Manaus (AM) – Os acontecimentos dos últimos meses têm preocupado eleitores e candidatos quanto ao pleito, previsto para ocorrer no dia 2 de outubro. Em pouco menos de 80 dias para a votação, episódios graves e preocupantes de violência política se tornaram cada vez mais frequentes no país, como o caso do dirigente do PT, Marcelo Arruda, assassinado durante seu aniversário, por um bolsonarista.
Apesar do cenário de instabilidade que resulta em agressões não ser um problema recente, os casos de agressões por intenção política aumentaram significativamente nos últimos três anos no país.
Entre os estados que compõe a Amazônia, o Amazonas aparece na pesquisa como o terceiro em que mais foi catalogado casos de violência política, com um total de cinco casos, atrás apenas do Pará (13) e do Mato Grosso (6), e empatado com o Maranhão (5). No primeiro trimestre do ano, foi registrado apenas um caso. No entanto, nos meses de abril, maio e junho foram cerca de quatro ocorrências.
No primeiro trimestre, o estudo registrou um caso de ameaça política no estado, enquanto que no segundo trimestre, os tipos de violência foram: dois de agressão/agressão familiar; um de ameaça/ameaça familiar e um de homicídio/ homicídio familiar.
No Brasil, apenas no primeiro semestre de 2022, foram contabilizados cerca de 214 casos de violência política, conforme o levantamento feito pelo Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio). Os números são alarmantes, visto que no primeiro ano de realização do estudo, foram registrados apenas 47 casos de violência política do mesmo período, um crescimento de 335%.
Já em comparação com o ano de 2020, período em que foram realizadas as últimas eleições no país, para os cargos de prefeitos e vereadores, o estudo contabilizou, entre os meses de janeiro a junho daquele ano, cerca de 174 casos de violência no Brasil por razões políticas, um aumento de 23%. Neste mesmo ano, nos meses de janeiro, fevereiro e março, o estudo contabilizou 7 crimes de violência no Amazonas.
O estudo localiza crimes como homicídios, ameaças e atentados contra líderes políticos ou familiares de figuras políticas do país. Desde 2020, o menor número registrado pelo estudo foi em 2021, com 169 casos de violência política contra líderes políticos registradas.
A pesquisa considera líderes políticos aqueles que ocupam ou já ocuparam cargos políticos, pré-candidatos, candidatos ou funcionários de cargos administrativos públicos, como ministros e assessores.
O dirigente do PT e guarda municipal, Marcelo Arruda, se encaixa na categoria de líderes políticos vítimas da violência política. Arruda foi assassinado por um homem apoiador do presidente Jair Bolsonaro, enquanto comemorava seu aniversário de 50 anos com a família e amigos na cidade de Foz do Iguaçu, no dia 9 de julho. O tema do aniversário era o PT e o ex-presidente Lula.
Nas redes sociais, alguns parlamentares do Amazonas se posicionaram a respeito do ataque contra o membro do PT. Um deles foi o senador Eduardo Braga (MDB) que manifestou repúdio ao ódio e radicalismo diário.
“É preciso banir o ódio e o radicalismo do nosso dia a dia. Conviver com as diferenças, de forma civilizada, é essencial numa democracia. O resto é barbárie, é selvagerismo. Meus sentimentos aos familiares e amigos”,
publicou nas redes sociais.
O senador Omar Aziz (PSD) lamentou em suas redes sociais que duas famílias foram diretamente afetadas por um crime incitado pelo ódio.
“Triste ver o que o discurso de ódio tem provocado em nosso país. Duas famílias destroçadas pela intolerância e desrespeito à vida. O que aconteceu em Foz do Iguaçu é muito grave. Não podemos permitir que essa escalada de violência motivada por divergências políticas continue. Meus sentimentos às famílias enlutadas”,
pontuou.
O bem contra o mal
Conforme o cientista político Helso Ribeiro, as campanhas eleitorais deste ano serão marcadas pelo clima de intolerância, impulsionado pela dicotomia entre grupos que olham o universo político como uma briga do “bem” contra o “mal”.
“A gente observa, há quatro anos, um pouco antes das eleições passadas, que já existia um clima maniqueísta. A luta de bem contra o mal, que na verdade isso não existe. Uma sociedade democrática demanda o respeito ao diverso. Ela demanda a tolerância, e ela pede a busca do consenso”,
disse Helso Ribeiro.
A narrativa do “bem” contra o “mal”, estimulada pelo governo, conforme Helso, impõe a prática de discursos como a “política de resolver na bala” contra os adversários.
“Então, eu eu diria que os atuais ocupantes do poder eles não desceram do palanque, insistem nesse diálogo de “quem não está comigo, está contra”, é o mal, e é o inimigo, e não é um adversário. Isso gera essa essa política de resolver na bala. Na verdade, o símbolo de arminha, como objeto para defender, já impõe essa pouca tolerância. Acho que a gente tem que amar mais e armar menos”,
afirmou.
