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Zoonose

Casos de esporotricose crescem em Manaus e tutores alegam dificuldades no tratamento

Em Manaus, os números de animais diagnosticados com esporotricose aumentaram 479% de 2020 para 2021. A tendência do aumento ainda persiste em 2022

Foto: divulgação

Manaus (AM) – Os casos de esporotricose cresceram radicalmente nos últimos dois anos em Manaus. A doença é um tipo de zoonose, infecção que pode ser transmitida entre humanos e animais. Diante do aumento da incidência da doença, algo que ameaça a saúde pública, muitos animais infectados não recebem o tratamento adequado e são submetidos a eutanásia indiscriminada, ação que fere a legislação.

Conforme a médica veterinária Fabiana Schmitt, os seres humanos podem contrair algumas zoonoses pelo contato com um animal contaminado, por comidas de origem animal ou ainda fômites contaminados. Assim, a transmissão e sinais clínicos podem variar de acordo com o tipo de zoonose. Um dos meios de prevenção das zoonoses é a vacinação e o acompanhamento com veterinário.

“Então, por exemplo, a doença da raiva vai ter sinais clínicos neurológicos, enquanto a dermatofitose apresenta sinais dermatológicos e assim vai variando de acordo com a doença. Em relação à prevenção e tratamento, muitas doenças podem ser prevenidas com a vacinação dos animais”, explica.

Um tipo de zoonose mais comum é a esporotricose, uma doença causada por um fungo da família Esporothrix, que é encontrado no solo e em materiais em decomposição, como folhas, galhos e madeiras. Conforme a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), caso o fungo entre em contato com a pele, por meio de cortes profundos, a doença pode se manifestar.

Por muito tempo, a esporotricose ficou conhecida como “a doença do jardineiro”, pois era vista comumente em áreas rurais. No entanto, a Fiocruz alerta que a doença também passou a incidir em áreas metropolitanas, principalmente em gatos.

“Nos gatos a esporotricose apresenta lesões na pele. Então, são observados nódulos e algumas lesões de pele, normalmente, na região da face. Sendo bem comum a ocorrência no nariz, nas orelhinhas e no focinho. São lesões bem escarificadas, avermelhadas, apresentando inflamação. Em alguns casos, também apresenta secreção”,

alerta a veterinária Fabiana.

Reação em humanos

Nos humanos, a esporotricose pode também causar úlceras e lesões na pele. Nos casos mais graves, segundo a médica, o quadro pode evoluir para uma sintomatologia, quando afeta órgãos como os pulmões e também as articulações.

Em Manaus, os números de animais diagnosticados com esporotricose refletem uma situação preocupante. Isso porque os casos da doença aumentaram 479% de 2020 para 2021.

Segundo os dados informados pela Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), foram registrados 39 atendimentos com esporotricose em 2020 na capital. Enquanto que no ano seguinte houve um salto de casos que chegou a 226 atendimentos.

A tendência do aumento ainda persiste em 2022. Apenas nos primeiros três meses do ano, houve cerca de 70 atendimentos de animais com a doença, quase o dobro dos casos totais durante o ano inteiro de 2020.

Aumento de casos tem gerado preocupação

Os bairros de Manaus que mais tiveram casos de esporotricose, nos últimos três anos, conforme as informações da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (Semsa), são: Santo Antônio, Glória, Compensa e São Raimundo. Todos os cinco bairros ficam localizados na Zona Oeste da cidade, o que indica uma concentração da doença em determinada região.

Gato Xande

O jornalista Vinícius Leal e a amiga Ana Paula acompanham de perto os problemas da esporotricose nos felinos. A dupla ajuda com o financiamento do tratamento de dois gatos com esporotricose. Segundo Vinícius, o dono do gato vive em condições precárias e não possui recursos suficientes para pagar pelo tratamento do gato nomeado como “Xande”.

Após idas ao Centro de Controle de Zoonose de Manaus em 2020, o gato Xande mostrou sinais de melhora da doença, porém, após um tempo, ela retornou, e piorou em 2022. Nildo, o tutor do gato, ficou desesperado ao saber dos médicos veterinários do CCZ que a única opção era a eutanásia em Xande, pois o tratamento com remédios intravenosos, como itraconazol, não surtiu efeito no combate à doença.

Assim, na sala do CCZ, Nildo conheceu Ana Paula e explicou sua situação e o caso do gato Xande. Ana Paula se sensibilizou e, juntamente com o amigo Vinícius Leal, resolveram arcar com os custos do tratamento do gato em uma clínica veterinária.

Na clínica, Vinícius e Ana Paula ficaram surpresos com o novo tratamento. Primeiro, porque na nova clínica as doses de itraconazol eram maiores.

Nesse momento, Vinícius e Ana Paula descobriram que as doses de remédios que os médicos da CCZ pediam eram inferiores ao procedimento recomendado pelas diretrizes da Fiocruz. Além do itraconazol, o novo tratamento também demanda de
outros medicamentos.

