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Desafios

Os efeitos da seca histórica no mercado pesqueiro do Amazonas

Estudiosos pedem o aumento do período do defeso para algumas espécies de peixes

Foto: Ruth Judá

A estiagem histórica que atingiu o Estado do Amazonas mudou a perspectiva de vida de muitos amazonenses, principalmente daqueles que dependem dos rios para sobreviver. Se por um lado, os peixes não conseguiram manter-se vivos, pescadores também batalharam para sobreviver vendo seu principal sustento morrer diante de seus olhos. Os lagos secaram e bancos de areia tornaram-se perceptíveis na paisagem, surpreendendo tanto as comunidades ribeirinhas, quanto os pesquisadores da área.

Responsável pela falta de chuvas e, consequentemente, pela descida abrupta do nível das águas, o El Niño influenciou o clima e o cenário ambiental do Amazonas. A situação tornou-se ainda mais preocupante após a Organização Meteorológica Mundial alertar que é possível que o El Niño continue até abril de 2024.

Como consequência do evento, a temperatura das águas também aumenta, colocando em risco, a vida das espécies que ali vivem. Em Manacapuru, no Lago do Piranha, milhares de peixes apareceram mortos, boiando na localidade, contaminando assim, a pouca água existente no local. Entrando no mês de dezembro, os impactos diretos da seca não atingem mais a grande massa, mas as consequências do fenômeno preocupam profissionais da área.

Recuperação da pesca

Pescador Evandro Maia/Arquivo Pessoal

Uma das principais atividades atingidas pela seca no Amazonas foi a pescaria. No auge da vazante, em setembro, o pescador Evandro Maia, relatou ao Em Tempo as dificuldades de continuar sua atividade com o nível do Rio Negro descendo centímetros por dia.

“Pescar fica mais difícil. Nessa época, os lagos secam, é mais difícil de pescar, para viajar, tudo fica mais difícil; para chegar onde tem peixe, você tem que se deslocar bastante. A despesa aumenta, hoje tudo é caro. É mais difícil para o próprio pescador sobreviver nesta época que o rio seca”,

contou o morador do bairro do Puraquequara.

Em decorrência da seca dos rios e da escassez de peixes, o pescador foi obrigado a aumentar os preços e repassar para os consumidores para não ficar no prejuízo.

“Tem que aumentar. Como fica mais dificultoso, a despesa que a gente tem para poder conseguir o pescado se torna maior e somos obrigados a repassar esse preço para o consumidor, porque como você tem uma despesa maior e a produção de pescado diminui. Para não ficar no prejuízo e ir sobrevivendo do pouco que a gente pega, temos que aumentar o preço. São duas classe que sofrem, a primeira é o pescador e o último é o consumidor”,

salientou Evandro.

Três meses depois, a situação ainda é difícil. Mesmo que nos últimos cinco dias, o nível do Rio Negro, em Manaus, tenha elevado 53 cm, segundo o Governo do Amazonas, a atividade de pesca nos rios da Amazônia requer muita paciência e cuidado.

“Ainda não está muito bom de pescar não, ainda está muito difícil, porque a água está muito pouca, para o nível que fica melhor a pescaria. A prova disso é que ainda está escasso a pescaria, porque o preço do pescado ainda continua alto”,

destacou Maia.

A chuva tão esperada pelos manauaras se fez presente na virada do mês, entre novembro e dezembro. Apostando na recuperação do nível do rio, a esperança na normalização das calhas animou a população do estado, mas segundo especialistas, é necessário ter cautela.

“Ainda não se pode dizer que o movimento de subida representa um retorno para as condições normais, pois os níveis ainda estão muito abaixo do esperado para a época devido à vazante extrema ocorrida, entretanto, pode-se afirmar que o processo de enchente já está em curso”,

informou o Serviço Geológico do Brasil.

Período de Defeso

Foto: Divulgação/Ipaam

Com a recuperação do nível das águas cada vez mais contínua, o retorno das atividades de pesca é aguardado pela categoria. No entanto, o período de defeso coloca em risco a vida das espécies que sobreviveram à estiagem.

De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, o defeso é a paralisação temporária da pesca para a preservação das espécies, tendo como motivação a reprodução e/ou recrutamento, bem como paralisações causadas por fenômenos naturais ou acidentes. Garantido por lei, nesta época, é feito, ao pescador profissional artesanal, o pagamento de seguro-defeso, no valor de 1 (um) salário-mínimo mensal, que é o seguro-desemprego especial.

A Secretaria de Meio Ambiente do Amazonas (Sema) apontou as espécies que entraram no período de defeso, que iniciou no último dia 15. Conforme a pasta, compõe o defeso no estado as seguintes espécies: caparari, surubim, pirapitinga, mapará, sardinha, pacu, aruanã e matrinxã.

O pescador Evandro Maia mantém o pensamento positivo mesmo com a chegada do defeso, já que neste período, as espécies poderão se recuperar dos meses afetados pela vazante.

“Dia 15 de novembro começou o período de defeso, tem umas espécies que entraram na lista do defeso e a gente não pode pescar. Só a natureza que dirá o futuro do pescador aqui no Amazonas, porque a gente, como ser humano, a gente não tem nem noção do que está acontecendo no rio. Só temos esperança”,

reiterou o profissional.

De acordo com especialistas, a lista do defeso ainda poderá aumentar. A Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) divulgaram um estudo apontando que o jaraqui, peixe mais consumido na Amazônia, está perdendo, de forma rápida, sua diversidade genética em razão da sobrepesca.

Por conta disso, os profissionais recomendam que o jaraqui também integre a lista de espécies protegidas pelo defeso.

“Esperamos que antes de tudo, o Jaraqui entre na lista do defeso, pois é a única forma para ter uma pesca de fato sustentável da espécie”,

enfatizou a pesquisadora do Departamento de Genética do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Amazonas.

Entre tantos desafios, o mercado pesqueiro amazonense se prepara para enfrentar as consequências da maior vazante em 121 anos de contagem.

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