São Paulo (SP) – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) voltou às ruas neste domingo (29), mas encontrou uma realidade bem diferente daquela dos tempos áureos de sua popularidade. Com pouco mais de 12 mil pessoas na Avenida Paulista, segundo estimativas extraoficiais, o ato teve adesão muito inferior às manifestações anteriores.

O próprio Bolsonaro reconheceu que não quer ser preso nem morto, mas fez um apelo direto por apoio político: pediu que seus aliados conquistem ao menos 50% da Câmara e do Senado em 2026.

“Eu mudo o destino do Brasil”, prometeu.

Mesmo inelegível até 2030, o ex-presidente tenta manter sua influência como presidente de honra do PL, apostando em sua capacidade de articulação para influenciar as eleições de 2026. O ato, no entanto, expôs o desgaste de sua liderança e sinalizou que seu poder de mobilização pode estar em declínio.

Discursos repetitivos e polarização desgastada

O tom do evento seguiu o roteiro conhecido: ataques ao Supremo Tribunal Federal, questionamentos sobre as eleições de 2022, críticas ao ministro Alexandre de Moraes e apelos à anistia dos envolvidos no 8 de Janeiro.

O pastor Silas Malafaia, um dos organizadores, chamou Moraes de “ditador” e acusou o STF de prender “inocentes por opinião”. O deputado Gustavo Gayer (PL-GO) chegou a exibir trechos de falas de ministros como prova de uma suposta “censura judicial”.

Bolsonaro também reiterou sua versão dos fatos em relação ao processo que enfrenta no Supremo:

“Me processam por uma fumaça de golpe”, disse, negando qualquer articulação golpista por falta de armas ou apoio institucional. Ele ainda afirmou que “jamais passaria a faixa para um ladrão”, em referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Anistia como palavra de ordem e defesa seletiva

A anistia aos presos pelos atos de 8 de janeiro voltou a ser defendida como “remédio constitucional”. Bolsonaro pediu publicamente que os Três Poderes “pacifiquem o Brasil” e afirmou que, embora vândalos devam responder por danos, muitos estão presos injustamente. A narrativa busca sustentar a tese de que as prisões foram motivadas por vingança política, e não por justiça.

“Egocentrismo político”: Janaína Paschoal confronta Bolsonaro

Entre os próprios apoiadores, a leitura é de que o ato revelou mais que um número baixo: revelou um esgotamento. A vereadora de São Paulo Janaína Paschoal (PP), que já foi entusiasta da ascensão bolsonarista, publicou críticas duras após o evento.

“Bolsonaro precisa entender o real significado do ato mais modesto de ontem. Não foi o jogo do Flamengo, nem as contas do fim do mês. 2026 já começou, e já passou da hora de Bolsonaro enxergar que, embora tenha força, não é a única força.”

Janaína ainda atribuiu o enfraquecimento do bolsonarismo ao “egocentrismo do Capitão”, que, segundo ela, afasta aliados e alimenta uma liderança personalista e pouco estratégica.

“O egocentrismo do Capitão começa a afastar até mesmo membros de sua família. Eu não quero a prisão de Bolsonaro e tenho apontado as muitas incongruências desse processo, mas é impossível deixar de vislumbrar a responsabilidade política dele pelo retrocesso terrível que vivenciamos”, completou a ex-deputada.

Direita fragmentada e busca por herdeiros

O comentário de Janaína reflete um sentimento que se alastra entre analistas políticos e antigos aliados: o bolsonarismo ainda resiste, mas já não domina. O desgaste do discurso — centrado em perseguição, revanchismo e suspeição eleitoral — parece não convencer uma parcela do eleitorado que busca novos caminhos na direita.

Com Bolsonaro inelegível, nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ganham musculatura nos bastidores.

Visto como mais moderado e tecnocrático, Tarcísio é hoje o nome mais cotado para liderar possível candidatura da direita em 2026. Mas sua associação ao bolsonarismo ainda é um dilema: herdar o eleitorado sem herdar os desgastes.

Fim da hegemonia bolsonarista?

Para manter relevância, a direita brasileira terá que oferecer mais que confronto. O país vive uma nova etapa — com inflação em queda, debate ambiental no centro e urgência por propostas concretas.

Os velhos mantras bolsonaristas, segundo especialistas, já não têm o mesmo eco. O desafio agora é transformar um movimento personalista em projeto político consistente. E isso passa por reconhecer que Bolsonaro talvez já não seja mais o centro gravitacional da direita.

Leia mais:
Bolsonaro deve ser preso até outubro, avaliam advogados e aliados