Após um mês, o gato Xande apresentou melhoras na nova clínica

No total, os custos com medicamentos e outros itens solicitados para tratar Xande chegam a aproximadamente R$ 3 mil.

“A gente vem fazendo vaquinha na internet e campanha. Estamos fazendo agora um sorteio de um bordado e de um jantar para duas pessoas em um churrasco para tentar angariar fundos. Também divulgamos nas redes sociais para pedir que as pessoas doem, para a gente cuidar dessa situação”, conta Vinícius.

Denúncia

O Em Tempo recebeu denúncias de que os casos de esporotricose começaram a se expandir para outras regiões de Manaus. Conforme o defensor da causa animal Jorge Gomes*, há casos de esporotricose identificados no bairro Parque Dez e São Geraldo, localizados na Zona Centro-Sul da capital amazonense.

O defensor também aponta as más condutas do Centro de Controle de Zoonose de Manaus (CCZ) em relação aos protocolos de atendimento de animais diagnosticados com esporotricose.

Segundo Jorge, o CCZ não atua em resgatar os animais de ruas com a zoonose, ação que fica sob responsabilidade de pessoas sensibilizadas com os animais doentes. O centro também não conta com uma infraestrutura adequada para isolar os animais doentes.

“O isolamento é fundamental no combate ao surto da esporotricose e também é o “calcanhar de Aquiles” do CCZ, que não possui pessoal nem para captura e resgate e nem infraestrutura para abrigar a quantidade de animais de rua em Manaus sob a doença”, afirma Jorge.

afirma Jorge.

Além disso, Jorge denuncia a prática do centro de eutanasiar animais diagnosticados com esporotricose, mas que possuem chances de cura. Em uma das conversas do defensor de animais com o CCZ pelo Whatsapp, o centro afirma que caso o dono não queira continuar o tratamento, o animal será eutanasiado.

Conversa de Jorge com o Centro de Controle de Zoonose (CCZ-AM) em Manaus sobre o processo de atendimento do animal

A ação de eutanasiar animais com zoonose de forma indiscriminada vai contra a Lei 14.228/21, que proíbe os centros de zoonose e canis de realizarem o procedimento que promove a morte indolor de animais com zoonose. A lei permite a eutanásia apenas em casos de doenças graves ou doenças incuráveis.

A Fiocruz ressalta que a esporotricose tem tratamento e cura. Enfatiza também que o diagnóstico dos animais pode ser feito em clínicas veterinárias. “Por isso, o animal com suspeita de esporotricose não deve ser abandonado, maltratado ou sacrificado”, afirma o instituto.

CCZ nega

Ao Em Tempo, o diretor do CCZ, Rodrigo Araújo Rodrigues, disse que a denúncia não procede com as práticas reais do centro. De acordo com o diretor, o animal com esporotricose é submetido a um exame para confirmar a doença. Após a constatação, o animal é tratado.

O diretor também afirmou que o CCZ prescreve receita médica, porém não disponibiliza os medicamentos para tratar o animal, item que precisa ser providenciado pelo próprio dono do animal, e informou que em breve o centro vai assegurar o fornecimento dos remédios.

Ao ser questionado sobre quais são os procedimentos realizados em casos de donos que não podem arcar com os custos dos medicamentos, o diretor afirma que a pessoa que leva o animal até o centro é a responsável.

“Por mais que o animal seja de rua, o animal não vai lá no CCZ pedir ajuda, né? Alguém que pede ajuda por ele. É essa pessoa que se responsabiliza pelo animal”, afirmou Rodrigo.

afirmou Rodrigo.

Em nota, o Centro de Controle de Zoonose alega que caso a suspeita da doença seja confirmada, “a equipe do CCZ faz a remoção do animal até o laboratório do CCZ para possível eutanásia. Evitando assim a contaminação de outros animais nas ruas da comunidade”, diz a nota.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Amazonas (CRMV-AM) informou que a denúncia precisa ser apurada, assim como a situação em que elas ocorreram. As denúncias sobre práticas inadequadas de médicos podem ser realizadas no site oficial: https://www.crmv.am.gov.br/ .

Em nota, a Semsa informou que o CCZ realiza eutanásias “apenas nos casos de animais que cumprem os requisitos estabelecidos pela legislação vigente”.

Saúde pública

A veterinária explica que a zoonose é questão de saúde pública, visto que a doença afeta diretamente os humanos. Assim, para Fabiana, a doença pode ser combatida à medida que sejam aplicadas ações tanto para saúde animal quanto à saúde humana.

“Hoje a gente tem o conceito ‘One Health’, que significa saúde única e é utilizado mundialmente. Esse contexto defende que precisamos prezar pela saúde animal, saúde ambiental e saúde humana”, completou.

explica a veterinária.

*nome fictício para proteção de identidade da fonte

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