Segundo dados do Atlas da Violência 2025, entre 2022 e 2023, o número de homicídios de mulheres no Brasil cresceu 2,5%, atingindo uma média de 10 mulheres mortas por dia. O estudo aponta ainda que a letalidade atinge majoritariamente mulheres negras: em 2023, 68,2% das vítimas eram pretas ou pardas. Entre as causas dessas mortes, destacam-se casos motivados por ódio ou aversão ao gênero feminino, que em situações extremas configuram feminicídio, considerado crime hediondo desde 2015.

A legislação brasileira reconhece diferentes níveis de violência contra a mulher, buscando atuar de forma ampla. A Lei Maria da Penha classifica a violência em cinco formas principais: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, cada uma com consequências legais específicas. Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde, apontam um aumento na violência não letal: em 2023, foram registrados 177.086 atendimentos a mulheres vítimas de violência doméstica, um crescimento de 22,7% em relação a 2022.

Para a advogada e professora de Direito Aline Moura, é importante distinguir homicídio de feminicídio e os tipos de penas aplicadas. Ela explica que o homicídio ocorre quando a motivação do crime não está ligada ao fato de a vítima ser mulher. Por exemplo, uma mulher assassinada em um latrocínio (roubo seguido de morte). A pena para homicídio simples varia de 6 a 20 anos, podendo chegar a 12 a 30 anos caso haja qualificadoras, como motivo fútil, torpe ou uso de veneno.

Já o feminicídio é o assassinato da mulher em razão de sua condição de sexo feminino, motivado por ódio, menosprezo, dominação ou discriminação de gênero. Um exemplo seria um homem que mata a ex-companheira por não aceitar o término do relacionamento. A pena de reclusão é mais elevada, variando de 20 a 40 anos, podendo ser aumentada em determinadas circunstâncias.

Ciclo de violências e impactos na saúde mental

Identificar sinais de relacionamentos abusivos nem sempre é fácil, pois a violência se manifesta de forma gradual, envolvendo controle e manipulação emocional. A psicóloga Kalina Galvão ressalta que “a relação abusiva não é só violência física, mas também moral, psicológica, sexual e patrimonial”. Entre os sinais, estão isolamento social, ciúmes excessivo, controle da rotina, vestimentas ou comportamentos da parceira. Esses padrões configuram o ciclo da violência: tensão, explosão e reconciliação, dificultando o rompimento da relação.

Kalina destaca a relação direta entre violências de gênero e problemas de saúde mental, como transtorno de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, ideação e tentativa suicida, transtornos alimentares, distúrbios de sono e psicossomáticos. Segundo a OMS, mulheres vítimas de violência têm duas vezes mais chances de desenvolver depressão e três vezes mais chances de apresentar comportamento suicida do que mulheres que não sofrem abuso.

A estigmatização e culpabilização da vítima, muitas vezes mesmo após a morte, também é recorrente. Kalina reforça que “muitas mulheres não têm condições de perceber a gravidade da situação”, e que tais crimes não podem ser tratados como casos isolados, pois refletem uma cultura patriarcal que precisa ser transformada.

Fortalecimento da legislação

  • Crime autônomo: Com a Lei 14.994/2024, sancionada em outubro de 2024, o feminicídio deixou de ser apenas qualificadora do homicídio e passou a ser crime autônomo no Código Penal.
  • Aumento da pena: A pena mínima para feminicídio passou de 12 para 20 anos, podendo chegar a 40 anos de reclusão.
  • Agravantes da pena: A pena pode ser aumentada de 1/3 a metade em situações como: durante a gestação ou até três meses após o parto; se a vítima é mãe ou responsável por criança; contra menor de 14 anos, maior de 60 anos, com deficiência ou doença degenerativa; na presença de pais ou filhos; em descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha; ou com emprego de veneno, tortura, emboscada ou arma de uso restrito.

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