Manaus ocupa o assustador topo da lista das capitais com maior sobrepeso do Brasil. Contraditoriamente, o ideal de beleza segue sendo de corpos magros e esbeltos. Nesse cenário antagônico, com o imediatismo da sociedade moderna que sempre busca uma solução milagrosa para todos os problemas, as canetinhas para tratamento de diabetes se tornaram objeto de desejo e, até pouquíssimo tempo atrás, antes da legalização no Brasil, de contrabando.
Mas por que tanto desejo nessas canetas? E tem efeito mesmo? Existem consequências? Vamos por partes.
O uso de medicamentos para finalidades estéticas não é novidade, que o diga a reposição hormonal e o famoso chip da beleza. Não confundam: existem muitos casos em que é necessário fazer reposição hormonal para corrigir disfunções metabólicas e inclusive por conta da idade. Mas esse tipo de tratamento se popularizou quando começou a ser feito com finalidade exclusivamente estética, o que não é recomendado nem pelo Conselho Federal de Medicina nem pela Anvisa.
No caso da febre do Mounjaro, os números explicam a febre do momento: enquanto as canetinhas que já existiam estimulavam apenas uma substância chamada GLP-1 (hormônio que regula a glicose e controla o apetite), a tirzepatida (sim, esse é o nome técnico do Mounjaro) estimula ele e o GIP, que é um inibidor gástrico que também inibe o apetite, potencializando muito o efeito. O resultado desse mecanismo de ação inovador é que a média de perda de peso com o Mounjaro, de 22%, chega perto do resultado de uma cirurgia bariátrica, que é de 25%. Isso sem internação, sem risco cirúrgico, sem interromper as atividades. Muito tentador, não é? Exatamente essa “facilidade” que gerou a busca desesperada pelas canetinhas mágicas que apresentam resultado rápido com baixo esforço.
Mas… e as consequências a longo prazo? Como tudo na vida, nem tudo são flores. O uso indiscriminado pode trazer problemas graves de saúde, como pancreatite, problemas na vesícula e até falência múltipla de órgãos. Outros efeitos menos graves, mas mais frequentes, são náuseas, vômitos e diarreia intensos. Sem contar que há o risco de ganho de todo peso de volta depois do término do tratamento, por um motivo muito simples: o estômago é um tecido elástico. Aumenta e diminui conforme a necessidade. Se fizer uso de um tratamento desses por um curto espaço de tempo, mas não alterar os hábitos que fizeram você engordar, adivinha? Isso mesmo, além de ter grandes chances de ganhar todo peso de volta, ainda pode ter uma alteração da composição corporal bem negativa. É, meu amigo ou amiga, não tem milagre. Não tem milagre, tem que mudar os hábitos junto.
Uma vez, ouvi um médico gastroenterologista falar uma frase tão óbvia quanto chocante, e ele estava explicando o porquê de não fazer cirurgia bariátrica em seus pacientes: por que eu vou mutilar um órgão saudável (cortar o estômago) se o problema é psicológico (a compulsão)? Não há como negar que essa frase nos leva à reflexão e, automaticamente, responde o motivo de vermos muitos pacientes pós-bariátricos verem seus quilos voltarem com o tempo.
E nessa corrida desenfreada pelas canetinhas milagrosas, a indústria se aproveita para falar mal da concorrência só para defender o seu quinhão. Recentemente, várias matérias de jornais têm abordado as versões feitas por farmácias de manipulação, com informações que insinuam falta de controle de qualidade ou procedência duvidosa. Mais estranho ainda é nunca aparecer uma farmácia de manipulação ou farmacêutico nessas reportagens; são sempre outros mercados e profissionais da saúde que falam sobre as farmácias magistrais.
O que a população não sabe é que existe alto rigor no controle de qualidade desses estabelecimentos, todos registrados na Anvisa, mas são mecanismos diferentes dos das indústrias; daí já invalida a comparação. São processos e legislações diferentes, exatamente adequados para manter o rigor da qualidade de acordo com a finalidade de cada estabelecimento. E sim, as farmácias de manipulação possuem um controle de qualidade muito mais complexo que a maioria dos setores farmacêuticos, inclusive da indústria.
Mas qual o problema com as farmácias? É que não pagam royalties pelas substâncias ou marcas registradas, o que permite fazer um preço mais competitivo no mercado, incomodando os grandes. Mas vejam bem, também temos que lembrar que todos se aproveitam das modas: indústrias denunciando as farmácias por conta da competitividade, farmácias que “inventam” equivalentes naturais para se aproveitar da moda e fazem outras fórmulas, e pessoas que fazem contrabando para vender mais barato… No final, o bom senso e o acompanhamento do seu profissional de confiança fazem toda a diferença na condução de um tratamento adequado e saudável.
E nem pense que isso vai parar por aqui: já está em fase de registro no Brasil uma canetinha para tratamento da obesidade, ao contrário de todos os outros existentes que são registrados para tratamento de diabetes e usados de forma “off label” para emagrecer. A primeira será a liraglutida, princípio ativo do Saxenda. Em seguida, deverá ser lançada a canetinha emagrecedora da semaglutida, ativo do famoso Ozempic. Ainda não existe previsão de registro da tirzepatida como emagrecedor, mas enquanto isso, as receitas dessa substância, ainda nesse mês de junho, passam a ser controladas, com retenção de receita, para evitar o uso indiscriminado e garantir a saúde dos pacientes.
E você, prefere testar as novidades no impulso ou tem um perfil mais prudente e prefere fazer um acompanhamento adequado? Semana que vem vamos conversar sobre opções naturais e menos agressivas para emagrecimento.

(*) Natasha Mayer é Farmacêutica, formada pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM), pós-graduada em Cosmetologia pela Faculdade Oswaldo Cruz – SP, em Saúde Estética pela Biocursos e em Gestão de Empresas pela Fundação Dom Cabral. Mestre em Engenharia de Produção pela UFAM, CEO da Pharmapele Manaus e presidente da Associação dos Jovens Empresários e Empreendedores do Amazonas (AJE-AM).
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