Helso analisa que, diante do ex-presidente Lula na frente das pesquisas, haverá o recrudescimento do clima de intolerância.
“Eu espero que não haja outros casos parecidos que comine na morte de pessoas, isso aí é a involução civilizatória. Eu espero que as instituições sejam respeitadas e as pessoas sejam respeitadas também. Eu adoraria que casos como esse não se repetissem, mas eu vejo, infelizmente, que o caminho da intolerância talvez seja a tônica da campanha eleitoral o que é lastimável”.
Violência política no Amazonas
O crime contra Marcelo Arruda, assim como outras ações de violência que ganharam destaque nacional, a exemplo do ataque de um drone que lançou urina e excrementos contra manifestantes do PT durante um evento que teria participação de Lula em Minas Gerais, não são apenas restritos a outros estados do país.
No Amazonas, a senadora Vanessa Grazziottin (PCdoB) também foi vítima de violência política e também de gênero. O caso aconteceu em 2012, quando ela se encaminhava para um debate, até que foi agredida por um grupo de pessoas que lançou ovos e cuspes que atingiram seu rosto e suas roupas.
Recentemente, a ex-parlamentar também sofreu mais um ataque de cunho político. No dia 24 de abril, enquanto participava de um ato em defesa à Zona Franca, no bairro Compensa, Zona Oeste de Manaus, a senadora foi atacada por palavras depreciativas que partiram de um grupo de oposição. Ao Em Tempo, a senadora disse que desde o início de sua carreira política, sofre com violência política e de gênero.
“Sempre tive a convicção que sofri a violência de gênero, violência política contra a mulher, mas a gente não expressava e nem divulgava muito, porque eu temia que aquilo fosse uma demonstração de fraqueza. E, na realidade, não é uma questão de fraqueza, é uma questão de você dar visibilidade a violência”,
afirmou
O grupo, apoiador do presidente Jair Bolsonaro, direcionou frases como “fora comunista”, tanto para ela, quanto para seu marido e ex-deputado federal Eron Bezerra (PCdoB).
“Eu sofro muito porque muita gente vem com agressão para cima de mim, pois sou muito identificada com o projeto do Lula né, com o projeto da esperança. Então, aquelas pessoas que são muito radicais e obscurantistas, vem com palavras de muita violência”,
disse a ex-parlamentar.
Para ela, a disputa política deste ano será atravessada por outros casos de violência, que não acontecem por causa da polarização, mas são inflamados por discursos de líderes políticos.
“Então, eu espero que as forças, inclusive, de segurança do país ajam com eficiência para tentar impedir e evitar esse tipo de manifestação”,
declarou.
Outro caso de violência política aconteceu no município de Tefé, 522 quilômetros de Manaus. Em uma cafeteria, um homem apoiador do presidente Jair Bolsonaro, lançou diversos xingamentos contra os parlamentares Marcelo Ramos (PSD) e Omar Aziz (PSD). O caso aconteceu no dia 30 de abril deste ano. O vídeo do momento do ataque circulou nas redes sociais.
Segurança nas eleições
Outro fator importante de impacto nestas eleições é o recorde de pessoas aptas a votar. Conforme os dados divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), cerca de 156, 4 milhões de compõe o eleitorado no país. Com tantas pessoas participando das eleições, o policiamento nas ruas no dia da votação deve se intensificar, ainda mais com o crescente aumento da violência política e eleitoral.
Nesse sentido, a Polícia Federal informou que vai investir cerca de R$ 57 milhões na segurança de candidatos à presidência, e também vai encaminhar cerca de 300 policiais para acompanhar e assegurar a proteção dos presidenciáveis, que deverão realizar um curso específico para atuar.
Ao Em Tempo, o realizador audiovisual e eleitor em Manaus, Brener Neves disse que essa é a primeira eleição que não se sente completamente seguro, visto que os casos de violência política se intensificaram nesse período de aproximação da disputa eleitoral.
“Antes eu até pensava em sair com blusas que mostrassem meu posicionamento político, mas devido os últimos acontecimentos de violência no país repensei e não pretendo mais demonstrar minha posição na rua, pois o medo de morrer por nada é maior. Mas também espero que com o novo presidente isso passe e nós possamos sentir mais segurança nas ruas”,
disse.
Sobre a questão da segurança, ele espera que o policiamento aumente nestas eleições, e que todas as escolas eleitorais tenham ao menos um reforço policial para evitar grandes problemas.
“É uma situação de violência muito complicada e triste que precisa ser resolvida com a próxima gestão”, contou.
Leia mais:
Curso gratuito de combate à violência política de gênero será realizado em Manaus
Observatório da Mulher na Política relata dificuldade para denunciar violência política de gênero
Dirigentes do PSOL no Amazonas brigam em redes sociais sobre denúncia de violência política
Para ficar por dentro de outras notícias e receber conteúdo exclusivo do portal EM TEMPO, acesse nosso canal no WhatsApp. Clique aqui e junte-se a nós! 🚀📱