No Dia do Consumidor, celebramos algo que transcende o simples ato de comprar: o poder de ser visto. Se você não tem poder de compra, torna-se invisível. E não se trata apenas de uma invisibilidade física, mas de uma exclusão simbólica — sua existência é apagada do mosaico social como um erro de cálculo. Quem não consome vira um fantasma, um rascunho de humano que o sistema insiste em deletar.
A sociedade, como bem observou Michel Foucault, é uma máquina de produzir corpos dóceis e desejos úteis. O poder não se exerce apenas pela repressão, mas pela produção de verdades que nos governam. E qual “verdade” nos é vendida? A de que os triunfadores são aqueles que exibem marcas, viagens e gadgets como medalhas de guerra. Byung-Chul Han, em Sociedade do Cansaço, aponta que: “A sociedade do desempenho transforma todos em empreendedores de si mesmos”, condenando-nos a uma exposição permanente. O pacote para o Caribe no Instagram não é luxo, mas uma estratégia de sobrevivência: sinalizamos poder de consumo para não sermos engolidos pela invisibilidade social.
O desejo pelo “possuir” não brota do vazio. Ele é irrigado por uma engrenagem bem lubrificada. O mercado opera com um marketing tão sedutor quanto irresistível, tendo a publicidade como a arte de fazer alguém sentir necessidade do que nem sabia que existia. De repente, aquele produto que custa metade do seu salário mensal passa a ser essencial. Você precisa dele para pertencer ao grupo, para não cair na vala comum da invisibilidade. As corporações, como mestres da “biopolítica”, administram a vida por meio de mecanismos que transformam sonhos em dívidas.
Enquanto isso, o pesadelo se materializa: o endividamento das famílias subiu para 76,4% em fevereiro de 2025 (dados da CNC, 2025). Compramos identidades parceladas e, como alerta Han, a autoexploração é mais eficiente que a repressão, pois o indivíduo se entrega ao sistema acreditando estar se realizando. A importância social baseia-se no que o sujeito possui. No entanto, quanto mais fugimos do pavor da desimportância, mais cavamos nossa própria armadilha.
A Lei do Superendividamento (Lei 14.181/21) surge como um gesto de humanidade em meio ao delírio coletivo do consumismo. Essa legislação busca proteger o consumidor vulnerável, permitindo que suas dívidas sejam renegociadas de forma justa, evitando que ele perca completamente sua capacidade de subsistência. Mas, como diria Bauman, as soluções líquidas evaporam rápido. A lei é um alívio momentâneo, uma bengala para quem tropeçou, mas não trata a raiz do problema. Enquanto continuarmos definindo nossa identidade pelo que consumimos, estaremos presos a esse ciclo vicioso. E estamos distraídos demais com promoções relâmpago, Black Fridays e slogans brilhantes para perceber que talvez haja outra maneira de existir.
Portanto, neste Dia do Consumidor, proponho uma pausa. Antes de clicar no botão “comprar agora” ou aderir à próxima oferta imperdível, pergunte-se: o que realmente me define? Será que minha felicidade cabe dentro de uma sacola de compras? Ou será que precisamos reaprender a enxergar valor além do que podemos pagar? Afinal, como dizia Guimarães Rosa, “o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente no meio da travessia.” Talvez seja hora de atravessarmos essa jornada consumista com menos pressa e mais consciência.
Por Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque
Raimundo Fabrício Paixão Albuquerque é advogado, psicólogo, filósofo, mestre em sociedade e cultura e professor dos cursos de Psicologia e Direito da Wyden.
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