O município de Tapauá, quinto maior do país em extensão, no sul do Amazonas, representa uma ilha de resistência na principal fronteira do desmatamento da Amazônia.
Ao abrigar grandes dimensões de áreas protegidas, como Unidades de Conservação e Terras Indígenas, com forte presença de populações tradicionais que buscam alternativas sustentáveis na bioeconomia, o lugar é palco de iniciativas que fortalecem a governança territorial e a organização social como estratégia para melhorar as condições de vida da população e barrar impactos à cultura e biodiversidade no Médio Purus.
O resultado se evidencia no engajamento de jovens e mulheres em atividades de renda com produtos da biodiversidade.
“Promover territórios fortes e resilientes, inclusive na adaptação climática, é chave na construção de uma base sólida para a autonomia de comunidades e povos indígenas em região crítica, que precisa de mais atenção do Estado”, afirma a líder da Iniciativa de Governança Territorial do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam), Fernanda Meirelles.
Com financiamento da Rainforest Association, a instituição executa no município, há três anos, o projeto Governança Socioambiental Tapauá, que desenvolve parcerias locais para a gestão comunitária, capacitação em boas práticas produtivas e acesso a políticas públicas com o objetivo de incentivar a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais.
A estratégia contribui para conter a grilagem de terras e o desmatamento para a retirada ilegal de madeira.
O município se localiza na área de influência da BR-319 – rodovia que liga Manaus a Porto Velho, cujo licenciamento para a obra de pavimentação do chamado “trecho do meio”, no coração da floresta amazônica ainda bem conservada, tem sido alvo de controvérsias e ações judiciais devido aos riscos sociais e ambientais.
“Hoje já existe a pressão do desmatamento ilegal e da abertura de ramais (estradas menores vicinais), até mesmo em unidades de conservação e terras indígenas”, aponta Meirelles.
Entre 2022 e 2023, período em que o projeto socioambiental começou a ser executado em Tapauá, o desmatamento no município caiu 9%, de 333 ha, em 2022, para 304 ha, em 2023.
Na Floresta Estadual (FES) Tapauá, uma das mais pressionadas da região, o índice diminuiu 77% no período. O quadro reflete a queda do indicador na área de influência da BR 319 como um todo em 2023.
Em outubro de 2024, porém, a maioria dos 13 municípios sob influência da BR-319 registrou aumento no dado, de acordo com o levantamento mensal.
A expectativa é consolidar um modelo socioambiental de referência, dentro de um processo que começou pelo resgate e fortalecimento de três associações comunitárias em diferentes territórios, inclusive indígenas.
Elas passaram a ocupar espaços nas agendas da agricultura familiar, uso sustentável e conservação da floresta, com voz no Conselho Municipal de Meio Ambiente. “Conseguiram, assim, maior controle social na gestão pública”, ressalta Meirelles.
As atividades do Idesam atingem mais de 170 famílias, em Tapauá. Junto ao fortalecimento da gestão comunitária, foram realizados cursos de capacitação nas cadeias produtivas do artesanato, óleo de copaíba e meliponicultura.
O projeto atual é avançar na comercialização de produtos da sociobiodiversidade – como o açaí de extrativismo, de maior valor agregado e alto potencial na região, mas ainda pouco explorado pelas comunidades, hoje mais dedicadas à agricultura familiar e à pesca.
“Em região estratégica, fortalecer as organizações locais é fundamental para enfrentar o desmatamento”, destaca o analista do Idesam que atua no projeto, Thiago Franco.
Situado a três dias de barco de Manaus, Tapauá sofreu os impactos severos da recente seca amazônica, colocando em evidência a urgência de ações de adaptação climática.
A formalização e o maior acesso a políticas públicas, diz Franco, resultam na capacidade de receber novos projetos e parcerias, com maior envolvimento da juventude.
Entre as iniciativas, jovens do povo Apurinã no município foram capacitados para monitorar os seus territórios por aplicativos de celular, com emissão de dados sobre ameaças como caça e abertura de acessos para exploração ilegal de madeira.
Em novembro, os indígenas participaram de curso para uso de drones na identificação de queimadas e defesa territorial. Há riscos, como os impactos da AM-366, rodovia que foi projetada para ligar a sede do município à BR-319 e ramais já abertos degradam a floresta.
Na Associação das Mulheres Indígenas Artesãs de Tapauá (Amiata), a formalização deu novo estímulo e abriu portas para uma parceria com o Fundo Casa, que financiou ações como uma oficina de artesanato, resgatando tradições culturais e qualificando para o uso de novas técnicas e materiais obtidos da biodiversidade.
Após a atividade, as indígenas fizeram a primeira compra de sementes, fios e outros insumos para início da produção. No momento, o grupo é apoiado na gestão financeira e acabamento dos produtos, preparando-se para a comercialização.
Além disso, por meio de um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com a Secretaria de Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedect) e com a Secretaria Executiva do Trabalho e Empreendedorismo (Setemp), já foram cadastradas 18 artesãs para a emissão da Carteira Nacional do Artesão, que possibilita ao usuário a possiblidade de ter o reconhecimento formal da sua produção artesanal ou da condição de mestre artesã.
“A ideia é ir além dos balaios, cestos e abanos com fibras amazônicas como na tradição dos mais antigos”, explica a indígena apurinã Sandra Batista, vice-presidente da Amiata, que abrange mais de 30 comunidades.
Segundo ela, a iniciativa – hoje conduzida diretamente por 20 mulheres – promove maior autonomia e empoderamento. Como pano de fundo, diz a indígena, está o desafio de unir forças contra o desmatamento em região de conflitos com grileiros, como no rio Ipixuna, onde há terra indígena em processo de demarcação.
“Precisamos abraçar a causa e as oportunidades para avançar em novos projetos, diante da necessidade de melhorias”, reforça Batista.
Na Aldeia Trevo, na FES Tapauá, os Apurinã realizaram duas vendas de óleo de copaíba do território em parceria com outra organização comunitária, a Aspacs, também participante de projetos do Idesam, situada no município vizinho de Lábrea (AM). “A realidade atual é de abandono pelo poder público”, aponta Firmiano Silva, vice-presidente da Associação Agroextrativista dos Moradores da Floresta Estadual Tapauá (Aamfet), apoiada pelo Idesam. Alvo de invasões por madeireiros, a área é habitada por 12 comunidades ribeirinhas que se preparam para avançar na bioeconomia: “Existe grande riqueza de castanha, breu e outros produtos para indústrias, mas faltam compradores”, diz Silva.
Não existe infraestrutura mínima de logística e comercialização. “Só a maior valorização da sociobiodiversidade, sem desmatamento, poderá mudar a realidade da região”, enfatiza Silva, defendendo parceria com organizações indígenas para fortalecer o uso sustentável pelo extrativismo na FES Tapauá, de 881 mil hectares.
Todas as ações executadas no âmbito do projeto Governança Socioambiental Tapauá visam gerar um ambiente propício ao fortalecimento e desenvolvimento de cadeias da sociobiodiversidade com potencial regional, isso se dá, principalmente, pela formalização e melhoria da gestão das organizações sociais para que elas possam gerir estas atividades, terem acesso a políticas públicas e construírem relações com diferentes atores envolvidos no processo.
*Com informações da assessoria
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