmissão da dengue aumentaria 36% em um cenário de aquecimento de 2°C, segundo o estudo. Mais de um quarto das cidades analisadas pelos investigadores afirmaram estar preocupadas com o fato de as alterações climáticas sobrecarregarem a sua capacidade de resposta.
“Estamos enfrentando uma crise em cima de uma crise”, disse Georgiana Gordon-Strachan, uma das autoras do Lancet Countdown, cuja terra natal, a Jamaica, vive atualmente no meio de um surto de dengue. “As pessoas que vivem nos países mais pobres, que muitas vezes são menos responsáveis pelas emissões de gases de efeito de estufa, estão suportando o peso dos impactos na saúde, mas são menos capazes de aceder ao financiamento e à capacidade técnica para se adaptarem às tempestades mortais, à subida dos mares e às secas que destroem as colheitas, todos agravados pelo aquecimento global.”
‘Olhando para o barril’
O secretário-geral da ONU , António Guterres, respondeu ao relatório dizendo que “a humanidade está diante de um futuro intolerável”.
“Já estamos vendo uma catástrofe humana se desenrolando, com a saúde e os meios de subsistência de milhares de milhões de pessoas em todo o mundo ameaçados por um calor recorde, secas que provocam perdas de colheitas, níveis crescentes de fome, surtos crescentes de doenças infecciosas e tempestades e inundações mortais”,
disse ele, em um comunicado.
Dann Mitchell, presidente de riscos climáticos na Universidade de Bristol, no Reino Unido, lamentou que os alertas de saúde “já catastróficos” sobre as alterações climáticas “não tenham conseguido convencer os governos mundiais a reduzir as emissões de carbono o suficiente para evitar a primeira meta do Acordo de Paris de 1,5°C”.
A ONU alertou na terça-feira que os atuais compromissos dos países reduzirão as emissões globais de carbono em apenas 2% até 2030 em relação aos níveis de 2019 — muito aquém da queda de 43% necessária para limitar o aquecimento a 1,5ºC. Romanello, por sua vez, disse que se não forem feitos mais progressos nas emissões, “a crescente ênfase na saúde durante as negociações sobre alterações climáticas corre o risco de ser apenas palavras vazias”.
*Com informações do O Globo
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